Política

Novo regime tributário divide opiniões

O Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) é categórico ao final de relatório que apresenta uma análise da estrutura da Secretaria de Fazenda (Sefaz): o aparato fiscal em Mato Grosso, ao invés de facilitar o cotidiano do comércio, só faz complicar. O entrave está no emaranhado de leis, que passa por diversas mudanças anuais tanto para dar conta de situações macros – caso atual da crise da economia nacional e, subsequentemente, estadual – como para atender a pedidos de “lobbies” de setores, segmentos do setor produtivo.

O resultado disso são aberrações legislativas, como a criação do Fundo de Desenvolvimento Social (Funeds), que levou à elaboração de um novo Programa de Recuperação de Créditos de Mato Grosso (Refis), e também o decreto 380 que, mesmo antes de entrar em vigor, teve seu prazo protelado por duas vezes, e isso porque o conteúdo da normativa não foi discutido com os contribuintes.

Um segundo momento disso é a demanda jurídica que a situação provoca.  Mato Grosso tem hoje cerca de 200 mil protestos protocolados em primeira instância judicial por empresários que contestam a incidência de tributo sobre seu comércio. Isso em um universo de 357.943 empresas em atividades – dados do site Empresômetro do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) atualizados até dia 30 do mês passado. Uma representatividade de 55,8% das empresas em Mato Grosso em processo de litígio contra o Estado.

Reforma busca alíquota única para cobrança consumo

A mudança do atual modelo do Fisco é o assunto principal da reforma tributária em andamento pelo governo estadual. Conforme informações de bastidores, a proposta, que é chamada de ICMS-SINTA 4.0 e ainda em fase de preparação pela Fundação Getúlio Vargas, juntamente com equipes econômicas do governo, deve ser apresentada a deputados na Assembleia Legislativa até meados do novembro para ser votada, aprovada e homologada pelo governador Pedro Taques (PSDB) ainda neste ano e entrar em vigor no primeiro semestre de 2017.

Além da questão de crise na arrecadação, a aprovação do projeto livraria a equipe econômica de lidar com assuntos polêmicos como decreto 380, que instituiu um novo modelo de cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), prazos constitucionais.

O ICMS-Sinta 4.0 se apoia em cinco linhas de formulação jurídica: simplificação, isonomia, neutralidade, transparência e arrecadação (Sinta) com proposta de cobrança unicamente sobre o consumo, com alíquota de 12% (percentual também em análise).

Segundo a analista de finanças, economista Kaike Rachid, o aumento do campo de cobrança e redução na alíquota do imposto se tornaria mais competitivo no cenário nacional e cumpriria os princípios do Sinta.

“A proposta de simplificação e isonomia tenta quebrar as distorções causadas pela guerra fiscal, pelos vários tipos de cobranças do ICMS. Ora, se todo mundo tiver uma alíquota igual, nenhum setor, nenhum contribuinte vai ficar olhando de soslaio para o outro”, disse.

 A ideia não é nova, mas aplicação do modelo, já existente na Europa, em países como Alemanha e Suécia, colocaria Mato Grosso no pioneirismo de novo regime tributário no País.  “Mato Grosso estaria muito à frente de outros entes federativos no País e se tornaria uma  potência muito grande em atrativo econômico. Imagina que seja definida uma alíquota de 12% ( o que vem sendo considerado), inclusive para setores pesado da indústria como a de produção de energia elétrica. O empresário não vai pensar duas vezes para vir instalar uma indústria aqui com um modelo fixo de cobrança de tributos”, explica.

Conforme documento da FGV, seriam extintas as cobranças setoriais de impostos, que hoje provocam choques entre segmentos comerciais por diferentes alíquotas cobradas pelo governo, conhecida como “guerra fiscal”.

“Com passagem da formulação de leis para os Estados no Brasil, criou-se muita divergência entre os entes sobre o que deve ser cobrado e como dever cobrado, porque cada um prioriza uma coisa, privilegiando um setor que num momento acha ser importante receber tratamento diferenciado. Daí surge a questão: por que um empresário da exportação deve receber tratamento diferenciado de outro empresário que é do setor de autopeças?”.

Quadro atual de tributos em Mato Grosso

O sistema fiscal em Mato Grosso funciona hoje sob três tipos de cobranças do ICMS, com pesos diferentes para produtos diferentes – uma das causas da “guerra fiscal”:

Carga Média Tributária: Toda mercadoria que entra nos estabelecimentos comerciais para revenda ao consumidor sofre algum percentual de tributo. Atualmente, as alíquotas variam de 10% e 35%, com concentração da maioria dos segmentos na faixa entre 17% e 19%.

Pauta por Setor: Incide sobre os produtos, em segmentos como o de bebidas e o de cigarro, uma alíquota majorada com cobrança mínima de 17%.

Tributação de Insumo: cobrança de alíquota para indústrias sobre materiais utilizados no processo de produção (insumos). Em Mato Grosso, há pesos diferentes para insumos adquiridos dentro do Estado e para os comprados fora.

Proposta para o ICMS-SINTA 4.0

Simplicidade: criação de legislação única válida para todos os ramos das atividades econômicas em Mato Grosso. O objetivo é reduzir os conteúdos conflitantes das leis, que levam a interpretações variadas sobre as normas.

Isonomia: cobrança em alíquota uniforme para todos os segmentos comerciais, anulando a multiplicidade de alíquotas hoje existentes. O primeiro patamar estimado é de 12%.

Neutralidade:  criar uniformidade de alíquota, não cumulativa efetiva, para garantir a simplicidade e legalidade de instrumentos de cobrança. Item que acabaria com as influências de grupos em setores mais visíveis.

Transparência: a “neutralidade legislativa” geraria facilidade e melhor entendimento do âmbito tributário, legitimando as cobranças realizadas.

