Foto Ahmad Jarrah
Cuiabá, capital de Mato Grosso, centro geodésico da América do Sul com 580 mil habitantes. Ano de 2016. O jornalista Rafael de Sousa publica em seu facebook que está “em um relacionamento sério com Vitor Queiroz”.
Apesar do longo relacionamento de sete anos, muitos dos – até então – cinco mil amigos na rede social não sabiam de sua orientação sexual. As reações não demoraram a chegar e vieram acompanhadas de muitas felicitações, mas, junto a elas, o discurso de ódio se fez presente.
“Isto não é coisa de Deus”, escreveu uma internauta. “Misericórdia”, diz outro. Para citar os mais brandos, pois Rafael explica que assim fez a postagem acabou deletando comentários ofensivos. Depois, decidiu não deletar mais o que viesse, já que os defensores em contraponto também se fizeram presentes, mostrando que esse tipo de comentário não tem espaço entre seus amigos.
“Eu tinha cinco mil amigos na rede social e assim que eu fiz a publicação cerca de 40 pessoas me excluíram. Isso mostra o quanto preconceito ainda está presente na sociedade. Talvez não sentimos isso tanto no dia a dia, pois pessoalmente as pessoas são mais brandas. Mas quando você pode se esconder atrás de uma tela de computador em uma rede social, as pessoas tem mais coragem de criticar”, desabafa ele.
O jornalista revela ainda que não imaginou passar por tal situação, tendo em vista que tem sua sexualidade resolvida, já que seus amigos, parentes e colegas de trabalho sabem sobre sua orientação sexual.
Rafael conta que recebeu muitos elogios em particular e pessoas que o defenderam das críticas, mas também se surpreendeu com conhecidos que avalizaram a homofobia, curtindo os comentários de represália. “Mas isso não me atinge, pelo contrário, me dá ainda mais coragem para lutar pelo que eu acredito que seja a felicidade”.
Um caso entre tantos outros
O caso de Rafael não é isolado e aumenta os números de intolerância e homofobia das estatísticas, mas também serve para mostrar que, assim como há quem critique, há quem apoie.
O analista de marketing Tiago Medeiros* contou, em entrevista ao Circuito Mato Grosso, que teve um reação bastante ruim de seu pai, que o ignora, assim como ao seu companheiro. “Tirando a reação hostil direta do meu pai em me ignorar e em ignorar o meu marido, um amigo próximo chegou a receber uma foto nossa andando de mãos dadas pelo shopping. Não cheguei a ver a foto nem o conteúdo da mensagem, segundo ele era algo agradável do tipo 'olha que bonitinho', mas não consegui me desfazer do sentimento de bicho de zoológico sendo observado, sabe? Agora infelizmente tomamos o maior cuidado ao andar de mãos dadas”, ressalta.
Para ele a bancada evangélica tem ganhado cada vez mais poder e deve representar aumento do discurso de ódio, disseminado cada dia mais por meio das redes sociais. “Muitos avanços estavam sendo feitos, não nego, mas começou uma onda mais forte agora do politicamente correto e ‘para o bem da família brasileira’ que é assustadora. Não deve demorar muito para as fogueiras começarem a ser acesas. Tento ser positivo quanto a isso, mas é tanta notícia ruim, tantos de nós sendo assassinados, que fica difícil”, desabafa.
“Sou católica e sofro com o preconceito”
A católica e heterossexual Karime Oliveira tem muitos amigos gays e amigas lésbicas. Essa semana ela compartilhou uma notícia nacional, em que o representante maior do catolicismo, Papa Francisco, fez uma declaração polêmica sobre os homossexuais, defendendo-os e afirmando que os cristãos e a Igreja Católica deveriam buscar o perdão dos gays pela maneira como os tem tratado.
“Acho que já passou da hora de parar com tanta hipocrisia e conservadorismo barato. Chega de ódio, preconceito e exclusão. Deus é pra todos, independente de sexo, cor, raça, credo, se é ou não é gay. O ser humano precisa abrir a mente e visão, Deus é muito maior que tudo isso. O que adianta ser hetero se dentro de casa o marido espanca a esposa, o tio violenta o sobrinho, engravida a filha, trai a esposa com várias outras mulheres ou até mesmo com homens e vive uma vida de pura aparência, comungando todos os domingos religiosamente. Chega de hipocrisia”, comentou Karime.
Não demorou muito e ela foi questionada sobre a publicação, além de comentários do estilo “amamos o pecador e não o pecado”.
Para Karime o Papa foi muito corajoso. “O ser humano é um bicho que gosta de se passar por superior. Acredito e acho lindo a coragem do Papa, porém, os católicos são tão bitolados que não tem a capacidade de ver essa mudança que está ocorrendo. O ser humano é mal e gosta de cuidar da vida do outro e apontar os defeitos do outro e os dele ele guarda bem guardadinho. O que adianta ser heterossexual e fazer o mal?”, questiona ela.
Conselho de Atenção à Diversidade comemora Dia do Orgulho Gay
O Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual de Cuiabá comemora o Dia Internacional do Orgulho Gay, que na Capital será dedicado à discussão sobre a necessidade da promoção dos direitos humanos no âmbito da população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LBGT).
O movimento do Orgulho Gay surgiu em 1969, depois da Rebelião de Stonewall, quando os homossexuais enfrentaram oficiais da polícia de Nova York dentro de bares, após serem oprimidos e envergonhados. Agora, 47 anos depois, o dia ainda tem o mesmo o objetivo, de garantir que as pessoas possam ter orgulho da sua orientação sexual e identidade de gênero, segundo o presidente do conselho, Valdomiro Arruda.
“Este movimento luta pelos direitos LGBT e atua na defesa do reconhecimento da igualdade entre todos os cidadãos, pois a orientação sexual é inerente ao indivíduo e não pode ser intencionalmente alterada, mas respeitada”, disse.
Estima-se que o público LGBT represente 10% da população em Cuiabá, que é considerada a capital com o maior número de casos de violência contra homossexuais do Brasil, conforme dados divulgados pela Universidade Federal da Bahia em 2015. O levantamento aponta que, dentro do público LGBT, os gays são os mais atingidos (59%), seguidos por travestis (35%) e lésbicas (4%).