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Pais e filhos muçulmanos têm pesadelos com “presidente Trump”

Bilal Elcharfa servia cereais a seus filhos antes de saírem para a escola, quando sua filha de 7 anos, Maaria, entrou na cozinha e o chamou.

"Baba, eu tive um sonho ruim", disse ela, abraçando-o com força. "Com Donald Trump."

Foi na manhã seguinte ao segundo debate presidencial, a que as duas filhas menores da família Elcharfa assistiram no porão de sua casa em Staten Island, junto com os pais. No meio da noite, Maaria foi duas vezes ao quarto do casal porque não conseguia dormir, andou até a sala e verificou a câmera de segurança.

Naquela manhã, Elcharfa, 52, perguntou a sua filha o que ela viu no pesadelo.

"Ele foi muito ruim com a gente", disse ela. "Tinha um rosto assustador, como uma espécie de morto-vivo." No sonho, disse Maaria mais tarde, Trump ia à casa de todas as famílias muçulmanas do país e as mandava prender.

"Não se preocupe", o pai tranquilizou a menina. "Ele só fala."

Ele tentou parecer convincente. Mas o pesadelo da criança o incomodou.

Elcharfa e sua mulher fugiram da guerra em seu país, o Líbano, com a esperança de criar uma família em segurança nos EUA. Elcharfa é motorista de táxi e já enfrentou sua parcela de sentimento antimuçulmano. Por exemplo, um passageiro se recusou a pagar a tarifa, dizendo que os muçulmanos precisavam pagar pelos atentados de 11 de setembro de 2001.

Mas para a inocente Maaria, que ainda gosta de se vestir de princesa para brincar, foi duro. Ela nunca se sentiu tão desamparada.

"Estou tentando deixar meus filhos viverem em paz", disse o pai. "Não quero que eles se preocupem."

Maaria estava começando a compreender que a religião de sua família a diferencia em sua escola pública, onde há apenas alguns muçulmanos em sua classe de segunda série. Mas ela não entendeu totalmente como isso poderia ser usado contra ela, e não tinha a capacidade de seus irmãos mais velhos, já adolescentes, de absorver os golpes.

"Elas não sabem se defender", disse Elcharfa sobre Maaria e sua irmã de 9 anos, Zaynub. "Ainda são pequenas."

Em todos os EUA, pais muçulmanos têm enfrentado esses momentos quase diariamente, cavalgando as ondas tumultuosas dos ciclos de notícias, como a retórica incendiária e os pedidos de Trump para proibir os muçulmanos de entrar no país e o recente ataque a bomba em Manhattan. Mas como explicar realidades tão duras a crianças?

Alguns pais muçulmanos tentam proteger seus filhos das notícias, mas não podem impedir que eles escutem palavras doloridas no colégio. Seus filhos chegam em casa perguntando por que um colega de classe disse que Trump, o candidato republicano, quer expulsar sua família do país. Eles perguntam por que, se sua religião é pacífica, com frequência são chamados de terroristas nos corredores.

Muitos pais muçulmanos temem que as tensões afastem totalmente seus filhos da religião. Eles têm dificuldades para equilibrar a orientação das crianças na prática e defesa de sua fé e deixar que elas a adotem ou não em seus próprios termos.

"Às vezes não sabemos como lidar com isso", disse Elcharfa. "Talvez um dia eles não acreditem mais em nada."

As pressões são intensas em Staten Island, um enclave republicano e o bairro mais branco da cidade de Nova York. A poucos quarteirões da casa dos Elcharfa, em South Beach, uma grande bandeira da campanha de Trump tremula ao vento e uma placa de Trump se destaca sobre um gramado, virando a esquina.

Muitos amigos muçulmanos da família tiraram seus filhos da escola pública e os colocaram em instituições particulares islâmicas.

Uma delas, Somaia Saie, tomou essa decisão há mais de um ano para seus filhos menores, de 9 e 11 anos, porque sentiu que era "a única maneira de manter as crianças em um ambiente seguro".

"Não tenho ideia de como podemos criar crianças desse jeito", disse Saie. "Como adultos, podemos suportar. Mas para as crianças é diferente."

Na última primavera, a filha de 9 anos de Elcharfa, Zaynub, estava sentada no tapete em sua classe de terceira série, quando dois meninos lhe disseram: "Se Donald Trump for presidente, vai chutar vocês para fora do país".

Naquela noite, assustada, ela perguntou a sua mãe sobre isso. "Nós vamos levar pontapés? Para onde iremos?"

A mãe, Nayla Elhamoui, garantiu a sua filha que nenhum presidente poderia fazer isso. "Ele nunca vai nos atingir", disse ela à menina. ""Nós pertencemos a este lugar."

Ela telefonou no dia seguinte para a coordenadora de pais da escola. O diretor se reuniu com os alunos e os fez pedir desculpas a Zaynub.

Elcharfa chegou aos EUA em meados dos anos 1980, e Elhamoui juntou-se a ele cerca de dez anos depois, após se casarem no Líbano. Seus cinco filhos, de 18 a 7 anos, nasceram nos EUA.

Elhamoui conta a eles a história de uma noite aterrorizante em Beirute, quando uma bomba explodiu do outro lado da rua, em frente à sua casa. Ela tinha cerca de 8 anos. Um fragmento atingiu sua perna, deixando cicatrizes. Ela demorou anos para poder dormir sem segurar a mão de alguém.

"Agradeçam por termos criado vocês aqui", disse ela a seus filhos numa tarde recente, enquanto lhes servia um prato libanês de trigo chamado 'freekeh', na mesa da sala de jantar.