Arrecadação: esta é a finalidade da mudança do regime tributário estadual, passando das cobranças atuais no setor produtivo para a ponta do processo de consumo, ou seja, contribuinte comum. A mudança poderia reduzir o percentual de incidência do ICMS no mercado e ampliaria o campo de cobranças do imposto. Uma via vista como alternativa para resolver os problemas de caixa.

Fraca fiscalização provoca baixa arrecadação e brechas para fraude

Conforme informações do Relatório de Levantamento na Receita Pública de Mato Grosso, divulgado pelo TCE-MT, modelo atual da legislação em Mato Grosso leva a má-exploração do potencial de arrecadação de receita e facilidade de sonegação fiscal pela falta de controle da circulação de mercadorias.

Somente no ano passado, o Estado deixou de arrecadar 18,10% do potencial sobre o ICMS. No setor da soja, por exemplo, o TCE estima que o Estado deveria ter arrecadado R$ 498,4 milhões, no entanto, somente R$ 244,6 milhões entraram no caixa, uma diferença de 50,93%   menor do projetado.

Para o economista Kaike Rachid, as distorções, em grande parte, têm origem nas medidas diferentes do Estado, em momentos diferentes, para assegurar ou aumentar o volume de receita que entra nos cofres públicos.

“Na ânsia arrecadatória, toda vez que um setor precisa ter tratamento diferenciado, o Estado vai criando novas regras e vai ficando confuso. Às vezes, um legislador cria uma regra nova e já é tão grande a existente que ela [a nova regra] fica contraproducente ou vai de encontro a uma regra antiga que já não se tinha mais conhecimento. Quando isso entra em litigância, uma parte alega uma legislação mais nova, outra parte alega uma legislação mais antiga e cai na justiça para definir.”

Empresários se dividem em otimismo e corporativismo contra novo ICMS

Entidades representantes do setor produtivo de Mato Grosso dizer ver otimismo a proposta do governo sobre reforma tributária. O presidente da Federação das Associações Comerciais e Empresariais de Mato Grosso (Facmat), Jonas Alves, diz que a proposta enfoca na simplificação do regime tributário, mudança que ele considera essencial para facilitar a rotina dos comércios.

“Essa maneira que governo está propondo, se conseguir operacionalizar, se conseguir colocar na prática, vemos com bons olhos e apoiamos esse modelo, mas ainda há muita coisa a se discutir e estamos entrando nessas questões até agora, mas acreditamos que até o dia 15 novembro o governo mande o projeto para Assembleia para a reforma entrar em vigor já em janeiro”, disse.

Segundo ele, o projeto terá ferramentas para lidar com a guerra fiscal interna e com outros Estados, abrindo caminho para o reequilíbrio fiscal do País. “Alguém precisa ter coragem de fazer essa mudança e que bom que Mato Grosso, o pioneiro em negociações do ICMS, seja pioneiro na inserção dessa novidade no Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária)”, pontua.

O empresário Roberto Peron, vice-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Mato Grosso (Fecomércio-MT), diz que o ICMS-SINTA 4.0 servirá para organizar o sistema de fisco estadual hoje atravessado por controvérsias.

“A legislação tributária de Mato Grosso hoje é um emaranhado que aumenta a burocracia e inviabiliza o setor produtivo por causa das várias leis, algumas contraditórias, que precisam ser cumprida. Isso leva em grande parte à insegurança jurídica dos empresários. Então, precisa acabar esse modelo complicado de leis”, comenta.

Economista vê corporativismo entre advogados

O otimismo, no entanto, não alcança a todos. O economista Kaike Rachid diz já ver movimentação de corporativismo entre empresas e escritórios de advocacia – nos variados segmentos – em resistência à proposta de reforma. Segundo ele, as alegações principais são de redução da capacidade de arrecadação fiscal e o diálogo de Mato Grosso com outros Estados.

"Eles não entendem como é que esse imposto conversaria com resto do País, como seria recebido no Confaz. Mato Grosso, instalando esse modelo de legislação, ficaria muito, muito à frente dos outros Estados, então, eles não estão conseguindo entender como que Mato Grosso se encaixaria no restante do país.”

Quanto a possibilidade de aumento de arrecadação, Rachid diz que a justiça é pautada pelo corpo de contribuintes em Mato Grosso que seria muito baixo em comparação a de outros Estados. Reduzido número de contribuintes, baixa arrecadação.

“Mas, eu vejo com muito ceticismo este tipo de informação porque primeiro é preciso colocar à prova uma lei para saber se ela vai levar. E neste caso, se se mostrar ineficaz para aumento da arrecadação, volta-se muito à legislação anterior.”

Impraticável a alíquota única, diz OAB

Para a vice-presidente da Comissão de Direitos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), Lorena Gargaglione, o modelo de alíquota única é impraticável no Estado. O problema passa pelo número de contribuintes existentes hoje, que não viabilizaria a cobrança do ICMS em um ponto da demanda econômica.

“É preciso considerar que a economia de Mato Grosso não é sustentada, hoje, por consumidores. São as indústrias e o agronegócio que mantêm a economia local. Empresas de fora do Estado que estão girando a economia”, aponta.

A advogada diz ainda que a aplicação de alíquota única também é impraticável por causa da diversidade das naturezas empresariais instaladas em Mato Grosso. O que poderia causar “discrepâncias” de atividades – por exemplo, entre o agronegócio e o comércio no varejo.

“É impossível exercer alíquota única para campo com vários tipos de empresas. A proposta não se encaixa nos moldes da economia de Mato Grosso. Acredito que é necessária a reforma tributária, mas não da forma como está sendo realizada, tanto por modelo quanto pela pressa em se aprovar a reforma”, comenta.

Reinaldo Fernandes

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