A transparência é uma das ferramentas mais importantes do controle social no acompanhamento das ações dos poderes. Com o advento da Lei 12.527/2011, que regulamenta o “direito constitucional de acesso às informações públicas”, criou-se a expectativa de uma prestação de contas mais eficiente das instituições. Entretanto, as cidades de Mato Grosso ainda precisam superar alguns desafios nessa questão, pois ocupam apenas o 13º lugar num ranking nacional.
Com elaboração do Ministério Público Federal (MPF), que avaliou o cumprimento da legislação dos gestores públicos nas três esferas de poder (federal, estadual e municipal), o ranking traz informações sobre o nível de acesso e disponibilidade de dados de todo o País.
De acordo com o levantamento, muitos municípios de Mato Grosso ainda possuem um longo caminho a percorrer se quiserem oferecer aos seus cidadãos a possibilidade de acesso às informações dos atos públicos.
Alto Taquari, Araputanga, Cáceres, Glória D’Oeste, Guiratinga, Novo Santo Antônio, Poxoréu, Santo Antônio do Leste e Vale de São Domingos receberam nota zero do Ministério Público Federal. Mesmo cidades com economias dinâmicas, como Campo Verde e Barra do Garças, tiveram um desempenho insatisfatório somando 2,0 e 4,3 pontos respectivamente.
Entre as 27 capitais brasileiras, Cuiabá apresenta um desempenho abaixo daquele atingido pela média de todas as cidades mato-grossenses, ficando em 15º lugar – atrás de Porto Velho (RO), Maceió (AL) e Palmas (TO), por exemplo. Entre os municípios do Estado, podemos perceber que seu tamanho populacional, ou riqueza, não querem dizer necessariamente uma alta pontuação, com destaque positivo para Ipiranga do Norte (10,0), Alto Araguaia (9,5) e São José do Xingu (9,3).
Quase metade das cidades mato-grossenses apresenta um desempenho que poderia ser melhorado. Em torno de 40% dos municípios somaram pontuação entre 1,0 e 6,9 no ranking da transparência do MPF. De um modo geral, porém, os resultados melhoraram na comparação com o primeiro levantamento feito em 2015, quando Mato Grosso atingiu 4,31 na avaliação. Este segundo estudo do Ministério Público Federal foi realizado no primeiro semestre de 2016.
No geral, Mato Grosso figura no limiar entre as unidades federativas cujos municípios oferecem uma transparência satisfatória ou não, atingindo pontuação de 5,24 – Santa Catarina, o Estado mais bem colocado, somou 8,24.
A metodologia do MPF para averiguar o nível de transparência das cidades brasileiras levou em conta se as informações estão disponíveis na internet, se há dados sobre receita aferidas nos últimos seis meses, o valor de empenho e liquidação em relação às despesas, resultados de licitações, serviço eletrônico de informações ao cidadão, remuneração dos agentes públicos etc.
Acesso à internet em MT pode ser empecilho
O advento da internet é um recurso que deve ser utilizado na melhora da comunicação, não apenas entre as pessoas fora de ambientes formais, – realidade já presente por meio das redes sociais – mas também na otimização e o próprio acesso aos atos públicos daqueles que elegemos para nos representar nas esferas institucionais de poder. No entanto, a rede mundial de computadores, bem como a transferência de informações, deixa a desejar em algumas regiões do Estado.
Com o objetivo de “modernizar a gestão, ampliar o acesso aos serviços públicos e promover o desenvolvimento dos municípios brasileiros por meio da tecnologia”, o projeto “Cidades Digitais”, do Ministério das Comunicações (MC), é uma iniciativa do Governo Federal que prevê a construção de redes de fibra ótica que interligam os órgãos públicos locais, a disponibilização de aplicativos de governo eletrônico para as prefeituras, pontos de acesso para uso livre da internet e outras ações.
