Política

Corrupção, assédio e agiotagem

A Secretaria Estadual de Gestão (Seges) estendeu pela segunda vez seu contrato com a empresa de crédito consignado Consignum, investigada em esquema de fraudes, que levou à prisão o ex-governador Silval Barbosa (PMDB) e outros três secretários. O termo de parceria venceu em fevereiro deste ano, mas apenas agora foram publicados os termos de aditivos. O primeiro foi assinado em fevereiro e expirou em maio. O segundo, assinado no mesmo mês, tem validade até agosto próximo. Ambos com prazo de 90 dias.

A Consignum é investigada em esquema que chegou a movimentar R$ 1 milhão por mês em pagamento de propinas a Silval Barbosa e os secretários César Zilio (Administração), Marcel Cursi (Fazenda) e Pedro Nadaf (Indústria e Comércio), segundo o Ministério Público Estadual (MPE). Os dois primeiros estão presos preventivamente no Centro de Custódia de Cuiabá e Nadaf está detido na base dos Serviços Especiais de Operações. Eles ainda são investigados na operação Seven, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial  contra o Crime Organizado (Gaeco).

Principal empresa investigada na 2ª fase da Operação Sodoma deflagrada em março deste ano, a Consignum é apontada como responsável pela emissão de 35 cheques, entre outubro de 2012 e agosto de 2013, cujos valores somam R$ 1,2 milhão. 

Sindicatos consultados pela reportagem afirmam que consignatárias e bancos em prestação de serviço de consignado não respeitam a margem de estipulada por lei para a aprovação de empréstimo e agem com abordagem de “agiotagem”.  “São muito comuns servidores com o limite de empréstimo estourado. Eles têm empréstimo em andamento, mas os bancos e as consignatárias ainda liberam dinheiro. Não há dificuldade nisso: o servidor recebe, por exemplo, R$ 1 mil, tem empréstimo aprovado com desconto de R$ 800 em folha, não dá nem para o sindicato fazer o desconto anual de contribuição”, explica Orlando Francisco, diretor financeiro do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT).

Uma Medida Provisória (MP) aprovada em novembro do ano passado pelo Senado elevou para até 35% a parcela do salário dos servidores que pode ser comprometida para pagamento de empréstimo consignado com desconto em folha. O limite teto pode ser emprestado desde que cinco pontos porcentuais adicionais sejam para quitar dívidas de cartão de crédito.

O diretor do Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde do Meio Ambiente (Sisma), Oscarlino Alves, diz que a cobrança de juros executada para empréstimo de servidores é acima do mercado, com variação de até cinco pontos percentuais, dependendo o plano negociado.  “A cobrança de juro acima do mercado sempre ocorre. Por exemplo, se no mercado está em 2%, para os planos de consignatárias está em 5, 6 e até 7% dependendo do plano”, conta.

Ele reclama ainda de assédio feitos pelas empresas. “É comum você ouvir servidor reclamar do número de ligações que recebem com oferta de empréstimo. Me pergunto onde eles conseguem telefone, endereço, nome dos servidores para entrar em contato se, em muitos casos, eles nunca procuraram empréstimo”.

Os contratos firmados por bancos e empresas consignatárias são na maioria para servidores aposentados, que tem a facilidade de menor burocracia para o trâmite das negociações.

Nova licitação foi exigida há 1 ano e meio

O Ministério Público de Contas de Mato Grosso determinou no dia 18 dezembro de 2014 que fosse realizada uma nova licitação, em caráter urgente, para contratação de empresa de empréstimo consignado aos servidores públicos estaduais.  A decisão foi proferida contra a extinta Secretaria de Administração (SAD), à época comandada pelo secretário Pedro Elias Domingos de Mello. O ministério tinha identificado irregularidade no pregão 001/2014, que estabelecia critérios para firmar a prestação de empréstimo.

A ilegalidade gerou a anulação do pregão com a determinação de nova licitação. A decisão foi assinada pelo procurador-geral substituto de contas, Getúlio Velasco Moreira Filho.

Em 28 de julho de 2015, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) retificou a decisão em abertura  de procedimento de fiscalização do serviços de empréstimo em folha ao servidores do Estado.

