O mês de março é considerado o mês da “mulher”, porém os números da violência fazem com que a data ganhe cores de alerta e não de comemoração. Em Mato Grosso, entre 1º de janeiro e 25 de fevereiro, 16 mulheres foram mortas vítimas de feminicídio. Uma realidade brutal, principalmente porque os agressores, em quase todos os casos, são parentes, muitas vezes ex-companheiros que acreditam ter o direito de matar uma mulher que se recusa a viver ao seu lado.
Os números são da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) e revelam a fragilidade da segurança das mulheres no estado. Das 16 mortes registradas neste ano, de acordo com os inquéritos policiais, 13 homicídios foram motivados por crimes passionais. Ou seja, quando o companheiro não aceita o fim do relacionamento e por motivo fútil ou torpe, como o ciúme, que o leva a cometer o crime.
Viviane da Silva Ângelo, 18 anos, grávida de sete meses, foi encontrada morta na Ponte de Ferro, em Cuiabá. A Perícia Oficial de Identificação Técnica (Politec) afirma que a jovem foi morta com violência extrema. Tanto a grávida quanto o bebê de sete meses não resistiram à brutalidade e foram a óbito.
A Politec atestou que como causa da morte foi traumatismo craniano em consequência dos golpes sofridos na face e no crânio. O assassino de Viviane identificado como “Rubinho” relatou que cometeu o ato por ciúmes que sentia da garota. Ao saber que a mesma estava grávida, ele também desconfiou da paternidade e cometeu o ato. Antes de ser preso pela polícia, Rubinho foi morto por outros criminosos.
A jovem foi enterrada junto com o filho que esperava de sete meses. A família não pôde fazer o velório de Viviane por conta do estado em que ficou o rosto da jovem.
O crime chocou a população da cidade e é um exemplo do que podemos chamar de feminicídio. De acordo com o juiz Jamilson Haddad Campos, da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, esse crime ocorre quando a pessoa é assassinada pela condição de ser do sexo feminino. “É um homicídio doloso qualificado contra pessoas do sexo feminino, quando há um menosprezo, uma desvalorização da mulher. Nem toda morte de mulher é feminicídio”, conta o juiz, em cuja vara há 5.256 processos em andamento.
Nesta quarta-feira (7), a DHPP realizou a operação Maat no intuito de prender homicidas que praticaram feminicídio. O mandante da morte de Viviane, identificado como Mateus Rodrigues Pinto, foi preso em sua residência no bairro Quilombo, na capital.
Segundo a delegada Juliana Palhares, o pedido de prisão de Mateus foi solicitado pela delegada Alana Cardoso que preside o inquérito policial, e as investigações apontaram o jovem que já teve caso amoroso com Viviane, como mandante do crime.
A operação Maat foi realizada em alusão ao Dia Internacional da Mulher e fez com que a unidade fosse a campo a fim de prender e localizar os suspeitos que tiveram participação em crimes de feminicídio que ainda estavam em liberdade.
Outra morte que comoveu a população foi a da jovem Giovana Sinopoli, 16 anos, morta com 23 facadas enquanto estava com o namorado da mesma idade em uma residência na Rua das Mangueiras, bairro Jardim das Orquídeas, em Nova Mutum (269 km de Cuiabá). O autor foi preso em flagrante.
O crime ocorreu na tarde do dia 22 de fevereiro. O delegado Felipe Leoni, responsável pelo caso, descartou a participação de uma terceira pessoa na cena do crime.
Algumas testemunhas que prestaram depoimento relataram ao delegado que o menor faz uso de medicações e sofreria de ataques epiléticos. “Não podemos neste momento fazer vínculo de nexo de causa, do problema neurológico dele com o resultado da ação, a morte da menor”, explicou o delegado.
Em coletiva, Felipe Leoni ainda disse que a adolescente lutou para não morrer, mas foi impossível. “Existiam lesões de defesa no antebraço dela e nos palmares e foram localizadas 23 perfurações de faca no seu corpo”, relatou.
A delegada Juliana Chiquito Palhares, da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), contou ao Circuito Mato Grosso que o autor do feminicídio sempre ataca a vaidade da mulher. Por isso a tendência nos crimes de mortes de mulheres é a desfiguração do rosto e do corpo.
“Eles querem fazer algo que deixe marcas permanentes, como desfigurar o rosto com golpes de objetos ou ácido, desfiguração do seio e até casos de arrancar fetos quando a vítima está grávida”, destaca.
A principal característica do homem que comete feminicídio é a possessão. Ele busca sentir que tem o domínio da mulher. “Normalmente o homem quer o domínio total da mulher, ele quer decidir o que ela deve vestir, quando ela deve sair de casa”, explica a titular delegada Juliana Chiquito Palhares.
