O monitoramento por tornozeleira eletrônica tem se mostrado eficiente em alguns pontos como a pena humanizada, que não exclui o detento de 100% do convívio social; desafoga o superlotado sistema penitenciário de Mato Grosso e representa economia aos cofres públicos. Porém nem tudo são flores. Há aqueles que se aproveitam do benefício da liberdade e, literalmente, se sentem livres para infringir regras e reincidir na criminalidade, o que gera sensação de insegurança e impunidade na sociedade.
Roubos, furtos, tráfico de drogas. São diversas as formas de se beneficiar do direito à liberdade “monitorada”. Em Mato Grosso, o número de aparelhos é sempre igual ao de recuperandos beneficiados pela Vara de Execuções Penais do Poder Judiciário, hoje num total de 2.442.
O juiz Vara de Execução Penal, Geraldo Fidélis, relata que 20% dos que usam o equipamento voltam a cometer crimes. Esse percentual equivale a 488 pessoas, que deveriam estar presas, mas que vêm fomentando os números da criminalidade no Estado. O magistrado defende que o Governo adquira mais tornozeleiras para servir, realmente, todo o Estado, aumente a fiscalização desse monitoramento e o número de pessoas monitorando.
“O que fica é a sensação de insegurança, porque nós queremos que o detento cumpra a pena pelos atos que ele cometeu. A sociedade fica preocupada, assim como eu, porque a pessoa que deveria cumprir pena está em casa. Isso é errado”, explica o juiz Vara de Execução Penal, Geraldo Fidelis, fazendo um comparativo com o sistema semiaberto de outras regiões do País.
Em outros estados, detentos do regime semiaberto recebem, em datas excepcionais, o direito de ficar com familiares e, após as datas (dia das mães, pais, natal etc…) eles retornam às colônias penais. Geraldo Fidelis aponta que o benefício da saída temporária aqui é o uso da tornozeleira, uma vez que em Mato Grosso não existem colônias penais. “Eles já estão com o benefício da saída temporária o ano todo por falta de competência dos governos que não construíram as colônias penais”, aponta o juiz.
“É complicado falar de investimentos se o regime fechado já está entupido.”
O magistrado conta que, em tese, os presos das colônias penais seriam levados às 6h para uma fábrica ou oficina autorizada pelo governo e seriam trazidos novamente às 20h para a colônia. “Seria efetivamente um regime semiaberto , sem não deixar o pessoal à solta fazendo o que quer. As colônias penais não foram pensadas por nenhum dos governos, inclusive este”, ressalta Fidélis.
Ele aponta que no atual cenário de crise é difícil falar em construção de colônias penais e investimentos no regime semiaberto, uma vez que o sistema carcerário encontra-se defasado e superlotado. “É complicado falar de investimentos no regime semiaberto nesse momento, se o fechado está entupido. O sistema penitenciário está muito defasado e dos males a superlotação é a pior”.
Lado positivo
Fidélis destaca que, apesar de parte dos criminosos voltarem ao crime, o sistema de tornozeleiras eletrônicas tem seu lado positivo. “O percentual é de 20% que cometem novos crimes. Mas é importante ressaltar que a cada 10, tem oito trabalhando. A cada 100 apenas vinte preferiram o crime novamente”.
Se os criminosos que fazem uso do equipamento forem pegos cometendo novos crimes, perderão o direito do regime semiaberto e terão sua pena recalculada – o que faltava para cumprir, mais o tempo da nova pena, regredindo para o sistema fechado.
“Ele vai perder o direito de permanecer na rua e irá regressar ao regime fechado. O importante é os 80% que estão retornando à sociedade e dá para acreditar na recuperação. Precisamos comprar mais tornozeleiras para servir todo o Estado realmente”, finaliza o juiz Geraldo Fidélis.
Fé na impunidade
“A sensação de impunidade leva os criminosos a cometerem novos delitos”
O especialista em segurança pública, Naldson Ramos, destaca que crimes impunes seriam motivadores à prática de novos delitos. “A sensação de impunidade leva os criminosos a cometerem novos delitos. A pessoa sabe que a existe a possibilidade de ela não ser pega ou reconhecida na primeira, segunda, terceira vez e isso a incentiva a continuar agindo. A solução seria uma maior fiscalização para redução desses reincidentes”.
