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A Cassação do Ministro Barata Ribeiro: O Precedente Singular da Suprema Corte Brasileira

Nessa época de embates pela tentativa de tirar o ministro Alexandre de Moraes da Suprema Corte do Brasil em razão dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro entenderem que persegue o seu líder com suas decisões e, assim, estaria maculado pela falta de imparcialidade, ocorreu-me a lembrança do episódio envolvendo o ministro Cândido Barata Ribeiro, único caso, na história do Supremo Tribunal Federal, em que uma nomeação presidencial foi cassada pelo Senado Federal após sua formalização por decreto.

Isso aconteceu entre 1893–1894 e revelou fortes tensões constitucionais e institucionais fundamentais para a consolidação do regime republicano no Brasil, que ainda não contava com cinco anos de formação, merecendo uma nova leitura nos dias atuais, pois em história os fatos do passado possibilitam as melhores decisões no futuro. Afinal, “aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo“, como disse George Santayana, filósofo e ensaísta espanholna  sua obra “The Life of Reason” (1905).

Nascido em Recife (PE), em 11 de julho de 1843, Barata Ribeiro era médico de formação, com destacada atuação na medicina acadêmica e institucional, tendo sido diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e presidente da Academia Nacional de Medicina. Como se pode observar a sua ausência de trajetória e carreira jurídica, todavia, se tornaria o principal ponto de controvérsia no momento de sua nomeação ao Supremo Tribunal Federal pelo então presidente da República, Floriano Peixoto, ocorrida em novembro de 1893.

Na época, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, datada de 1891, previa, em seu artigo 56, §1º, que os ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam ser “cidadãos com notável saber jurídico e reputação ilibada”, não se exigia a formação como bacharel em direito. Mas, a nomeação de um profissional da medicina, ainda que de reputação respeitável, sem notório saber jurídico, representava, portanto, uma afronta direta ao texto constitucional.

Para piorar a situação, é importante destacar que a nomeação do doutor Barata Ribeiro foi feita sem prévia aprovação do Senado Federal, em afronta direta ao artigo 48, inciso XII da Constituição de 1891, que conferia ao Senado a competência privativa de aprovar ou rejeitar os nomes indicados pelo Presidente da República para o Supremo Tribunal Federal.

Esse atropelo político na nomeação gerou reações imediatas no Senado Federal, sob forte influência de juristas e políticos legalistas, entre eles Rui Barbosa, articulou uma reação institucional. Rui Barbosa, notório defensor do Estado de Direito e da separação dos poderes, sustentou que a nomeação era inconstitucional por vício de origem e que aceitar tal imposição presidencial comprometeria a autonomia do Poder Judiciário e as garantias republicanas recém-instituídas com a mudança de regime.

Isso levou o Senado Federal no mês de março de 1894 a anular a nomeação, declarando sua invalidade jurídica por ausência de requisitos constitucionais do indicado e pela inobservância do processo legal. Tal decisão teve por base o princípio da legalidade estrita, o respeito às cláusulas pétreas da jovem Carta Republicana e a prerrogativa do Senado no controle de nomeações a cargos-chave da República dos Estados Unidos do Brasil.

O caso constitui, até hoje, um precedente único de recusa formal de nomeação já efetivada por decreto presidencial, reafirmando o papel do Senado Federal como órgão de controle e baliza dos limites institucionais do Executivo. Barata Ribeiro, afastado da cena política após o episódio, faleceu no Rio de Janeiro em 1900. Sua trajetória, marcada mais pela ciência médica do que pela vida pública, permanece inscrita como alerta histórico contra o arbítrio e a personalização dos poderes republicanos.

Este caso é emblemático não apenas pela sua raridade, mas por representar uma afirmação precoce da institucionalidade republicana, da supremacia constitucional e da vigilância interinstitucional como garantias do equilíbrio entre os poderes da República, sendo um alerta para os atuais senadores conflagrados contra o ministro Alexandre de Moraes por conta de sua atuação jurisdicional, uma vez que acima de todos os brasileiros – inclusive os senadores – estão as leis e a Constituição do país.

Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direto do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e presidente da AMA – Academia Mato-grossense de Magistrados.

Antonio Horácio da Silva Neto

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Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e presidente da Academia Mato-grossense de Magistrados. Colaborador especial do Circuito Mato Grosso desde 2015.