Política

Mendes terminará mandato sem cumprir plano de governo

A pouco mais de cem dias para o fim de seu mandato, o prefeito Mauro Mendes (PSB) deixará o cargo sem cumprir as principais promessas de seu plano de governo para saúde. Além de não ter executado as propostas, como a expansão da atenção básica, os serviços tiveram aplicação insuficiente de recursos. Alguns setores pioraram na comparação com a gestão anterior. A mortalidade infantil aumentou e os postos de saúde enfrentam problemas de alta de demanda e baixa de profissionais para atendimento.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) diz que há hoje, na capital, 70 unidades de Estratégia da Saúde da Família (ESF), 21 centros de saúde, 1 farmácia popular, 1 consultório de rua e 1 consultório itinerante, conjunto que abrangeria 52,5%. O quadro de acompanhamento do Ministério da Saúde mostra, no entanto, uma proporção bem menor. Até agosto deste ano, de 71 equipes de saúde da família credenciadas em Cuiabá, 62 estavam na ativa, cobrindo 213.900 habitantes, equivalente a 38,11%.  

Os números são semelhantes aos que existiam em janeiro de 2013, quando Mauro Mendes assumiu o cargo, com a diferença de que a demanda era menor. Existiam 71 equipes credenciadas pelo Ministério da Saúde e 63 estavam na ativa, conseguindo abranger 217.350 pessoas, uma proporção de 39,07%.

Também houve redução de cobertura quando se considera os trabalhos de agentes comunitários, outro profissional que trabalha na ponta da área primária da saúde. No começo do governo Mauro Mendes, Cuiabá tinha 414 agentes cadastrados no Ministério da Saúde, mas 393 estavam realmente realizando trabalhos. À época eles conseguiam cobrir 225.975 habitantes da capital, um proporcional de 40,62% do total da população.  Nos 44 meses seguintes, até agosto deste ano, apenas 14 novas equipes integram os serviços, puxando o número total para 407. Mas a cobertura da população reduziu para 41,69%. 

A insuficiência gerou resultados negativos, como o aumento da mortalidade infantil. As ocorrências subiram 16% dentre os bebês com até 1 ano de vida. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde, os casos para os recém-nascidos com até 27 dias de vida passaram de 94, em 2014, para 110 no ano passado. Alta que fez o índice de óbitos a cada 1.000 nascidos saltar de 8,4 para 10,4 no mesmo período.

Também houve aumento em ocorrências com morte de bebês neonatais precoces, com menos de sete dias de vida. Em 2014, foram registrados 64 casos e, em 2015, 79, o que representou óbito de 7,5 recém-nascidos na fase neonatal em cada população de 1.000. Já os casos de morte dentre os neonatais tardios, com idade de sete e 27 dias de vida, subiram de 25 para 31, marcando índice de 2,9 para igual grupo de referência. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), outro tipo de apoio para promoção da saúde primária, continua sem unidade.

Ocorrências de DST/Aids oscilaram entre 2013 e 2015. No primeiro ano, o índice de casos era de 26,6 infectados para cada 100 mil habitantes de Cuiabá, com um total de 152 registros. No ano seguinte, as ocorrências passaram para 160 e o índice populacional subiu para 27,8. Em 2015, conforme dados disponibilizados pela Secretaria de Saúde, houve registro de 91 infectados. Índice de 15,6.

Propostas

De 18 propostas para saúde que compõem o plano de governo de Mauro Mendes, 12 são voltadas para políticas de atenção básica. Havia a promessa de ampliação do acesso à saúde com redução de desigualdades regionais, com implementação de política municipal de promoção à saúde. Uma das tarefas seria expandir a rede de atenção básica e efetivar os atendimentos.

Outra proposta previa o aperfeiçoamento do Sistema Municipal de Vigilância em Saúde, com foco nas áreas epidemiológica, sanitária e ambiental. Mendes também defendeu o fortalecimento da atenção básica com expansão e consolidação de estratégias de saúde voltadas para a família. Mudança que passaria pela reorganização e qualificação dos serviços prestados pelo SUS em Cuiabá.  A redução morbimortalidade também estava no escopo do plano de governo do prefeito.

Houve desmonte na saúde, diz Sindimed

A presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed-MT), Eliane Carvalho, diz que houve desmonte dos serviços de saúde na rede pública nos últimos quatro anos. A situação, que já era crítica, piorou, principalmente devido à precariedade no alcance e no atendimento na rede básica.

“O maior pecado da administração Mauro Mendes foi não ampliar o acesso da população ao SUS. No começo da gestão já havia um acesso pífio de 39% da população de Cuiabá. Hoje está em 35%. A população cresceu, mas não houve inauguração de novos postos. Não construiu nenhum posto de saúde, apesar de, quando iniciou a gestão, haver autorização para 15 projetos de posto de saúde”, afirma a médica.

