Fotos Ahmad Jarrah
A Controladoria Geral da União identificou uma série de falhas na administração de recursos destinados às secretarias estaduais de Educação (Seduc) e de Saúde (SES) de Mato Grosso, erros que vão de fraudes em licitações a redirecionamento de verbas para fins alheios ou aplicação abaixo do referencial da lei. Os números constam do relatório do Programa de Fiscalização em Entes Federativos- 2º Ciclo divulgado pela CGU, que realizou vistorias de atividades das duas pastas entre janeiro de 2009 e abril de 2016.
O resultado mostra má gestão do dinheiro colocado diretamente nas mãos do governo estadual para descentralização de ações da União. A ingerência levou, por exemplo, a baixo rendimento das medidas para combate às doenças tropicais (dengue, zika vírus e febre chikungunya) e à falta de adequação de alojamento em escolas públicas. A Controladoria investiga a aplicação de R$ 90,63 milhões repassados para a educação (R$ 65,15 milhões) e para a saúde (R$ 25,47 milhões).
Desvio em modelo de licitação é associado a fraudes em dois certames
As apurações comandadas pela chefe da CGU em Mato Grosso, Karina Jacob Moraes, apontam que os erros mais graves criam indícios de fraudes em licitações para compra de alimentos de merenda escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Conforme a Controladoria Geral da União, oito empresas que integraram o certame 01/2015/CNAE/ realizado em Várzea Grande possuíam ligação entre elas de vários níveis. Dois candidatos, representantes de empresas diferentes na disputa, tinham relação direta de irmãos e vínculos empresariais dentro do certame com um terceiro irmão e o pai. A relação se estendia ainda para dois ex-sócios e para um ex-empregador de um dos empresários.
A ligação com uma terceira empresa concorrente era feita com mais proximidade pelo contador que tinha vínculo com um sócio atual no quadro de uma das empresas apresentadas como cabeças no esquema do grupo. Esses tipos de relações dentre os membros (parentesco e vínculo empresarial) se reproduziam para as outras cinco concorrentes, gerando a conexão das oito empresas entre si. A CGU não cita valores do certame licitatório.
No relatório também aparece outra irregularidade na mesma licitação. Conforme a Controladoria, o processo foi aberto para concorrência presencial das empresas, no entanto, há determinação para que o procedimento ocorra via modelo eletrônico, ampliando o leque de empresas concorrentes para aumentar a margem de ofertas de orçamentos. Ainda conforme a CGU, a restrição feita pelo governo pode ter levado ao favorecimento de empresas locais do município.
“Não haveria prejuízo para a Administração [Pública] aceitar essas contestações por meio de e-mail, via postal ou fax. Pelo contrário, a utilização dos referidos meios de comunicação tornariam o processo mais célere”, aponta a CGU.
“Cabe destacar que o Tribunal de Contas da União tem considerado que a vedação à apresentação de impugnações e recursos por meio de telegrama, via postal ou fac-símile (fax), cerceia o pleno gozo do direito de petição garantido”, complementa.
Em outro certame, realizado em Cuiabá (pregão nº 02/2014/CNAE), além dos desvios de restrição da disputa, a Controladoria da União identificou “atividade atípica” das empresas concorrentes que apresentaram um mesmo valor para 67% dos itens solicitados em regiões diferentes e em licitações abertas pela Secretaria de Educação.
Segundo a análise da CGU, igualdade de orçamentos foi por causa da presença de uma mesma empresa em certames em cidades diferentes. Isso significa que, mesmo com a restrição do pregão eletrônico, que neste caso abriria espaço para outras concorrentes em cidades diferentes, houve participação de um mesmo grupo nas licitações analisadas.
“A peculiaridade da situação se deve ao fato de que empresas vencedoras em determinada região participam dos processos das demais regiões sem, no entanto, vencerem nos mesmos itens, adjudicados no mesmo valor. Desse modo, uma mesma empresa, participando da sessão de duas ou mais regiões, sagra-se vencedora em uma e perdedora em outra, ainda que o valor adjudicado na sessão em que perdeu seja idêntico ao valor adjudicado na sessão em que venceu”, pontua o relatório.
Nessas licitações foram vencedoras para a região sul as empresas Comercial Village, pelo valor de R$ 595.045,91; Comercial Pamex, pelo valor de R$ 182.151,61; Provel, pelo valor de R$ 542.171,52; Maria Pasini, por R$ 40.815,39 e Panificadora Doce Dia, pelo valor de R$ 260.073,94. Paralelamente, foram abertas chamadas públicas cujos objetos foram adjudicados pelos valores de R$ 715.870,01 para a região oeste, R$ 488.490,23 para a região leste, R$ 924.789,11 para a região norte e R$ 514.879,07 para a região sul.