O “Cidades Digitais”, porém, elencou apenas quatro municípios de Mato Grosso para ser implantado – Campinápolis, Colniza, Nossa Senhora do Livramento e Rosário Oeste. Dessas quatro, apenas Campinápolis e Colniza receberam recursos do Governo Federal e, mesmo assim, o montante não chegou nem a 10% do previsto. De acordo com o Ministério das Comunicações, o programa deve passar por uma reformulação e seu financiamento se dará por meio de emendas parlamentares – o que pode postergar ainda mais o projeto.
De acordo com o Presidente da Associação Mato-grossense dos municípios (AMM), Neurilan Fraga, a internet é um dos principais gargalos na implementação da transparência dos atos públicos nas cidades do Estado. Segundo ele, “as dificuldades com o envio de informações geralmente encontram problemas”, dizendo ainda que a realidade da prestação de contas dos gestores públicos ainda precisa avançar e que desafios precisam ser superados, elencando o acesso à rede mundial de computadores como um deles.
“Hoje todos os atos são públicos e prestamos conta do que fazemos. Porém, disponibilizar esses dados na internet é um desafio que precisa ser superado aqui no Estado, pois muitas regiões não possuem nem mesmo o 3G”, disse.
Realidade que o prefeito de Pontes e Lacerda, cidade há 443 km de Cuiabá, conhece bem. Donizete Barbosa (PSDB) disse ao Circuito que o município que administra não possui ainda tecnologia 3G, dos dispositivos móveis, dizendo que “a gente aqui usa só internet fixa”. Ele afirma, no entanto, que apesar de a falta de estrutura ser uma das dificuldades, é preciso que os órgãos públicos, de uma forma geral, tenham a “cultura da transparência”.
“No interior é diferente da Capital, aqui não temos nem 3G. Mas também afirmo que os órgãos públicos, de forma geral, precisam ter a cultura da transparência, de disponibilizar qualquer ato oficial para acesso aos cidadãos”.
“Transparência é fundamental”, afirma conselheiro
O Circuito Mato Grosso conversou com o conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), Luiz Henrique Lima. Entre os assuntos discutidos com um dos responsáveis por averiguar a eficiência dos investimento públicos mato-grossenses, a transparência dos atos oficiais ganhou destaque e, nas palavras do membro do Tribunal de Contas, “quanto mais transparência melhor, ela deveria ser a pedra de toque na fiscalização e controle dos órgãos institucionais”.
“Se vejo um Rock in Rio ser financiado com ajuda do Ministério da Cultura, por exemplo, quero, como cidadão, ter acesso a esses dados no site da pasta, quero saber a justificativa de se investir num evento dessa natureza e não na produção local da cultura”, disse ele.
Luiz Henrique Lima, que é doutor em Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e que já atuou como auditor federal de controle externo pelo Tribunal de Contas da União (TCU), diz ainda que é preciso melhorar os mecanismos e a qualidade das informações disponibilizadas pelos agentes públicos – como prazo de uma obra específica, investimento realizado etc. – e que quando um órgão é transparente, toda a sociedade tem a ganhar.
“Com transparência ganha o Estado, o município, o país. Toda uma sociedade é beneficiada.”
“Tem que ser cultural”, diz especialista em gestão pública
O Circuito Mato Grosso buscou a avaliação de um especialista em gestão pública sobre a importância da transparência dos atos oficiais. Para o doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UNB) e docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Eber Luis Capistrano Martins, há uma “falta de cultura organizacional” dentro das instituições públicas. Dessa forma, segundo ele, “valores são criados de que o caminho natural é seguir pela transparência”.
“O caminho é cultural, não apenas de lideranças. É necessário criar valores que sejam rotina nas instituições públicas. A transparência poderia ser um produto disso. Precisamos de cultura organizacional”.
Eber diz ainda que a transparência é uma demanda da sociedade, “como se fosse um ISO 9000”, em alusão ao grupo de normas técnicas que estabelecem um modelo de gestão de qualidade para as organizações. Ele afirma que com o advento do melhor acesso aos atos públicos, “erros como o do VLT poderiam ser evitados”.
“A sociedade esta cobrando. É preciso criar valores que a sociedade está demandando. É um movimento salutar. Com transparência, acredito que erros como o do Veículo Leve sobre Trilhos poderiam ser evitados”.