Cidades

Multas de radares estão na mira do TCE e podem ser anuladas

Fotos: Ahmad Jarrah

As infrações de trânsito aplicadas pelos radares instalados nas ruas de Cuiabá estão na mira do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT). Uma auditoria vem sendo realizada no sistema de radares eletrônicos instalados pela prefeitura e que pode resultar na anulação das multas. O trabalho, sob a coordenação do conselheiro Sérgio Ricardo, foi motivado por denúncias da existência de uma “indústria da multa” e que chegaram por meio da Ouvidoria Geral do TCE. Entre 2015 e 2016, mais de R$ 20 milhões já foram arrecadados.

Entre as ações da 5ª Secretaria de Controle Externo (Secex), responsável pela demanda, está a apuração da legalidade do contrato, volume de multas, aferição de equipamentos pelo Inmetro, modalidade das infrações, total arrecadado e destinação dos recursos. Dois servidores foram designados para realização da auditoria iniciada no mês de julho cujos trabalhos estão previstos para serem concluídos em outubro.

De acordo com o conselheiro, o contrato firmado entre a Prefeitura de Cuiabá e a empresa que presta os serviços de fornecimento, instalação, manutenção e operação do sistema tem prazo de 48 meses ao custo de R$ 39,8 milhões – em torno de R$ 9,95 milhões ao ano.

“O papel do Tribunal de Contas é atender os anseios da sociedade e existe uma preocupação com a forma como as multas estão sendo aplicadas, por isso vamos investigar a fundo todo o processo”, observa o conselheiro Sérgio Ricardo.

“O papel do Tribunal de Contas é atender os anseios da sociedade e existe uma preocupação com a forma como as multas estão sendo aplicadas, por isso vamos investigar a fundo todo o processo”.

O conselheiro cita o caso da Prefeitura de São Paulo (SP), na gestão do prefeito Fernando Hadadd (PT), que teve que cancelar R$ 17 milhões em multas após ser constatado que um radar estava adulterado.

E em Mato Grosso, ainda em 2002, enquanto deputado estadual, Sérgio Ricardo ingressou com uma ação popular que ao final resultou na anulação de todas as multas aplicadas pelos chamados “pardais”. Até o dia de hoje ainda são proferidas decisões determinando a anulação de multas aplicadas à época.

VALORES ARRECADADOS COM MULTAS EM CUIABÁ NOS DOIS ÚLTIMOS EXERCÍCIOS (EM R$)

INFRAÇÃO

2015

2016¹

Parar na faixa de pedestre

210.766,46

333.315,25

Avançar o sinal vermelho

2.890.463,16

5.182.754,27

Ultrapassar em até 20% a velocidade máxima

3.866.355,87

4.824.082,27

Ultrapassar de 20% a 50% a velocidade máxima

1.067.471,20

1.319.190,02

Ultrapassar em mais de 50% a velocidade máxima

436.928,06

543.245,03

TOTAL

8.471.984,75

12.202.586,84

¹Valores referentes ao período de 01/01/2016 a 30/06/2016
Fonte: TCE-MT

Como é possível perceber, todas as categorias apresentadas na tabela tiveram expressivo aumento na arrecadação – sem esquecer que, ao contrário de 2015, que mostra o montante total arrecadado naquele ano, os valores de 2016 referem-se apenas ao período de primeiro de janeiro a trinta de junho. Avançar o sinal vermelho, por exemplo, apresentou acréscimo de 79%. Já ultrapassar em até 20% o limite de velocidade máxima rendeu em torno de 25% a mais.

O QUE O TCE QUER SABER:

– NÚMERO DE RECURSOS MOVIDOS POR MOTORISTAS

– TEMPO DE ANÁLISE DOS RECURSOS

– PERCENTUAL DE CONDUTORES QUE FORAM VITORIOSOS NOS RECURSOS

– ONDE OS RECURSOS ESTÃO SENDO APLICADOS

E AINDA:

– O TCE FARÁ PERÍCIA EM TODOS OS RADARES INSTALADOS EM CUIABÁ

Arrecadação de multas deve ser utilizada no trânsito

A portaria 407 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) disciplina que os recursos arrecadados com multas de trânsito possuem vinculações específicas para seu investimento. Segundo o artigo 1º do código, de 27 de abril de 2011, esses valores são “receitas correntes a atender, exclusivamente, as despesas públicas com sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. As orientações fazem parte da “Cartilha de Aplicação de Recursos Arrecadados com a Cobrança de Multas de Trânsito”.

Entre as diretrizes presentes no documento está a implantação de dispositivos delimitadores, painéis eletrônicos, elaboração e atualização de mapa viário, planejamento técnico dos equipamentos destinados à execução dos serviços de engenharia de tráfego e de campo, capacitação de autoridades e de agentes de trânsito e outros, como mostra o infográfico abaixo elaborado pela equipe do Circuito Mato Grosso com informações da portaria 407.

AÇÕES CUJOS RECURSOS SÃO PROVENIENTES DAS MULTAS DE TRÂNSITO

Aquisição de painéis eletrônicos

Projetar, executar e implantar sinalização viária horizontal e vertical

Desenvolvimento e implantação de corredores especiais de trânsito

Estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para melhorias do sistema viário

Controle e gerenciamento de tráfego

Estudo e projeto de calçadas, ciclovias e ciclofaixas

Manutenção, conservação e funcionamento da Junta Administrativa de Recursos de Infração – Jari, do Conselho Estadual de Trânsito – Cetran

O Circuito solicitou à prefeitura de Cuiabá o montante aplicado nas ações de educação, aperfeiçoamento da sinalização e segurança no trânsito. Contudo, até o fechamento da edição, elas não foram disponibilizadas.