Longe de ser um problema mato-grossense, o feminicídio é uma epidemia nacional. De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha e encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança, a cada hora, 503 mulheres brasileiras são vítimas de agressão física e em 61% dos casos o agressor é um conhecido da vítima. E o mais chocante dos dados informados: 1,4 milhão de mulheres já sofreu espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1% levou pelo menos um tiro na vida.
Estupro, assédio e crimes sexuais
A violência sexual é o segundo tipo de crime que mais pesa sobre a vida das mulheres. No dia 28 de fevereiro, uma mulher identificada com as iniciais S.S.Z., 25 anos, foi agredida e violentada sexualmente em plena via pública. A moça, ainda muito machucada e em estado de choque, foi socorrida por policiais militares no bairro Parque Ohara, em Cuiabá. Ela conseguiu apenas informar que o acusado do estupro seria um homem conhecido como “Negão Mecânico”.
Os próprios policiais militares socorreram a mulher e a encaminharam ao Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC). S.S.Z. foi internada para realizar exames e tratar os ferimentos.
A violência sexual também é carregada de contornos culturais que permitem que certos abusos sejam cometidos diariamente. Ainda segundo a pesquisa da Datafolha, 40% das mulheres acima de 16 anos já sofreram algum tipo de assédio, 8% sofreram ofensas sexuais e 2,2 milhões de mulheres brasileiras já foram beijadas ou agarradas sem consentimento.
A muitas mulheres não é dado sequer o direito de ir e vir em paz. Em janeiro, familiares e amigos do jovem Michael Dhefferson Borges, 19 anos, realizaram buscas e chegaram a registrar um boletim de ocorrência de desaparecimento do estudante, antes de este chegar a Cuiabá, onde mora.
A família relatou que o jovem teria ido passar férias em Rondônia e após retornar à capital mato-grossense não deu mais notícias, o que deixou pessoas próximas aflitas. Após buscas, a verdade veio à tona quando foi descoberto que na realidade o estudante estava detido no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC) após ser acusado por uma passageira de ter praticado abuso sexual durante a viagem do ônibus que vinha de Rondônia com destino a Cuiabá.
Segundo a vítima relatou aos inspetores do ônibus, o jovem teria tocado seus seios mais de uma vez durante o trajeto e após ser identificado pediu desculpas e disse estar “arrependido”. Os policiais encaminharam Michael, a vítima e uma testemunha ao delegado plantonista da Central de Flagrantes de Várzea Grande. Michael foi autuado por violação sexual mediante fraude (Artigo 215 – também chamada de estelionato sexual. Nesse crime a vítima é levada à prática de conjunção carnal ou ato libidinoso sem sua anuência, sendo impedida ou dificultada a manifestação de sua vontade por meio de fraude praticada pelo agente, sem violência ou grave ameaça).
Ato contra a violência e defesa pessoal
Para chamar a atenção quanto à brutal realidade da violência contra a mulher em Mato Grosso, o Coletivo de Mulheres vai realizar na quinta-feira (08/3) um encontro na Praça Alencastro, Centro de Cuiabá. O ato contra a violência à mulher terá a presença do grupo formado por donas de casa, estudantes, profissionais liberais, com apoio do Partido Verde Mato Grosso (PV-MT).
Uma das coordenadoras do evento, Cleia Diva, alerta que o feminicídio é uma marca de sociedades onde há grande desigualdade de gênero. Esse tipo de crime seria a expressão fatal das diversas violências que podem atingir as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre homens e mulheres, seja por construções históricas ou culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias.
“Devemos lutar por nossos direitos e o nosso slogan é: “Não queremos flores, queremos respeito”. Vivemos em uma sociedade que mesmo com o desenvolver de suas culturas e condições éticas, ainda é bastante machista, referente às mulheres e sua fragilidade”, pontua.
Ensinar técnicas de defesa pessoal é outro caminho de apoio que será dado às mulheres durante o mês de março no estado. A proposta é que as mulheres conheçam a defesa pessoal israelense e percebam que é possível se defenderem, mesmo de agressores maiores e mais fortes, com as técnicas adequadas.
Todas que queiram aprender a utilizar técnicas de artes marciais podem procurar as academias credenciadas pela Federação de Krav Maga no Brasil, Argentina e México. Os exercícios vão simular os tipos de ataques mais frequentes praticados contra elas – roubo de bolsa, agressão, puxão pelo braço ou pelo cabelo, enforcamento, estupro, entre outros.
As interessadas devem ter 14 anos ou mais e podem obter convite para um mês de treinamento gratuito na academia mais próxima (verificar as possibilidades de academias credenciadas no www.kravmaga.com.br ).
“Nosso objetivo é que as mulheres percebam que podem se prevenir contra a violência mudando a forma com que elas lidam com o medo e com sua autoestima”, afirma o israelense grão-mestre Kobi Lichtenstein (faixa-preta – 8º Dan), introdutor do Krav Maga no Brasil e fundador da FSAKM.