Cidades

Dependentes químicos na linha do VLT de Cuiabá; fotos e vídeo

Fotos: Ahmad Jarrah / Vídeo: Willian Matos

Por: Felipe Leonel, Reinaldo Fernandes e Sandra Carvalho

Localizada no coração de Cuiabá, a Ilha da Banana é parte da história de fundação da Capital mato-grossense e do cenário de exploração do ouro há quase 300 anos. De referência da cuiabania, transformou-se um tipo de campo de concentração, onde cerca de 100 dependentes químicos, também conhecidos como “zumbis do crack”, se mutilam aos olhos da sociedade sem que se faça nada pela vida dessas pessoas. Eles se escondem em meio aos escombros de imóveis que devem ser demolidos para dar espaço aos trilhos do sonhado e polêmico Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT.  São vistos com desprezo por muitos, medo por outros, com indignação ou repulsa por outros tantos.

A equipe do Circuito Mato Grosso fez uma incursão na Ilha da Banana, sem apoio policial, para descobrir o que há por entre os corredores dos escombros e lá encontrou seres humanos que, ao contrário do que muitos pensam, são doentes necessitando de tratamento especializado e com poucas chances de recuperação, já que, a exemplo de todo o país, a rede de atendimento psicossocial em Mato Grosso é praticamente inexistente, dependendo muito de serviços voluntários.

Logo na chegada, três homens sentados em uma escada. Dois logo saíram, desconfiados. Um ficou e conversou com a equipe. Ele tem esposa e ela também mora na Ilha da Banana. Já ouviu dizer que vai ter que sair do local. “Eu espero que a Pastoral nos ajude”, comentou, referindo-se ao grupo da igreja católica que atua na região do Centro Histórico, distribuindo alimentos às pessoas em situação de rua.

Disse que tem familiares no CPA, que tem filhos e que acha que está bem de saúde por fora. “Não sei como está por dentro”. Com pouco mais de 30 anos, o rapaz garantiu que não “mexe com as coisas dos outros” e que seu negócio é mesmo o consumo de drogas. “Tenho fé em Deus que um dia saio dessa. Não tenho conselho pra dar pra ninguém sobre a vida que levo. O que vale pra mim não vale para os outros”, afirmou. Com os olhos marejados, o jovem falou que a vida que leva não deseja a ninguém e mostrou hematomas na perna alegando ter sido agredido por policiais.

Outros dependentes químicos começaram a chegar. Um deles tossindo muito. “Estou com TB e sem remédio pra tomar”, comentou, referindo-se à tuberculose. Outro rapaz de 21 anos também se aproximou reclamando ter sido agredido na altura dos rins e que estava tossindo muito e cuspindo algo estranho. “Acho que é tuberculose”. Ele andava com dificuldade. Ora se encostava nos escombros, ora agachava com semblante de sofrimento.

Mãe e filho dependentes químicos

A equipe do Circuito Mato Grosso, sempre pedindo permissão e garantindo que não estava ali para prejudicá-los, seguiu adentro sob olhares ainda desconfiados. Foi barrada ao se aproximar de uma escadaria. “Oww… não fotografa não, é minha mãe que está aqui”, anunciou um jovem visivelmente dominado pela droga.

E a mãe dele realmente estava ali. Mãe e filho nas mesmas condições. Após vários minutos sem se deixar fotografar e protegida pelos demais moradores da comunidade, Teresa Ramires, 50 anos, usuária de drogas, com dificuldade de se locomover por conta de um problema no joelho, decidiu falar.

Questionada sobre suas condições de vida ali naquela espécie de buraco que antes deveria ser um estacionamento, chorou. “Vivo aqui há três anos. Sou usuária, não sou traficante. Preciso de um médico para operar meu joelho e voltar a andar e também de ajuda para tirar meu filho das drogas. Ele também bebe muito e não sei o que fazer”, disse, enquanto uma mulher fazia suas unhas. Seria uma amiga, que às vezes vai lá para cuidar de Teresa.

Na saída, um grupo voltou a se reunir na escadaria da entrada e agora mais receptivos. “Família”, anunciou o primeiro rapaz a conversar com a equipe, quando uma mulher, também usuária, porém mais lúcida do que os demais, observou. “A lei diz que onde há um grupo de pessoas morando por algum tempo elas só devem ser retiradas após o poder público achar um destino pra elas”.

VLT não deve passar pela Ilha da Banana tão cedo

 

O prazo para a instalação do VLT em Cuiabá e Várzea Grande deve ser esticado por ao menos dois anos, a contar a partir de 2017, devido a entraves jurídicos, que duram já vinte meses. A intervenção da Justiça Federal, em março do ano passado, para conseguir uma definição sobre o empreendimento está preparada para conclusão de trâmite pelo juiz Ciro José de Andrade Arapiraca, da 1ª Vara Federal. No entanto, o novo secretário de Cidades, Wilson Santos, assume a pasta com o alerta de que as obras não serão concluídas antes de 2020.

“Nós iremos dedicar uma atenção especial ao VLT. [Mas] Quero deixar bem claro que não terei tempo suficiente para concluir o VLT. Não adianta fazer compromisso que não será cumprido. A conclusão do VLT é para mais de dois anos”.

No primeiro semestre do ano passado, a Justiça Federal determinou a suspensão de prazos e contratos de obras para o veículo a fim de forçar o Estado e o Consórcio VLT a uma definição sobre traçados já executados e valores pagos. O governo disse que mais de R$ 1 bilhão foi pago às empresas de R$ 1,47 bilhão previsto. Valor que, segundo auditoria da Secretaria de Cidades (Secid), possibilitaria a conclusão das obras, visto que houve pagamentos de traçados ainda nem executados.

 O Consórcio VLT por sua vez pede acréscimo de mais R$ 400 milhões para finalizar os serviços e reclama de serviços executados que não foram quitados. Para tentar encontrar solução para o problema, o governo de Pedro Taques, que pode passar seus quatro anos de mandato sem conseguir desenrolar o embaraço, anunciou a decisão de rompimento de contrato com o VLT e não descarta a possibilidade de uma parceria público-privada (PPP) para concluir as obras.

Desapropriação estaria emperrando demolição

O andamento do projeto do VLT está mais lento do que parece. Outra medida judicial entrava o caminho. Os trabalhos de desapropriação de prédios para a instalação de trilhos continuam em fase morna. Um exemplo é a demolição de 15 prédios na Ilha da Banana entre a Avenida Tenente Coronel Duarte (Prainha) e a rua Coronel Escolástico. Proprietários de três prédios no local contestam na Justiça as medidas do governo de compensação de posse.  Também não há data para decisão judicial.

A demolição estava programada para início em junho passado pela Prefeitura de Cuiabá. Mas houve suspensão de cronograma. A prefeitura diz que as intervenções dependem do Estado, que deve assumir os trabalhos. Isso, porém, depende de análises do recém-empossado Wilson Santos para definir qual passo dar. O que pode ocorrer somente em 2017.

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Sandra Carvalho

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