Acordamos atrasados, às 9 da manhã. Nosso voo estava marcado para a hora do almoço. Fizemos nosso check out, descemos as escadarias íngremes do Hostel e saímos correndo para o metrô. Uma chuva fina, quase inofensiva, caía dos céus, encharcando os casacos. Chegamos rapidamente ao Aeroporto. Para nossa surpresa, o check in ainda estava fechado. Por conta do mal tempo, nossa saída de Schiphol iria atrasar consideravelmente. Intrigante que voos de Companhia maiores, com seus superaviões, levantavam normalmente.
– Cara, amanhã tenho prova! Arnaldinho, falei pra gente não comprar esses voos mais baratos!– falo, carregado de rancor, deitado no chão da sala de embarque lendo as matérias para fazer o teste do IELTS.
Surgiam os cheap flights na Europa e havia muito preconceito com este tipo de companhia. Vivíamos a abertura de um mundo perfeito e globalizado. Era início de 1998. Gala estourava nas pistas. Inglaterra ainda era mais barata, dólar a R$ 1,26, mas brasileiro é sempre duro. Ainda mais estudantes. Nós, estudantes de inglês em Cambridge, ainda mais: qualquer penny era um penny. O importante era viajar. Fomos sair de Amsterdã perto das 17 horas, noite no inverno Europeu. Um breu de assustar. As nuvens pareciam treinar um balé horripilante. Flocos de neve caiam do céu Brumário. Ao chegarmos ao avião, entendi porque não poderíamos ter voado antes: uma aeronave pequena, para uns 90 lugares, com 2 turbinas barulhentas em cada asa, especialmente feito para pousar em pistas curtas como London City Airport ou Standford.
Sim. O mesmo avião da tragédia de Medellin, que matou quase todo time do Chapecoense.
Ao embarcarmos, reparamos que era um avião muito confortável, bancos de couro, TV a bordo em cada fileira, coisa muito rara na época. O tempo de voo de Amsterdã para Londres seriam 45 minutos, mas por conta de risco de neve e tempestades, nosso voo seria de 1 hora e 5 minutos. Arnaldo aproveita o conforto das poltronas e logo dorme. Pego minha apostila e me concentro nos estudos. Decolamos normalmente, um voo normal, exceto pelo barulho estridente das turbinas, que ficam à altura dos ouvidos. Logo começou uma turbulência incessante. Perto de Londres, com uns 45 minutos de voo, preparando a descida, a turbulência aumentou. E aumentou. E aumentou. Em poucos minutos, o avião despencava 10 metros e parava, fazendo com que quem não estivesse de cinto de segurança, voasse aos ares. Vários feridos. Jogo pra longe a apostila e me seguro forte na poltrona. Desespero total. Os compartimentos de bagagem arrebentam espalhando malas de mão para todo lado. Mais feridos. As luzes se apagam. Olho na janela embaçada pelo f
rio, e não vejo absolutamente nada, apenas neve. Sem saber o que fazer, começo acordar Arnaldo.
– Arnaldo! Arnaldo! Nós vamos morrer!!!! Nós vamos morrer!!!!! – grito em desespero balançando fortemente seu braço.
Arnaldo acorda em meio ao desespero, e chorando de susto.
– Porra, João!!!!! Vai cair!!!! Vai cair!!!! Porque não me deixou morrer dormindo!!!!!
Não tive nem tempo de terminar o Pai Nosso. Mais 10 segundos de sacolejo, e aeronave estabiliza. E faz o restante do voo, quase um cruzeiro. Aterrissamos bem em Luton, na medida do possível, eu e Arnaldo sem nenhum arranhão, salvos pelo cintos de segurança.
Prometi a mim mesmo que nunca mais entraria naquele avião outra vez.