Por: Catia Alves e Cintia Borges
Fotos: Willian Matos
Os olhares na fila de espera expressavam medo e angústia. Há mais de 15 dias, quem procura atendimento no Hospital de Câncer de Mato Grosso (Hcan) não está sendo atendido. O hospital alega que a Prefeitura de Cuiabá não realizou os repasses de outubro. Na sala de espera da Ala Pediátrica do Hospital, pais desolados. “Como ficará o tratamento do meu filho?”. “E o meu filho, que estava com a cirurgia agendada, poderá ter a situação agravada?”.
Na quarta-feira (18), o filho de quatro anos da Leidiane dos Santos, que veio de Colíder (634 km de Cuiabá) para Capital há cinco meses, deveria realizar a terceira sessão de quimioterapia. Contudo, com a paralisação, ele não realizou nem a segunda, que deveria ter sido feita no início da paralização. “Ele não pode perder tempo. Fica um sentimento de indignação. É um direito deles o tratamento”, contou emocionada.
Acolhidos pela Associação dos Amigos das Crianças com Câncer (AACC), a dona de casa Elisângela Silva dos Anjos descobriu, há três meses, que o filho de dois anos, Kalebi, está com leucemia. O pequeno deveria ser internado na quinta-feira (10), mas a paralisação o impediu. “Estamos aqui na associação aguardando o retorno do atendimento no hospital. Está sendo difícil… Deixei minha família, minha casa, minhas coisas todas para trás para cuidar do meu filho”, conta Elisângela.
O médico hematologista do Hospital do Câncer, André Crepaldi, afirma que esses pacientes correm de fato risco de vida. E que não há como precisar sobre as chances de cura do paciente por falta de tratamento, já que cada caso é singular.
“Uma consequência gravíssima é que os casos novos não estão chegando para tratamento. Isso acarreta risco de vida para esse grupo de pessoas que ainda não receberam o diagnóstico. Principalmente em casos mais agudos como leucemia tanto na criança quanto no adulto. Fora os tumores sólidos que estão precisando de tratamento, como o câncer de mama, câncer de estomago que estão perdendo a chance de serem curados, porque não estão sendo tratados no momento adequado”, revela Crepaldi.
Entretanto, o médico alerta que com a paralisação, as chances de cura caem pela metade, principalmente porque em alguns diagnósticos, a doença pode voltar. “Geralmente o tratamento do paciente volta de onde parou. A gente espera que ocorra tudo bem. O meu sentimento é de angustia e impotência a essa situação já que não depende somente da nossa vontade. Tem muita coisa envolvida e a gente não pode fazer nada”, pontuou.
Além do Hospital do Câncer, mais três hospitais filantrópicos de Cuiabá que realizam cirurgias de alta complexidade estão paralisados: Santa Casa de Misericórdia, Hospital Santa Helena e o Hospital Geral Universitário. Esta é a segunda paralisação destas instituições neste ano pelo mesmo motivo. A primeira ocorreu no dia 10 de março.
Atendimentos estão suspensos há mais de 15 dias
O Hcan suspendeu novos atendimentos no dia 7 de novembro, exigindo que fossem repassados o montante referentes ao meses de setembro e outubro no valor de R$ 5.455.085,00.
De acordo com o documento entregue pela prefeitura, os repasses referentes ao mês de setembro, foram realizados no dia 14 de novembro, e totalizam R$1.959.050,14. Nesta data, o Hospital de Câncer, junto a outros três hospitais filantrópicos que realizam atendimento de alta complexidade já haviam paralisado novos atendimentos.
Referente a outubro, a prefeitura já fez o repasse, também no dia 14 de novembro, de R$223.931,33. Com isso, de acordo com o Hospital, a prefeitura ainda deve R$3.272.103,53.
O presidente da instituição alega que os atrasos nos repassem acontecem desde a gestão de Chico Galindo (PTB), em 2012. “Ele [ Mauro Mendes] já tem na conta dele, os repasses do Fundo Nacional de Saúde. Que ele já recebeu os meses de outubro e novembro que dá aproximadamente R$24 milhões. Então quem falta com a verdade e usa do prestigio do cargo é ele”, acusa.
A competência de outubro que não nos pagou, ele recebeu R$12 milhões no dia 7 de outubro. A competência de Novembro, que ele não nos pagou, e que já fechou no dia 15, ele já recebeu, e a recebeu no dia 8. Essa ele não deve ainda, pois está dentro daquele prazo de cinco dias uteis para fechar a conta.
“O prefeito quer denegrir a imagem do HCan”, diz presidente do Hospital
O presidente de Hospital de Câncer Mato Grosso, Laudemi Moreira, rebateu a declaração dada pelo prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes (PSB), ao Circuito Mato Grosso. “Se tem uma instituição que não quer mentira somos nós. Eu lamento profundamente que o prefeito Mauro Mendes, no final de seu mandato, use de inverdades para tentar denegrir uma instituição tão séria como o Hospital de Câncer”, contestou o presidente da instituição.
Mauro Mendes afirmou na tarde da quarta-feira (23) que o “Hospital de Câncer prestou uma informação mentirosa e desonesta para a população de Cuiabá. A prefeitura de Cuiabá está em dia [com os repasses], desde janeiro de 2013”.