O especialista ressalta a má gestão do sistema de monitoramento como causador dos dados negativos, mas, sobretudo, a baixa moral da sociedade brasileira que estabeleceu o pensamento de que burlar as regras é a melhor opção. Ele aponta que os casos de reeducandos que se aproveitam da liberdade para cometer novos crimes é tão comum quanto os de políticos ou empresários que aproveitam da sua posição para a corrupção.
“No Brasil não há nada que você faça para resolver um problema que não acabe criando outro. É da cultura brasileira burlar a lei. Os políticos fazem isso, empresários fazem, não importa a área, a população faz”, compara Naldson.
Ele aponta que a má fiscalização contribui para o dado negativo de condenados voltarem à criminalidade, mesmo cumprindo pena. “A questão é ter um melhor controle da mobilidade dessas pessoas. A má gestão do sistema acaba gerando certa liberdade pela falta do acompanhamento de onde a pessoa está caminhando, trafegando ou, até mesmo, se retirou o equipamento. Muitas vezes isso não é fiscalizado pelo poder público”, aponta Naldson.
Apesar dos déficits no sistema de monitoramento por tornozeleiras eletrônicas, Naldson afirma estar do lado dos 80% que são recuperados. “A solução seria uma maior fiscalização para redução desses reincidentes, pois o sistema humaniza a pena, permitindo que o detento possa trabalhar e conviver com sua família”, salienta.
Sobre o sistema de tornozeleiras
Mato Grosso implantou o sistema de acompanhamento em setembro de 2014 com pouco mais de 300 tornozeleiras ativadas. Hoje já são 2442. O aparelho pode ser utilizado pelos sentenciados no regime de progressão de pena e também nos casos de presos provisórios, que aguardam a sentença do Poder Judiciário.
O equipamento funciona com o sinal de celular e utiliza dois chips. O sistema de GPS emite a localização do usuário à central, que poderá informar às autoridades caso sejam descumpridas determinações judiciais.
Entre elas estão: não frequentar bares e casas noturnas ou aproximar-se de vítimas em medidas protetivas – que poderão, por meio de outro equipamento, acionar diretamente a polícia com o botão de alerta. As informações sobre o percurso do recuperando ficam armazenadas por até 30 dias.
Segundo a Sejudh, quem usa o aparelho fica sob vigilância 24 horas por dia num sistema compartilhado por meio do qual os profissionais que atuam nos departamentos de Inteligência da Segurança Pública (Sesp, Polícia Judiciária Civil e Polícia Militar) têm acesso compartilhado ao sistema.
Se o preso descumpre horários estabelecidos pelo Judiciário, como o de ficar em casa e no trabalho, deixa de carregar ou viola o equipamento, um sinal é emitido para a central e ele se torna imediatamente foragido da Justiça, perdendo o benefício da liberdade.
A Sejudh informou que a Central de Monitoramento ainda não disponibilizou o balanço dos números de rompimentos, que é quando a tornozeleira é danificada. De acordo com a secretaria, o balanço destes casos só será finalizado em janeiro de 2017.
Casos ilustram reincidência
01: Na noite do dia 07 de setembro deste ano, um policial militar e toda sua família ficaram na mira de uma arma que era apontada por um detento que utilizava tornozeleira eletrônica. O fato aconteceu no Bairro Pedra 90, na capital do Estado. Allef Gabriel Junior de Magalhães, de 22 anos, foi preso juntamente com outros dois criminosos. Ele, que usava tornozeleira, manteve a família do policial em cárcere privado em uma região de mata, enquanto os demais fugiram com o carro da família. Neste episódio, Aleff foi preso juntamente com um comparsa. Eles estavam com três armas de fogo.
02: Em janeiro deste ano um detento que também cumpria pena em regime monitorado, roubou mais de R$ 1 milhão em joias de um apartamento no Bairro Santa Helena, em Cuiabá. O suspeito se apresentou como cliente da vítima que é vendedora. Após conseguir entrar no apartamento, o homem sacou a arma e anunciou o roubo. Todos os moradores foram rendidos e mantidos sob a mira de um revólver. A vítima relatou que o bandido ordenou que deitassem no chão e mandou a comerciante colocar os mostruários dentro de uma mala. Em seguida, o assaltante mandou que ela ligasse na portaria e autorizasse sua saída. Um comparsa buscou o criminoso e ambos fugiram sem deixar pistas.