O relator do ofício nº 0851/2015, conselheiro José Carlos Novelli, indica que até a data de apreciação do processo no TCE não havia atividades do Estado para cumprimento da determinação do Ministério Público de Contas. O relator tinha estipulado prazo de 30 dias para cumprimento desta nova decisão.

“Advirto que nova omissão consistirá em falha de natureza gravíssima, com força suficiente para embasar a reprovação das contas da gestão do responsável e imposição de sanções pecuniárias, assim como poderá ensejar a formalização de representação ao tribunal, com pedido de afastamento temporário do titular do órgão”, define Novelli.

De fevereiro de 2014 a julho de 2015, o serviço de empréstimo era operado pela Consignum com valores maiores que os praticados no mercado.  

Juiz acata pedido de empresa investigada e suspende edital

O governo do Estado lançou, por meio da Secretaria de Estado de Gestão (Seges), em agosto de 2015, edital de licitação para contratação de nova empresa especializada em empréstimo consignado para servidores públicos. Porém, o trâmite foi suspenso pelo juiz Agamenon Alcântara Junior em abril deste ano a pedido da Consignum, ignorando as investigações do Gaeco e da Defaz em que a empresa está envolvida.

A consignatária questiona, em petição, os critérios adotadas pela Seges para estabelecimento de preços para a classificação da candidata vencedora do certame. Segundo o grupo, há discordância entre os critérios de preço e os de qualidade técnica, o que abriria espaço para a contratação por menor preço, mas prestação de serviço precária.

 “A forma de cálculo utilizada torna irrelevante o critério preço para a nota final classificatória, o que possibilitaria que uma empresa com nota técnica muito próxima à maior nota obtida e com menor preço, venha a ter a pior classificação final”, alega a assessoria da Consignum em recurso.

Mais de 60 mil operações de empréstimo na folha

Levantamento da Secretaria de Estado de Gestão feito no segundo semestre de 2015 aponta 45.677 servidores efetivos e 30.133 aposentados e pensionistas no governo. Dentro deste conjunto haviam registradas 60.537 operações de empréstimos consignados em folha, e outras 27.922 operações (ou pedidos) de cartão de crédito.

Somente efetivos, aposentados e pensionistas podem pegar empréstimos, já que os servidores exclusivamente comissionados (1.541 no total) e os que possuem contratos temporários de trabalho (29.901) são proibidos de fazer consignações em folha.

Seges explica motivos das renovações

A Seges diz que foi necessário prolongar o contrato com a empresa por paralisação do processo licitatório para não suspender a prestação de empréstimo aos servidores. A secretaria afirma, por meio da assessoria de imprensa, que um novo processo licitatório foi aberto em agosto do ano passado, mas atualmente está suspenso por decisão de liminar da Justiça após a Consignum  questionar regras do edital de chamamento.

“Uma nova licitação já foi realizada, sendo que o processo teve início em agosto de 2015. A empresa Consignum entrou com pedido de liminar, suspendendo a licitação até o julgamento do mérito”, informou.

A Consignum atende todo o quadro de funcionários públicos e é a única credenciada para consignado em folha de pagamento. Desde que a empresa entrou para a lista de investigado da Delegacia de Fazenda (Defaz) em março deste ano, pouco mais de R$ 276 mil foram negociados com servidores em empréstimos – os valores de junho não estão fechados.

Conforme a Seges, estudos estão sendo realizados para a efetivação de um novo sistema de prestação de consignados. Uma delas é o compartilhamento da gestão de empréstimo com MT Fomento, cuja ex-conselheira Karla Cecília também foi alvo de investigação por participação no esquema de propinas. Essa administração seria realizada em conjunto, além da Seges e do MT Fomento, com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda.

Também é considerada a criação de serviços com administração principal pelo Serpro. Nesta linha, os contratos fechados por os servidores públicos estaduais por meio de bancos, associações, sindicatos e seguradores, teriam seus lançamentos transferidos para o Fundo Estadual de Desenvolvimento de Pessoal (Fundesp).  Um terceira alternativa seria a criação de um produto próprio da Administração Pública estadual através do MTi, empresa pública responsável pelos serviços de tecnologias ao Estado.

 

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Reinaldo Fernandes

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