Cidades

Coveiros lamentam a discriminação na profissão e relatam o cotidiano fúnebre

Fotos: Ahmad Jarrad e Willian Matos

Definido como aquele que abre covas para enterrar mortos, o coveiro é um profissional que garante a organização dos cemitérios. Eles trabalham com a limpeza dos jazigos, cavam e cobrem as sepulturas, carregam caixões, além de fazerem os sepultamentos e exumações. Enfim, uma profissão que poderia ser mais bem vista e respeitada, no entanto os próprios trabalhadores relatam as situações que os deixam chateados dentro do “campo-santo”.

Coveiro há três anos no Cemitério Souza Lima, o Anderson Martins Vasconcelos, de 39 anos afirma que é uma profissão sofrida por trabalhar justamente com o sofrimento dos outros. “A gente tem que estar sempre pronto pra receber os familiares com calma, por conta do sofrimento que eles passam que muitas vezes levam até a depressão” explica o Russo, como é conhecido.

O colega de trabalho, também há três anos no cemitério, Natálio Jesus da Costa, de 47 anos, também lamenta a profissão que é quase esquecida e muitas vezes mal interpretada pelas pessoas. “Por mexer com o sofrimento dos outros às vezes a gente é até humilhado e descontam aquele momento de dor na gente, como se a gente tivesse culpa da perda dele”, pontua Natálio.

 

Segundo ele, já teve casos em que estava cobrindo o caixão, jogando terra, e a família ter achado ruim e pediu para parar. “As pessoas pensam que a gente não está nem aí, que a gente não se comove, mas a hora da morte resume tudo o que você foi na vida, a gente respeita. Esse é nosso trabalho da onde a gente tira o sustento e muitas pessoas às vezes discriminam, se benze quando as pessoas falam que o ‘coveiro tá chegando’, é uma profissão ingrata”, lamenta Natálio.

Com tudo, eles também relatam histórias que presenciaram em enterros, no mínimo inusitadas para a condição. Os dois juntos contam que houve um sepultamento em que reuniu, na conta deles, cerca de 200 pessoas para se despedir de um servidor público da Prefeitura de Várzea Grande, conhecido como Ditão. 

“Vieram dois carros de som, com música de Amado Batista. Teve um homem bêbado que caiu dentro do túmulo quando disse que queria ir junto com o Ditão e ficou apavorado pedindo ajuda para sair depois”, segundo eles a celebração foi festejada a pedido do próprio Ditão. Em outra ocasião, segundo eles, teve uma homenagem com queima de fogos.

No entanto eles também lamentam quando quase ninguém participa do enterro de um defunto. “É triste quando você vê que não vem nenhum familiar em um enterro. Já teve vezes em que veio uma, duas, três pessoas para enterrar um ente”, contou Russo.

Russo também relata o culto de pessoas que levam bebidas alcoólicas, como champanhe, conhaque e galinha preta para fazerem os seus rituais religiosos. Eles contam que já chegaram a receber propostas para retirar restos mortais para fazer feitiçaria, no entanto não aceitaram, pois garantem que respeitam muito os corpos que foram enterrados e até chegaram a expulsar gente que queria desenterrar defunto.

“Teve uma mulher que veio pegar terra de cemitério para jogar na casa do vizinho, ela dizia que era para que mudasse logo, e eu disse pra ela pensar se ela também não era uma má vizinha”, disse Natálio.

As covas

Os trabalhos dos coveiros são feitos em regime de escala, cerca de três por dia trabalham juntos e deixam a média de cinco a oito covas prontas, eles asseguram que isso não é nenhuma forma de agouro. “Muitos dizem que a gente fica chamando a morte. Não tem disso. A gente prepara as covas porque nunca se sabe o que vai acontecer, às vezes pode surgir uma demanda muito grande e então a gente consegue atender quem precisa. É difícil cavar buraco de uma hora pra outra”, afirma Russo.

“Pra você ter uma ideia como que é difícil mexer com as pessoas, se chegasse alguém com um caixão precisando de um túmulo e não tivesse nenhum pronto, a gente iria levar uma bronca danada e vira um trem”, garante Natálio que lembra um caso.

“Teve uma vez que a gente não tinha um sepultamento marcado pro dia, quando deu umas 8h começou tocar o telefone. Fizemos dez sepultamentos nesse dia e nós tínhamos nove covas abertas, já pensou se a gente tivesse que abrir as dez nesse dia, não ia dar conta de fazer tudo”, exemplificou Natálio.

Por fim Natálio diz que para trabalhar em cemitério a pessoa não deve ser estressada. “Pra trabalhar tem que ter paciência, porque a família perdeu um ente, tá com a cabeça quente e aquele momento é muito delicado. Então a gente acaba engolindo para não entrar em conflito. Tem que ter paciência porque eles vêm transtornados, ficaram sem dormir a noite inteira muitas vezes”.

Coveiro X Zelador

Sobre a profissão de coveiro, o cargo tem mudado para categoria de zelador. Isso porque estes não fazem mais covas, para evitar a contaminação dos lençóis freáticos, que são os reservatórios de água subterrânea, pelo menos é o que vem acontecendo na maioria dos cemitérios. Os zeladores passam a fazer o sepultamento nas “gavetas”, que são os túmulos feitos em cima de alguma base onde alguém da família foi sepultada.

Há 11 anos, o zelador Odenil Paulino, que começou na época como coveiro, trabalha atualmente no Cemitério do Pascoal Ramos, ele garante que é uma profissão tranquila e que não acredita em histórias de “assombrações”. Tranquilo ele diz que apenas a mulher é supersticiosa. “Ela não deixa eu entrar em casa com a roupa que eu usei no cemitério e também não gosta que eu pare no portão quando eu tenho que resolver alguma coisa aqui dentro”, conta o zelador.

Mesmo com muitos anos trabalhando com sepultamento de pessoas ele afirma que não perdeu a sensibilidade e conta que se emociona em enterros de crianças. “Eu fico emocionado quando vejo que morre uma criança, chego a chorar mesmo, quando tem eu evito de ficar por perto”, relata ele que afirma que gosta muito de crianças.

Aparecido Germano de 55 anos, que hoje é zelador, mas há oito anos quando começou era coveiro, relata a prática da feitiçaria que sempre é feita dentro dos cemitérios. “Vem muita gente fazer macumba e traz tudo quanto é bicho, galinha preta, cachorro, cabeça de bode, porco, enfim eu acredito que é tudo pra fazer mal feito”.

Sobre a profissão ele diz que já é acostumado, mas no início teve até pesadelos. “Antes eu queria até sair, eu tinha muito medo de defunto, chegava até a sonhar que eles saiam dos túmulos pra me pegar, mas fui acostumando”, contou ele aos risos.

Uma coisa em comum entre os coveiros e zeladores entrevistados é que eles já tem uma ideia de onde será sepultado. Apesar de não terem cuidado de fazerem seus túmulos, eles garantem que deverão ser enterrados junto aos familiares que já se foram.

 

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Valquiria Castil

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