A casa dos Elcharfa é cheia de referências à cultura árabe e muçulmana. Seus sofás têm bordas douradas. O relógio na cozinha marca os horários de orações. Seus filhos falam árabe fluentemente e têm aulas de Corão.

Mas também não poderiam estar mais próximos dos americanos típicos. Os quatro menores frequentam a escola pública. Abubeckr, 13, joga basquete, adora videogames e sonha em jogar na NBA. Maaria se aplica maquiagem no quarto de paredes cor-de-rosa e Zaynub, que é ginasta, dá cambalhotas na cozinha, usando uma saia rosa que diz: "Deixe brilhos onde quer que você vá".

Elcharfa costuma dizer a seus filhos que eles são primeiro americanos, e depois libaneses.

"Nós lhes dizemos que este é o país deles. Que têm sorte de terem nascido aqui."

Mas às vezes na escola os colegas só veem os nomes muçulmanos das crianças e a herança árabe. Nos corredores da escola de Abubeckr, os meninos às vezes fazem sons de bombas explodindo e gritam "Allahu akbar" –"Deus é grande" em árabe– quando ele passa. No ônibus depois das aulas, um colega certa vez lhe disse: "Você é um terrorista e sua mãe é uma mulher-bomba".

Ele contou ao diretor no dia seguinte, mas não a seus pais. A esta altura já está acostumado com isso, disse Abubeckr, e não quer que sua mãe "leve a coisa mais a sério do que é". Seu pai lhe ensinou a contar a um adulto, mas não reagir física ou verbalmente. "É melhor ignorar", disse Abubeckr.

Mas Elcharfa vê as provocações cobrarem um preço de seus filhos. Eles frequentemente lhe pedem para não falar em árabe na frente de seus amigos. Depois da explosão no bairro de Chelsea, em Manhattan, no mês passado, seu filho de 15 anos, Ismail, lhe disse: "Esse é o seu islã, baba".

Abubeckr, que estava em uma aula de italiano quando ouviu a notícia, pensou consigo mesmo: "Foi um muçulmano, não foi?" e então: "Lá vamos nós de novo", contou sentado ao lado do pai na sala da família.

"Por que você diz 'um muçulmano', e não 'uma pessoa'?", perguntou Elcharfa ao filho.

São esses momentos que preocupam Elcharfa e sua mulher. Eles temem que os filhos estejam começando a se afastar de sua religião e sua cultura. Também são momentos em que os estilos de criação dos pais se chocam.

Elcharfa quer que os filhos sejam livres-pensadores. Ele não quer que sejam muçulmanos praticantes só porque herdaram a religião dos pais. Às vezes, disse, deseja que sua religião pudesse ser escondida. Disse sentir remorso por ter dado nomes muçulmanos aos filhos. "Por que não os chamei de Tony ou George?"

Sua mulher zomba desses comentários.

"Sou totalmente diferente", disse Elhamoui. "Nós precisamos orientá-los. Eu tenho de empurrar a ele e às crianças para rezar, para irem à mesquita."

Essas abordagens contrastantes se revelaram neste mês, em uma conversa na cozinha sobre se Zaynub deve começar a usar o lenço de cabeça, o jihab. Elhamoui incentiva as filhas a usarem o lenço para ir à escola algumas vezes por ano, para "praticar", segundo ela. A mãe as suborna com sorvete ou chocolate.

"Zaynub diz: 'Eu não quero usar hijab; é embaraçoso'", disse Elcharfa a sua mulher, enquanto ele cortava pimentões e cozinhava feijão no fogão. Ele não quer que sua filha enfrente a zombaria que surge. "Deixe que ela escolha", disse ele. "Tudo bem, desde que se vista de maneira conservadora. Não se trata do seu visual, mas da sua crença."

Elhamoui insistiu que eles devem incentivar a filha a experimentar. "Faz parte da religião", disse ela.

Assim, quando Maaria fez 7 anos, há algumas semanas, começou a rezar várias vezes por dia com seus pais, em troca de uma semanada de US$ 10, que guarda em um cofre em forma de urso azul. Elcharfa sabe a importância da oração, mas discorda dos incentivos dados por sua mulher.

"Não é fácil, acredite-me", disse ele sobre a discordância na criação dos filhos. "Por isso estamos sempre brigando."

Uma decisão foi fácil para os pais tomarem: durante o terceiro debate presidencial, na quarta-feira (19), e em outros futuros discursos de Trump, as crianças não assistiriam.

"Não quero que ela fique assustada", disse Elhamoui, pensando no pesadelo de Maaria.

A menina disse que se Trump for presidente vai ficar em seu quarto "para sempre".

Elcharfa manifestou frustração pelo que se tornou a vida de sua família. Pensou que tivesse deixado para trás os conflitos sobre religião no Líbano, onde as tensões sectárias projetam uma longa sombra.

"Vim para cá e encontrei as mesmas tensões me perseguindo", disse ele.

Sentada na sala da família em uma manhã recente, Elhamoui perguntou a uma das filhas por que gostava de ser muçulmana. A menina de 9 anos disse que se orgulhava de pensar no profeta Maomé e no modo como liderou seus amigos e seguidores para disseminar a paz.

Elhamoui lembrou à menina sobre quando os meninos de sua classe fizeram comentários sobre Trump ameaçar chutar os muçulmanos para fora do país. Ela perguntou: "O que você fez para seguir o profeta Maomé?"

Zaynub disse que perdoou os meninos. Sua mãe sorriu em aprovação.

"Nós perdoamos", reiterou a mãe. "Assim poderemos viver sempre em paz."

Fonte: UOL

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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