Mauro Mendes rebate dizendo que “isso é asneira” 

O prefeito Mauro Mendes (PSB) demonstrou grande irritação ao ser questionado sobre a possível existência de uma “indústria da multa” em Cuiabá. A partir da intervenção do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o candidato a prefeito, Julier Sebastião (PDT), cobrou explicações e Mendes saiu na defensiva: “Indústria da multa por quê? Tem alguém da prefeitura pisando no acelerador do carro?”. E classificou as críticas como “um monte de asneira”.

Porém, o que o TCE está cobrando é transparência na aplicação dos recursos arrecadados com essas multas. Segundo Mauro Mendes, todo o dinheiro das multas aplicadas na Capital é investido em melhoria do trânsito, a exemplo do recapeamento da Avenida Historiador Rubens de Mendonça. Além disso, o prefeito negou que a empresa responsável pelos radares ganhe adicional com multas.

“O dinheiro que entra na conta só pode ser gasto exclusivamente em educação para o trânsito ou na melhoria do trânsito. É com parte desse dinheiro que estamos recapeando a Avenida do CPA e vamos recapear a Fernando Corrêa”, garantiu, alegando ainda que está sinalizando as ruas da cidade e que comprou 10 mil placas para melhorar a sinalização de Cuiabá.

Dinheiro das multas do Detran pode sofrer desvio

As multas incidentes sobre os motoristas possuem outras prerrogativas de aplicação. Além das prefeituras municipais, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), e os governos estaduais, por exemplo, também podem realizar esse serviço. No caso de Mato Grosso, os recursos financeiros provenientes do pagamento dessas transgressões, realizada pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), sofre desvio de finalidade, uma vez que mais de 57% dele vai para o fundo Estadual de Segurança Pública (Fesp).

Por força de leis criadas para alterar o que determina o código de trânsito brasileiro (CTB), que orienta que os recursos das multas devem ser utilizados na “educação, engenharia e segurança” dos motoristas, o governo Blairo Maggi (PP) trouxe àluz do dia a Lei Complementar Estadual nº 296/2007, obrigando a transferência de 57% da arrecadação de multas de responsabilidade do Detran ao Fesp, fundo que tem objetivo de “cobrir despesas de manutenção, o aperfeiçoamento e a ampliação da Segurança Pública Estadual”.

A economista e ex-presidente do Sindicato dos Servidores do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso (Sinetran-MT), Veneranda Acosta, conhece como poucos a realidade financeira do Detran-MT. Ela, que foi coordenadora de planejamento e orçamento do órgão por mais de três anos, afirmou que sempre fez críticas a sua “falta de transparência” e à “gestão dos recursos” e que desde 2010 a situação piorou, sobretudo na aplicação de dinheiro público, e fez críticas às autuações da polícia militar na prescrição de multas

“Sempre defendi que o Detran deveria disponibilizar em seu site a aplicação de recursos públicos. Além disso, o convênio firmado entre o departamento e a segurança pública, determinando que a polícia militar também aplique multas, é provisório. O correta seria a contratação de agentes fiscalizadores, como fazem as prefeituras municipais”, disse.

Conta Única

Ainda que uma pequena parcela dos recursos arrecadados com as multas do Detran-MT estivessem à disposição do departamento, a realidade no Estado é mais complicada. O Circuito Mato Grosso pediu à assessoria de imprensa do órgão que informasse o valor arrecadado com as multas de trânsito no primeiro semestre de 2016. De acordo com sua equipe técnica, R$ 10.376.251,17 caíram nos cofres mato-grossenses referentes ao pagamento dessas transgressões.

Do valor total, o Detran-MT fica com 40% (R$ 3.942.975,45). Mas essa destinação pode revelar a falta de autonomia do departamento, uma vez que esse montante tem como destino a conta única do governo do Estado – uma fonte de recursos que é utilizada, inclusive, para folha de pagamento de servidores que não trabalham no órgão – que estabelece as diretrizes estaduais de trânsito. 

FALA POVO!

O Circuito Mato Grosso saiu às ruas de Cuiabá perguntando para as pessoas se elas consideravam que as vias urbanas eram seguras e bem sinalizadas, além de indagar se alguma delas já recebeu uma multa considerada injusta. Confira abaixo as respostas

 

“O pior problema dessas multas é que elas são aplicadas e a gente não vê melhorias nas vias, com sinalizações e no asfalto. Os políticos só querem arrecadar e não respeitam a própria lei” – Josione Alves Dantas, 51 anos, mecânico

 

 

“Esses dias chegou uma multa dizendo que eu tinha parado numa vaga de pessoas idosas. Ela veio com endereço errado, e sem o horário da infração. Tive que pagar porque precisava tirar a CNH” – Ailton Dias dos Santos, 49 anos, comerciante

 

 

“Alguns lugares possuem sinalização ruim e os ‘amarelinhos’ só querem multar. Uma vez tive que parar o carro para uma cliente descer num local não permitido. Porém, eu só fiz isso porque ela estava com o pé quebrado” – Eliezer Silva de Oliveira, 41 anos, taxista

 

 

“As ruas de Cuiabá não são bem sinalizadas. Falta vaga para estacionar, falta indicação nos locais onde há radares ou lombadas eletrônicas. A gente precisa saber onde estão esses radares” – Bruna Tiziane, 22 anos, esteticista

Diego Fredericci

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