SES não tem controle de ações em medidas de prevenção
Em vistoria de atividades na área da saúde, a Controladoria Geral da União fez levantamento no Fundo Estadual da Saúde e identificou redirecionamento de recursos destinados a trabalhos de prevenção na atenção básica para aplicação em outros segmentos da rede pública de saúde.
A equipe da CGU monitorou a movimentação da conta financeira do fundo entre janeiro de 2015 e fevereiro deste ano. Nesse intervalo, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) recebeu o repasse de R$ 25.218.745 transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde e outros fundos de incentivo para ações de serviços de vigilância em saúde.
Conforme a controladoria, o montante deveria ser aplicado em ações de combate aos agentes transmissores de doenças tropicais, como a dengue e zika vírus, e em medidas de prevenção das doenças, que envolvem, neste caso, o saneamento básico (melhoras em serviços de água e esgoto). No entanto, R$ 731.738 foram aplicados no mercado financeiro sem registro de devolução da quantia.
Ainda conforme a CGU, a transferência foi realizada entre contas do governo no Banco do Brasil no dia 28 de maio de 2015. A Controladoria aponta o remanejamento de recursos entre os blocos de financiamento da saúde, vedado pela Portaria GM/MS nº 204/2007, incorrendo em desvio de finalidade.
O relatório de fiscalização aponta que o alerta sobre aplicação de recursos no nível de atenção primária acendeu em alta da incidência do zika vírus e da febre chikungunya em 2015. Foi tomado como referência para a ponderação o relatório de registro das doenças na semana 48 do ano passado, divulgado em boletim epistemológico pela SES.
A subida nos casos também assustou os gestores públicos responsáveis pela área que aplicaram os recursos de forma intempestiva, gerando pouco efeito nas ações de combate. Nessa medida, a secretaria utilizou dinheiro que estavam parados na conta do governo desde 2013. Até o fim de janeiro deste ano, R$ 23.410.798 dos R$ 25.218.745 somados dos depósitos mensais estavam ainda nas contas do governo.
“Ante o exposto, conclui-se que a SES apresenta dificuldades em efetivamente executar e acompanhar a execução das políticas públicas, notadamente quanto às suas responsabilidades definidas”, pontua a CGU.
Ainda conforme o relatório, o recurso começou a ser distribuídos dentre as prefeituras de Mato Grosso em fevereiro deste ano por meio dos Fundos Municipais de Saúde.
22 carros parados no pátio da Vigilância Epidemiológica
O dinheiro público também ficou parado de outra forma no período averiguado pela Controladoria Geral da União, por exemplo, na falta de uso de veículo adquirido para trabalho de combate ao aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, da febre chikungunya e do zika vírus.
Conforme o relatório da CGU, a caminhonete, modelo S-10, foi entregue ao governo em janeiro de 2016, no entanto, em abril, mês em que se encerraram os trabalhos de campo da Controladoria, o veículo continuava parado. Foi solicitada à SES uma ficha de acompanhamento de entrada e saída do veículo para atividades, mas nenhum documento teria sido apresentado. Os técnicos da pesquisa pontuam essa defasagem como ratificação da falta de controle interno em órgãos estaduais de saúde em Mato Grosso.
“Tal situação torna ainda mais evidente os problemas relacionados aos controles internos para realizar uma boa e regular aplicação dos recursos destinados à SES/MT. A falta de definição de um fluxo processual prejudica a celeridade dos trabalhos, criando oportunidades para a prática de recebimento indevido por serviço ou informação, à revelia da Instituição”.
A CGU identificou, no total, 22 veículos no pátio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde Ambiental que estariam parados sem uso. Além disso, equipamentos para uso de agentes para combate ao aedes aegypti foram localizados encostados na Coordenadoria da Vigilância.
O outro lado
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educaçãoe a Secretaria de Saúde para comentar os apontamentos da Controladoria Geral da União. A Seduc informou por nota que “a atual administração está revendo e aperfeiçoando todos os métodos e critérios de gestão para fins de publicidade e transparência”. Disse, ainda, que analisa as regulamentações e normativas referentes a procedimentos de licitações, aquisições, transferências de recursos, vistorias nas escolas e até mesmo a forma de atendimento a fornecedores e prestadores de serviços da secretaria.
Já a SES afirmou apenas que o governo publicará uma nota sobre as informações levantadas pela CGU na qual constará o posicionamento da secretaria. No entanto, até o fechamento desta edição nenhuma informação tinha sido divulgada.