Política

Cenário de crise econômica pode encalhar novo Refis

O novo Programa de Recuperação de Créditos de Mato Grosso (Refis-MT), liberado pelo governo na sexta-feira (29), nasce com larga probabilidade de não gerar o efeito pretendido pelo governo estadual, o de arrecadar dinheiro de contribuintes devedores de forma rápida para ajudar a fechar as contas no azul neste ano.

Protocolado e aprovado pela Assembleia Legislativa num prazo de urgência de uma semana, o programa busca a renegociação com empresários que tinham acordos firmados no Fundo de Desenvolvimento Social (Funeds), declarado inconstitucional em 2015 pelo Tribunal de Justiça (TJMT) por desvio da função do Executivo, que renegou arrecadação de impostos.

Quando entrou em vigor, em 2011, o momento econômico de Mato Grosso e do País era outro, a crise era algo distante e o Brasil tinha à frente somente uma “marolinha”.  O suposto cenário levou o então governador Silval Barbosa (PMDB) a conceder perdão de juros e demais correções sobre dívidas e também sobre o valor principal do título para o setor produtivo quitar seus débitos. Os reajustes cortaram até 60% da dívida total de alguns contribuintes.

“Hoje, o valor negociado no Refis é até 30% maior do que tinha sido acordado no Funeds, porque somente estão sendo descontados os valores pagos e alguma proporção de juros”, explica o advogado Carlos Montenegro, presidente da Comissão de Estudos Tributários e Defesa dos Contribuintes da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT).

Exemplificando: uma dívida de R$ 200 mil existentes antes do Funeds fora reduzida para R$ 100 mil com a proposta do governo e pode ter sido quitada ou não no período em que o fundo ficou em vigor Mato Grosso. Pelo novo Refis, o contribuinte pode ter acréscimo dos 30% sobre o valor combinado.

No entanto, o cenário em 2016 é outro para a economia de Mato Grosso, especificamente. A crise que se instalou no País em 2014 e levou ao decreto de recessão no ano passado chegou à economia estadual.

Segundo entidades de avaliação do mercado, o comércio amargou quedas consecutivas ao longo de 2015 com retrações médias 4% mesmo em datas de garantia de crescimento (dia das Mães, das Crianças e no Natal, por exemplo). O primeiro semestre deste ano foi considerado perdido pela Federação de Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Mato Grosso (Fecomércio-MT), que projetava retomada da economia na segunda metade do ano. Mas parece que ela não veio.

SOBRE O REFIS

Publicada no Diário Oficial do Estado do dia 20 de setembro, a Lei nº 10.433, de 20 de setembro de 2016, que institui o Programa de Recuperação de Créditos do Estado de Mato Grosso (Refis).

O Refis-MT tem a finalidade de estimular o pagamento de créditos tributários por meio do perdão de penalidade pecuniária, de juros, de multa de mora e/ou punitiva e de concessão de parcelamento, observados os limites e condições estabelecidos nesta Lei.

A previsão da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz-MT) leva em consideração a adesão de contribuintes com débitos em diversos tipos de tributos, sendo o principal o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Benefícios

O programa prevê a regularização de créditos tributários, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa e ajuizados ou não.

Os contribuintes que possuem débitos gerados até o final de 2012 e que optarem pelo pagamento à vista ou em até 24 meses terão descontos de 100% sobre os juros e multas. Para parcelamentos em 36 e 48 meses os descontos vão de 80% a 95%.

Já os contribuintes que possuem débitos gerados no período de 1º de janeiro de 2013 até 31 de dezembro de 2015 poderão optar pelo pagamento à vista ou em cinco opções de parcelamento, sendo 12, 24, 36, 48 ou 60 meses.

Para os que optarem pelo pagamento à vista, o desconto sobre os juros e multas será de 75%. Para as opções de parcelamento os abatimentos variam de 10% a 75%.

Os prazos de pagamentos são estabelecidos conforme o mês em que o acordo for realizado.

Sendo assim, o pagamento à vista deverá ser realizado até o último dia útil e, em casos de parcelamento, a primeira parcela deverá ser paga no prazo de até 10 dias, contados da data da celebração do acordo. As demais parcelas deverão ser sucessivas.

Cobrança complica cenário e adesão ao Refis pode ser baixa

Para o presidente da União dos Lojistas de Shopping Centers de Mato Grosso (Unishop), Júnior Macagnam, a cobrança das dívidas pelo governo estadual, neste ano, complica um cenário que está há mais de ano em deterioração. “O comércio está hoje em uma situação de redução da produção e aumento das dívidas. Como você sofrer redução de salário e todas suas contas –como as de luz, água telefone, por exemplo – sofrerem reajuste para cima”, comenta.

Segundo o empresário, as chances de não adesão ao Refis são grandes neste momento, em Mato Grosso, e o motivo seria a escassez de dinheiro em circulação. “O Refis não é um programa ideal, mas é o que há no momento. Entendemos que governo precisa cumprir regras estabelecidas em âmbito federal e para isso precisa encontrar mecanismos para arrecadação. Mas a situação do comércio não está favorável. É possível que haja adesão ao Refis, paga-se a entrada da dívida e depois passa-se a atrasar os pagamentos porque a situação está muito ruim hoje”, explica.

A Fecomércio diz que a soma das dívidas dos contribuintes está hoje próximo a R$ 1 bilhão, montante não oficializado pelo governo. A Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz-MT) diz que no primeiro mês de negociações do Refis estima arrecadar R$ 30 milhões e até o fim do ano, R$ 150 milhões. Vinte e cinco mil contribuintes estão na lista de devedores.

OAB diz que cálculo da Sefaz é confuso

Para o advogado tributarista Carlos Montenegro, o Refis pode trazer complicações para os empresários. Ele chama a atenção principalmente para o cálculo realizado pela Sefaz ao definir o valor a ser pago. Para ele, ainda não estão claras as ponderações que a secretaria utilizou para recalcular as dívidas, quais valores já pagos foram abatidos no Refis e como as correções de juros estão sendo realizadas.

“São várias questões de mérito que poderão ser aventadas judicialmente visando preservar direitos. Uma das principais é que o Funeds trabalhava com ‘contribuição’ com aplicação no recurso no fundo. Isso quer dizer que o governo não cobrava as dívidas realmente, mas exigia o pagamento de um valor xis para o contribuinte receber a certidão negativa. No Refis, a dívida está sendo cobrada, que recai principalmente sobre ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços)”, comenta.

Segundo ele, esse formato pode abarcar dívidas já prescritas, sem autorização para cobrança. “Uma vez que o Funeds foi considerado inconstitucional, tudo aquilo que tinha sido negociado foi anulado, até mesmo as dívidas que à época do fundo estavam em validade. Mas, hoje, quatro anos após o Funeds, quando o governo resolve cobrar as dívidas, é necessário levar em consideração o tempo de existência da dívida”.

Montenegro diz ainda que o lançamento da dívida na conta corrente fiscal do contribuinte muda seu status, alterando a situação de devedor para o Estado. Isso pode gerar efeito cascata, com o bloqueio de participação em concorrências públicas e o impedimento de retirada de notas fiscais.

“O contribuinte entra no ‘canal vermelho’. Ou seja, está devedor e por isso fica impedido de realizar várias atividades cotidianas, como, por exemplo, receber mercadorias, que deve ter o recolhimento de imposto quitado no posto de alfândega. Se tenho uma empresa que deve receber carga em dez caminhões diferentes por dia, vou ter que pagar dez vezes o ICMS de cada cálculo feito para cada caminhão”. 

Reinaldo Fernandes

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