O presidente da instituição rebate que os atrasos nos repassem acontecem desde a gestão de Chico Galindo (PTB), em 2012. “Ele [Mauro Mendes] já tem na conta dele, os repasses do Fundo Nacional de Saúde. Que ele já recebeu os meses de Outubro e Novembro que dá aproximadamente R$24 milhões. Então quem falta com a verdade e usa do prestigio do cargo é ele”, acusa.
O presidente ainda pede que sejam repassadas apenas o montante que lhe é de direito. “O Hospital de Câncer nunca foi a imprensa ofender o prefeito. Nós apenas estamos reclamando, aquilo que nós já fizemos. Que nós já prestamos o serviço, e que ele já tem na conta no Fundo Municipal de Saúde em dinheiro”, pontua.
Visita ao Hospital de Câncer de Mato Grosso
Juntos, mães e pais buscam uns nos outros a força para enfrentar esta espera dolorosa que a doença traz. Em comum a fé e a esperança de que os gestores realizem os repasses para que os filhos possam retornar com o tratamento.
O diagnóstico da filha de 4 anos do casal Lucio Oliveira e Dinalda Santos foi revelado há um mês e eles foram direcionados para o Hospital de Câncer de Mato Grosso, mesmo morando no Estado do Pará (PA), pois possuem família na Capital. Após três dias de viagens de ônibus até Cuiabá, Lúcio conta que recebeu o segundo baque, quando anunciaram a paralisação dos atendimentos.
“Minha filha precisava da quimioterapia e por não ter atendimento ela precisou tomar sangue e a gente ficou em desespero. Nós ficamos bem apreensivos porque não se sabe o que fazer né? A doença vai só acelerando… A gente vê ela inchando, aonde tinha caroços está inflamado e isso nos deixa com medo”, contou Lucio. “Todos os dias a gente para e fica refletindo e imaginando que vai dar tudo certo”, desabafou Dinalda.
Com a filha de seis anos em tratamento, a Luciana Lauro veio de Aripuanã (MT) há uma semana. Como não tem parentes na capital, as duas se hospedaram na AACC e aguardam o retorno dos atendimentos. “Minha filha precisa de quimioterapia e a gente fica aqui esperando, esperando para ver o que vai ser resolvido. Eu não tenho como voltar para minha cidade, pois já me informaram que não vão dar passagem pra eu voltar agora neste resto de ano, então o jeito é esperar”.
Luciana está desempregada, pois logo após receber o diagnóstico da filha precisou faltar ao trabalho e a antiga empregadora disse que não poderia manter o emprego. “Ninguém vê o nosso lado sabe? Mesmo que eu tente arrumar um emprego, eu preciso vir pra cá pelo menos uma vez no mês e ninguém quer dar emprego quando eu explico a situação. Eles falam que pra eles daí não dá”, desabafou. A ajuda para se manter vem da mãe de Luciana.
A filha da Dilma Barbosa começou o tratamento aos 16 anos de idade, e agora aos 20 anos a família sofre com a angústia do retorno da doença e a paralisação dos atendimentos. “Rescindiu a leucemia dela, teve que voltar com o tratamento. Somos muito bem atendidas aqui, mas agora com o que está acontecendo né… A gente fica sem saber o que fazer porque isso é uma vergonha para os governantes”, apontou.
Segundo ela o sentimento que fica é de incapacidade. “Não é só a minha filha que precisa, são várias crianças que precisam. Eles precisam de medicamentos, atendimento. Eu precisei pagar um exame particular para minha filha do meu bolso de R$ 200,00 se eu quisesse fazer o exame. Porque aqui não estava fazendo, faz, mas neste momento não está. Você tira da boca pra poder pagar”.
Apoio é fundamental
A timidez no olhar e nos gestos chama a atenção para a menina Nayara, 4 anos, hospedada na AACC. Ela, paciente oncológica desde seu primeiro ano de idade, não sabe a gravidade do seu estado. Nayara teve câncer no cérebro por duas vezes. Na primeira foi extraído um tumor com um centímetro, tempos depois, o tumor voltou, maior e mais agressivo. Na segunda cirurgia o tumor extraído estava com 5 cm.
Nayara e a mãe, Jussara Batista, vivem entre Tapurah e Cuiabá. A AACC acolhe as duas para que o tratamento quimioterápico seja realizado no Hospital do Câncer de Cuiabá. “Ela teve complicações por causa da quimioterapia, e ela passou quase dois meses no hospital”, revela a mãe.
A mãe conta que Nayara iria para o oitavo mês de tratamento, mas teve um problema renal que impediu que a menina continuasse o tratamento, e passou para radioterapia. No dia 23 de novembro, foi comemorado o Dia Nacional de Combate ao Câncer Infantil. Para Jussara, é importante que as mães deem atenção aos pequenos sinais que os filhos dão.
“A minha filha parou de andar quando nem tinha completado um ano. Nesse momento, eu já corri com ela pro Hospital. A gente precisa prestar atenção no comportamento das nossas crianças”, diz Jussara.
Para Silvana do Nascimento, que tem a filha de 10 anos em tratamento, o apoio entre as mães é fundamental para enfrentar tudo o que está acontecendo. “Não estão liberando os atendimentos e isso dá um desespero até pra gente, porque nós convivemos com bastantes mães e a gente pensa nos filhos. Nós já temos os nossos filhos, então é um desespero coletivo”, revela.