Traficantes usam criatividade na fronteira
Os traficantes possuem inúmeras estratégias que passam pelas mais cruéis, que são a cooptação de pessoas que não tiveram muitas oportunidades na vida, para ingerirem cápsulas de drogas (cocaína, na maioria das vezes) e atravessarem a fronteira. Também utilizam próteses no bumbum, panturrilha e outras partes do corpo recheadas de drogas, além de compartilhamentos secretos (mocós) em veículos cheios de substâncias ilícitas.
Assim funciona o tráfico de drogas em mais de 700 quilômetros de fronteira do Estado de Mato Grosso com a Bolívia. Conforme relatou o tenente coronel PM Jonildo Assis, comandante do Grupo Especial de Segurança na Fronteira (Gefron), os criminosos não possuem uma tática definida, pois, sempre que descobertos, procuram novas artimanhas.
“É uma estratégia itinerante, porque eles têm vários métodos de trazer drogas do país vizinho. Assim que você identifica o modus operandi, eles migram para outras técnicas. A criminalidade na área de fronteira trabalha com informações e essas informações correm muito rápido dentro desse círculo criminoso”, reforça o tenente coronel Assis que, há um ano e nove meses, trabalha como coordenador do Gefron, mas já atua há quase 20 anos na região.
O tráfico ‘formiguinha’ e as ‘mulas humanas’ também são alguns dos expedientes mais utilizados. Segundo o comandante do Gefron, algumas pessoas chegam a andar até 60 quilômetros para atravessarem a fronteira e chegar até o local combinado para deixar a droga. Outras modalidades passam pelo transporte de drogas em motos de pequeno porte, como ‘Pop 100’, ‘125 cilindradas’ e até de bicicletas são utilizadas no tráfico de entorpecentes.
As conhecidas cabriteiras
A construção de ‘cabriteiras’, estradas abertas para fugir das abordagens policiais, em toda a região de fronteira, ainda é bastante utilizada pelos traficantes.
“Não existe uma coisa constante, não posso dizer que eles só passam aqui’. Os traficantes utilizam toda a faixa de fronteira, não só para o tráfico de drogas, mas para qualquer outro ilícito transfronteiriço. Existem estradas que ainda nem nasceram como ‘cabriteiras’ e são utilizadas pelo tráfico. Prova disso é o tráfico por ‘mulas humanas’, que vão passando terra por terra, fazenda por fazenda, utilizando canoas para atravessarem rios e chegarem até o local combinado”, pontua o coronel.
No entanto, o tenente coronel Assis reforça que houve avanços significativos no aumento da segurança pública na região. Segundo ele, a criação do Gefron em 2002 e a efetivação dos trabalhos em 2003 marcou uma linha divisória e alterou o cenário geopolítico do local. Antes os proprietários de terra tinham medo até mesmo de ter um trator novo ou uma camionete na fazenda, porque isso ‘era um atrativo’ para quadrilhas que roubavam veículos e levavam para o país vizinho.
“Os proprietários rurais tinham muito receio de irem até as suas propriedades por medo de descerem com o seu avião ali e ter a aeronave subtraída e levada para o país vizinho por quadrilhas especializadas. Após a criação do Gefron nós tivemos até uma valorização das terras ali. O Gefron hoje é uma tropa bastante reconhecida na área de fronteira, tanto pelo seu profissionalismo, como no trato com as pessoas brasileiras e bolivianas”.
No período em que ele está à frente dos trabalhos do Grupo Especial, já foram apreendidas mais de cinco toneladas de drogas. Houve um avanço de mais de 230% nas apreensões de drogas pelo Grupo Especial de Segurança na Fronteira. Em 2014 foram apreendidos 900 quilos de droga, enquanto no ano de 2015 foram cerca de duas toneladas e em 2016, até o momento, essa cifra já pulou para mais de três toneladas.
Efetivo é aquém do desejado
A Secretária de Segurança Pública (Sesp) informa que em Mato Grosso existem quinze mil profissionais da segurança pública para 3.300.000 (três milhões e trezentos mil) cidadãos. Número aquém do desejado, segundo o próprio secretário Roger Jarbas, que minimiza afirmando que o governador Pedro Taques aumentou em 3.550 para alcançar esse número.
Para fiscalizar os 780 quilômetros de fronteira com a Bolívia, o Grupo Especial de Segurança na Fronteira (Gefron) possui 137 homens e deve receber mais 31 policiais ainda neste mês. O comandante do Grupo Especial, tenente coronel Assis, afirma que trabalhou no Gefron entre 2007 e 2010 e nunca passou de 100 homens o efetivo do comando.
