A Polícia Civil ouviu nesta terça-feira (22) os depoimentos da recepcionista e da enfermeira de plantão na Santa Casa de Franca (SP) que fizeram o primeiro contato com a advogada Maria José Alves de Almeida, morta no fim de outubro após ser mordida por uma cobra. Segundo o advogado das funcionárias, o atendimento médico foi recusado na primeira vez em que ela buscou ajuda porque não havia leito disponível na instituição.
A informação contraria o depoimento do marido da vítima, o juiz aposentado Nilton Messias de Almeida. Segundo ele, a enfermeira afirmou que Maria José não poderia ser atendida na unidade porque tinha plano de saúde.
A vítima só recebeu o soro antiofídico na Santa Casa após percorrer outras duas unidades de saúde em busca do medicamento. De acordo com Almeida, três horas se passaram do momento em que a mulher foi mordida até a aplicação do antídoto
O caso é investigado por suposta omissão de socorro da Santa Casa à paciente. De acordo com o delegado Luiz Carlos da Silva, se o crime for comprovado, os responsáveis deverão responder por homicídio.
Primeiro atendimento negado
Nesta terça-feira, as funcionárias falaram por pouco mais de uma hora ao delegado e não quiseram gravar entrevista. Silva esclareceu que o hospital não prestou o primeiro atendimento quando o casal procurou ajuda para que Maria José recebesse o soro antiofídico.
“No primeiro momento não houve atendimento, quanto a isso não existe dúvida. Dúvida existe com relação ao motivo que eles foram dispensados, se foi realmente por falta de vaga ou razões do plano de saúde existente, mas o atendimento não houve. Isso está devidamente comprovado.”
De acordo com o advogado Sérgio Valletta Belfort, as funcionárias declararam que Maria José foi dispensada porque não havia leito disponível, mas que o marido foi orientado a buscar atendimento no Hospital do Coração.
“Elas relataram que chegou um senhor na portaria falando que a mulher tinha sofrido uma picada de cobra. Foram tomados os procedimentos dentro da Santa Casa, não havia leito naquele momento. Depois dos procedimentos eles foram até o Hospital do Coração, depois pro Janjão e depois do Janjão retornaram à Santa Casa, porque já havia a possibilidade de leito. Foi só isso que ocorreu”, afirmou Valletta.
Ainda segundo Belfort, a recepcionista e a enfermeira não cometeram nenhum erro no atendimento. Ele também afirmou que, como a vítima foi atacada pelo animal em uma propriedade em Patrocínio Paulista, o marido poderia ter buscado atendimento na Santa Casa da cidade.
“Se a família tivesse procurado Patrocínio Paulista, seria atendida com o soro lá, se tivesse vaga”, disse.
Depoimentos de médicos
O delegado também ouviu os depoimentos do médico do pronto-socorro Álvaro Azzuz, que encaminhou Maria José de volta à Santa Casa, e do médico do Hospital Regional, para onde a paciente foi levada após entrar em coma.
“O médico do PS disse que recebeu a vítima e que o esposo disse que o atendimento foi negado nos dois hospitais que passaram primeiramente, Santa Casa e do Coração. Naquele momento, prescreveu e ministrou a medicação necessária até que houvesse o encaminhamento da vítima de volta para a Santa Casa.”
À polícia, o funcionário do Hospital Regional, que atendeu Maria José depois que o quadro dela se agravou na Santa Casa, afirmou que a paciente estava em estado de coma irreversível.
Pelo menos 15 testemunhas serão ouvidas até o fim do inquérito.
Entenda o caso
A advogada de 69 anos foi mordida por uma cobra, uma jararaca, no dia 26 de outubro, quando seguia para a capela da fazenda da família, em Patrocínio Paulista.
O marido diz ter recebido orientações do médico da família para levar a mulher até a Santa Casa de Franca, único hospital da cidade habilitado a fazer a aplicação do soro antiofídico. Almeida afirma, no entanto, que recebeu uma informação da enfermeira-chefe de plantão, de que ela não poderia ser atendida no local porque tinha plano de saúde.
“Eu ponderei que a vacina era de graça e não dependia de convênio médico. Ela [enfermeira] respondeu que eles mandariam a vacina para o Hospital do Coração gratuitamente”, afirma.
O juiz seguiu para o Hospital do Coração, mas o atendimento também não foi feito porque a unidade não tinha o soro e alegou que a Santa Casa não havia encaminhado nenhum medicamento.
Segundo o juiz, eles seguiram para o pronto-socorro Álvaro Azzuz na terceira tentativa de receber o soro, mas o casal foi encaminhado de novo à Santa Casa. Maria José recebeu o soro três horas após ser mordida, mas não reagiu. Ela entrou em coma, foi transferida para o Hospital Regional, e não resistiu.
Em nota, a Santa Casa alegou que a mulher deveria ter procurado atendimento na Santa Casa de Patrocínio Paulista (SP), instituição mais próxima ao local onde aconteceu o ataque da cobra.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) abriu uma sindicância em Franca para apurar se houve falha no atendimento prestado.