Ela ressalta que hoje Cuiabá tem 70 equipes do Programa Saúde da Família (PSF). E precisaríamos de ao menos 190. Mendes inaugura um serviço e fecha um ou dois. Houve desmanche total de toda forma de consolidar o SUS.”

Segundo a presidente do Sindimed, o estado ruim da saúde na capital passa tanto pela falta de serviços quanto pela escassez de profissionais com qualificação apropriada. A doutora cita, por exemplo, a estrutura de atendimento no pronto-socorro, onde deveria haver um médico disponível para cada dois pacientes.

“Relação de pacientes por médicos e enfermeiros no PS é muito pouca. O ideal seriam dois pacientes por médico, mas hoje está em 15 pacientes. Você entra lá com dor de cabeça e fica junto com outras pessoas com pneumonia, derrame e outras doenças. A sala vermelha está lotada, 50 pacientes. Então, morre mais gente do que deveria.”

Se estendida a avaliação para outros setores da rede pública, também são apontados números de saturação do modelo de serviços. Isso significa que os setores não cumprem seus serviços programados, causando efeito dominó de desatendimento na rede de atenção básica pelo SUS.

“A resolutividade das policlínicas piorou. A gente melhoraria a resolutividade das policlínicas com mais medicação, mais exames. Nenhum lugar [da rede pública] em Cuiabá tem ultrassom. Às vezes, a mulher passa toda a gestão sem fazer um exame de ultrassom. Todo tipo de exame diminuiu na rede [do SUS]. A administração do Mauro Mendes acabou com a saúde”.

SUS tem “campo cego” em Cuiabá

A médica Eliana Siqueira diz que grande parte dos serviços do SUS está sendo realizada por meio de terceirizações pela prefeitura, a exemplo do hospital de média e alta complexidade São Benedito. Ela diz que o modelo criou um campo cego dos serviços públicos sem possibilidade de conhecer diretamente o estado dos serviços.

 “A saúde está muito privatizada em Cuiabá. Há contrato com laboratório, contrato com empresa que faz raio X, empresa que faz tomografia, é empresa brigando com empresa para fazer os raios X, a tomografia do pronto-socorro, para fazer cirurgia para o pronto-socorro.”

Um dos efeitos seria a falta de uma lista atualizada sobre a fila de espera de pacientes. “Se você quiser saber qual é a fila de espera para cardiologia, por exemplo, você não consegue saber, porque nem na Central de Regulação o pessoal sabe o que acontece. Se existe alguma fila de espera, só a secretaria sabe e nós [médicos] não temos acesso. Temos pouquíssimos cardiologistas na rede pública. Passaram seis no último concurso (janeiro de 2015), mas nenhum foi chamado”.

O último levantamento divulgado pela Central de Regulação de Cuiabá, no começo de 2015, aponta que havia 46.268 pessoas à espera para consultas com especialistas no SUS em Cuiabá. O número de grávidas que aguardavam agendamento de ultrassom estava em 12 mil. A doutora Eliana diz ser comum uma mulher completar a gestação sem realizar o exame. 

“A gestão pública não pode ser feita descolada da realidade, de nós que estamos aqui nos postos de atendimentos, que trabalhamos na saúde. A gestão pública não é de cabeças iluminadas que sabem de tudo. São pessoas que precisam ouvir e discutir com a gente a melhor saída. Nem nós sabemos de tudo e nem eles sabem de tudo. Isso não ocorre”, pondera.

“Vou embora porque atendem só infartados”

“Estou indo embora porque me disseram que só vão atender infartados e pessoas que já estão pela hora morte”disse Larissa Costa, 22 anos, depois de uma hora à espera de atendimento no posto de saúde do Coxipó, em Cuiabá.

Ela chegou ao local por volta das 9h30 com dores no estômago e, segundo ela, uma leve febre, que enfrentava desde o último sábado. Na terça-feira (13), resolveu procurar atendimento médico por não aguentar mais as dores e o mal-estar da febre. Saiu como entrou da policlínica.

Antônia Rosilda da Silva, 44 anos, sentada no banco da fileira de trás na sala de recepção da unidade, acompanhava a sogra, Dulcineia Arruda, de 57 anos, que estava impaciente por causa da falta de ar e dor no peito. As duas chegaram cerca de duas horas antes de Larissa e foram embora no mesmo momento e pelo mesmo motivo. A reclamação dela era que apenas um médico, um clínico geral, estava de plantão na policlínica, mas não atendia nenhum paciente. No quadro de plantões, todos os períodos de turno estavam preenchidos com nomes de profissionais.