No entanto, ele considera positiva a experiência adquirida pelos profissionais da fronteira nesses 14 anos de existência. Para ele o know how [conhecimento de normas, métodos e procedimentos] adquirido é um dos maiores fatores de sucesso nos indicativos de apreensões.
“Um dos fatores que nos levaram a chegar num nível de excelência e conseguirmos atingir esses números de produtividade, deve-se ao desenvolvimento deste know how. Uma busca veicular que se faz na cidade é totalmente diferente do que a gente faz lá na fronteira, a entrevista pessoal é incrivelmente diferenciada, porque esses policiais desenvolveram essa habilidade nos últimos 14 anos”, explica o tenente coronel Assis.
A PRF também opera em déficit operacional de 183 policiais. Segundo o superintendente, Kellen Arthur Preza Nogueira, foi realizado um estudo pelo departamento, que indica o número ideal de 572 policiais rodoviários federais em Mato Grosso, entretanto a equipe atual possui 389 integrantes.
BRs 070 e 364 concentram apreensões
Considerada a espinha dorsal das rodovias, a BR-364, que tem 4.325 quilômetros de extensão é por onde circulam ‘quase que obrigatoriamente’ as drogas no Brasil, segundo o superintendente da PRF em Mato Grosso, Kellen Arthur Preza Nogueira. No entanto, o trabalho de inteligência é prejudicado devido ao grande volume de veículos que circulam diariamente, que de acordo com a PRF, são 50 mil veículos por dia.
“As apreensões ocorrem em maior número na BR-070, esse eixo entre Várzea Grande e Pontes e Lacerda, porque há uma quantidade menor de veículos trafegando, então fica mais fácil para fazer a seleção dos veículos considerados suspeitos. Dá pra fazer um trabalho melhor de inteligência nessas rodovias com menor fluxo de veículos”, exclama.
No entanto, quanto maior o número de apreensões em menor quantidade (peso) indica que o volume de drogas chegando ao Estado é bem superior que o imaginado, explica o superintendente. A PRF apreendeu nas rodovias federais de Mato Grosso, em 2015 e 2016, cerca de uma tonelada e meia de drogas.
“Hoje a gente consegue identificar e interceptar pequenas quantidades na distribuição, isso indica que chega grande quantidade em determinado polo. A partir desse polo é realizada a distribuição, que nós temos chamado de tráfico formiguinha. Aquela apreensão de 459 quilos de cocaína, por exemplo, foi um prejuízo muito grande para a organização criminosa. Toda essa quantidade iria para um polo de distribuição, porque 459 quilos não vão ser consumidos por um mesmo grupo em poucos dias. Uma quantidade dessas possivelmente seria distribuída para vários lugares”, expôs o superintendente da PRF.
Integração e interação das forças policiais
Um dos motivos da elevação no número de apreensão é a integração dos órgãos de combate ao tráfico no Estado, conforme avalia de forma unânime o secretário Roger Jarbas, o superintendente da Polícia Rodoviária Federal em Mato Grosso (PRF), Preza Nogueira e o comandante do Grupo Especial de Segurança na Fronteira (Gefron), tenente coronel Jonildo Assis.
“O mais importante de tudo isso é a parte do serviço de inteligência que é feito em conjunto com a Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil e o Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso (Detran/MT). Essa união e colaboração ‘interagências’ tem alcançado grandes resultados. Um exemplo disso foi a apreensão de 459 quilos de cocaína, que é resultado do trabalho das inteligências da PF e da PRF”, avalia o superintendente da PRF, Kellen Arthur Preza Nogueira.
O trabalho integrado das policias tem atingido, também, o outro lado da fronteira. A polícia boliviana vem interagindo de maneira ainda ‘não institucionalizada’ com as autoridades brasileiras. De acordo com o comandante do Gefron, coronel Assis, já houve ‘alguns esboços’ de ações envolvendo as policias dos dois países e poderão ter novas operações integradas futuramente.
“No ano passado e nesse ano a polícia boliviana já nos entregou veículos roubados, que foram subtraídos no Brasil e eles recuperaram lá do outro lado. Eles também já entregaram fugitivos da justiça brasileira. Nós passamos a informação, eles foram lá e prenderam. Essa interação já vinha caminhando de forma não institucionalizada, de forma regional, na conversa. De ir lá e conversar e eles também virem aqui conversar conosco, e agora com essa ação do Governo do Estado vira uma coisa institucionalizada. Vai ficar muito melhor”, afirma o tenente coronel.