“Me falaram que ele só está atendendo urgência e emergência, e cheguei aqui antes de 8h com minha sogra. Perguntei: se não vai atender, por quê não vai embora? Eles disseram: ‘se falar, ele vai embora mesmo’”.

Antônia saiu com a sogra em busca de outra unidade saúde. Chegou ao Pascoal Ramos, onde foi atendida por volta das 15h. “Ainda assim, só deram uma olhada nela, passaram um remédio e mandaram para casa”, conta.

Em um banco ao lado de Larissa e Antônia, Ilza Conceição, 35 anos, esperava, meio deitada e meio sentada, desde as 6h30. Não posicionava o tronco do corpo na posição vertical para evitar a dor na bexiga. “Acho que estou com infecção, mal conseguido fazer xixi porque queima”. 

O incômodo transparecia no rosto pálido e os lábios secos. “Cheguei aqui 6h30 e passei pela triagem depois de 40 minutos, mas estou aqui esperando para ser atendida. Ó, dez e meia, já”. A informação que ela recebeu foi semelhante à repassada para as outras duas pacientes. Havia apenas um médico para realizar atendimentos, e não havia previsão de quando ele atenderia.  

 

Secretário diz que houve avanço, mas rede continua falha

O secretário-adjunto de Atenção à Saúde de Cuiabá, Daoud Abdala, diz terem ocorrido avanços na rede pública de SUS durante a gestão do prefeito Mauro Mendes. Ele cita a construção de 16 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e mudança no modelo de administração dos pontos de atendimento. Segundo ele, o setor tem sido trabalhado no eixo de infraestrutura, capacitação, humanização e universalidade da rede.

“Dezesseis UBSs estão em construção em Cuiabá e devem ser entregues até o fim do ano. Ao menos novas equipes de saúde da família serão integradas às já existentes ampliando o atendimento. Saímos de uma cobertura da atenção básica de 28% (da população no começo da gestão do prefeito Mauro Mendes) para 52%. Quase dobramos a capacidade de atendimento na atenção básica. Não houve fechamento de nenhum ponto de atendimento da saúde pública”, comenta.

Questionado sobre a disparidade de dados entre a Secretaria de Saúde e o Ministério da Saúde, Abdala disse que a compilação do ministério está defasada, por isso ainda mostra uma cobertura de apenas 39,07% da população, ainda que o número faça referência apenas a um tipo de unidade básica.

“O Ministério da Saúde mantém no DATASUS (sistema de compilações de dados) números de 2013 de Cuiabá. Ou seja, a unidade está atendendo há mais de dois anos, mas ainda não foi habilitada pelo ministério por isso há a diferença. Temos 21 centros de saúde, linhas de cuidado, como a saúde mental, que estão incluídos na atenção básica”.

Produtividade teve crescimento de 192%, garante SMS

Relatório de produção hospitalar divulgado pela Secretaria de Saúde, com dados referentes ao primeiro quadrimestre deste ano, aponta que as equipes médicas de atenção básica atendem 52,4% da população em plano cuja meta é alcançar 54%. Aponta ainda que de 2013 até abril deste ano a produtividade laboratorial do SUS na capital teve crescimento de 192% – saiu de 28.559 para 83.500 procedimentos realizados.

Na comparação com atendimento de média complexidade, os números da atenção básica são ínfimos. No mesmo período, o número de procedimentos chegou a 549.975 no fim do primeiro quadrimestre de 2016 ante os 422.939 do início da gestão de Mendes (alta de 30%).

O relatório aponta também que Cuiabá tem hoje 21 Centros de Atenção Básica, 70 Equipes da Saúde da Família, cinco policlínicas, um posto de saúde e quatro Unidades de Pronto Atendimento (UPA).

Questionado sobre a fila de espera para atendimento pelo SUS, o secretário disse não ter informações sobre o número de pessoas que aguardam atendimento. “Os números atuais não são confiáveis, porque acontecem casos em que uma mesma pessoa é atendimento em mais de um lugar ou a pessoa é atendida e não ocorre baixa no cadastro dela”, disse.

Segundo ele, a secretaria trabalha para disponibilização de serviços de agendamento via telefone e de ouvidoria ao contribuinte. A reportagem procurou junto à Secretaria Municipal de Saúde e à Central de Regulação por tabela atualizada de pacientes à espera de atendimento, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

Sobre o aumento da mortalidade infantil, o secretário Daoub Abdala disse que a secretaria trabalha com a meta estipulada pelo Ministério da Saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de reduzir o índice até 2020, que é de 7,1 a cada mil nascidos. 

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Reinaldo Fernandes

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