Cidades

Menos de 1 leito para cada 10 mil habitantes

Discurso recorrente nas campanhas eleitorais, a saúde no Brasil é encarada como o anseio mais importante para a população. De acordo com uma pesquisa de janeiro de 2016 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as demandas sanitárias são prioridade para 36% dos brasileiros. A despeito da relevância, Mato Grosso precisa trabalhar muito para oferecer o número ideal de unidades de terapia intensiva (UTI’s) pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que os beneficiários de planos de saúde têm 8 vezes mais chances de encontrar um leito.

A informação, obtida por meio de uma pesquisa publicada em maio de 2016 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), é um dos indícios de que a saúde mato-grossense vai precisa de investimentos. A Portaria n.º 1101/GM, elaborada pelo Ministério da Saúde, determina que as vagas na UTI devem corresponder de 4% a 10% do número de ocupações convencionais, o que segundo a pasta equivaleria oferecer de 1 a 3 leitos de unidade de terapia intensiva a cada grupo de 10 mil habitantes.

Segundo o estudo do CFM, os 553.856 beneficiários de planos de saúde mato-grossenses estão razoavelmente bem assistidos, uma vez que existem 7,04 ocupações disponíveis neste tipo de sistema de tratamento a cada grupo de 10 mil consumidores.

Já o Sistema Único de Saúde (SUS) – que engloba não apenas os clientes das operadoras, mas também toda a população do Estado e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 3.265.486 moradores -, oferece apenas 0,85 leitos por grupo de 10 mil habitantes, quantidade que é menos do que o mínimo estabelecido pela portaria n.º 1101 do Ministério da Saúde.  

Somando SUS e o sistema de saúde privada, existem 668 leitos de UTI em Mato Grosso de acordo com o CFM. Pelo documento, é possível ter uma ideia do problema crônico em oferecer tratamento médico e hospitalar para os mais necessitados. Entre todos os Estados brasileiros, apenas 8 dispõe do número mínimo de unidades de terapia intensiva pelo Sistema Único de Saúde. Nenhum deles está na região Centro-Oeste.

Prefeitos do interior se queixam da falta de vagas

Como anda a saúde nos rincões de Mato Grosso, unidade federativa que possui uma das menores densidades demográficas brasileiras?

O Circuito Mato Grosso entrou em contato com alguns prefeitos de municípios do interior do Estado questionando as dificuldades em facilitar o acesso de seus cidadãos às unidades de terapia intensiva. Apesar de ser responsabilidade do Governo do Estado o gerenciamento de UTI’s, não é raro gestores municipais encontrarem-se às voltas com demandas de emergência que não podem aguardar pela burocracia institucional dos órgãos de controle, uma vez que é a própria vida das pessoas que está em risco.

Confresa, município a 1145 km de Cuiabá, localizado no extremo nordeste de Mato Grosso, próximo das divisas com Pará e Tocantins, possui 28.339 habitantes segundo o IBGE. De acordo com o prefeito Gaspar Lazari (PSD), a região do rio Araguaia possui 14 cidades, incluindo a administrada por ele, e “deveria ter no mínimo 40 leitos”. Gaspar conta que o deslocamento de pessoas que precisam utilizar as unidades de terapia intensiva é muito cara e que não é raro elas buscarem ajuda em outros Estados.

“Confresa não tem UTI. Num acidente, se uma pessoa tem AVC, elas precisam ir para Cuiabá, Palmas ou Goiânia. Geralmente é Cuiabá ou Palmas, porque só vai para Goiânia quem tem dinheiro. Uma viagem no avião convencional para a capital do Tocantins custa R$ 12 mil. Se for o avião UTI, é mais de R$ 30 mil”, conta ele.

Na mesma linha, o chefe do executivo municipal de Juara (664 km da capital), Edson Piovesan (sem partido), conta que, apesar de caro, o deslocamento é um problema menor quando se compara a disponibilidade de vagas em unidades de terapia intensiva. De acordo com ele, há uma obra com recursos do governo federal que prevê o oferecimento de 20 leitos de UTI’s na cidade do noroeste do Estado. Entretanto, as construções estão paradas, apesar de “ter mais da metade pronta”.

“Às vezes você até consegue transporte, consegue tudo, menos a colocação numa UTI. Existem 20 leitos sendo construídos com recursos federais em Juara, mas a obra parou”, lamenta Edson.

Na outra ponta, Rondonópolis (216 km de Cuiabá), a maior e mais importante cidade do interior mato-grossense, costuma receber pacientes de outras localidades que não encontraram vagas em suas regiões. O prefeito do município, Percival Muniz (PPS), disse ao Circuito que a principal demanda hoje para este tipo de sistema de tratamento são as unidades de terapia intensiva pediátricas. “É uma luta antiga daqui de Rondonópolis. Hoje as UTI’s adultas e neonatais conseguem atender a demanda, mas ainda não temos nenhuma UTI pediátrica”.

Hospital em Cuiabá possui leitos de UTI não utilizados

O Circuito Mato Grosso buscou a opinião da presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed-MT), Eliana Siqueira, sobre a oferta e demanda de UTI’s no Estado. De acordo com ela, há estrutura pronta para ser utilizada no Hospital São Benedito em Cuiabá, cuja reforma e ampliação foi “inaugurada” pelo prefeito Mauro Mendes (PSB) no dia 30 de abril de 2015. Mais de um ano depois, no entanto, ela não foi habilitada para uso dos pacientes.

“O número de UTI’s é realmente insuficiente, mas, pior do que isso, é que temos um problema de gestão. O hospital São Benedito possui duas UTI’s que são subutilizadas. Porque não transferir os pacientes da Ala Vermelha do Pronto Socorro, que num espaço de 10 cabem 30, e enviam para lá?”, questiona a representante dos trabalhadores médicos.

O Circuito Mato Grosso entrou em contato com a prefeitura municipal de Cuiabá. Por meio da assessoria, fomos informados de que o “gerenciamento de unidades de terapia intensiva é feito pelo governo do Estado”.

“Espaço físico não permite expansão”, diz superintendente do HUJM

 O hospital universitário Júlio Müller, da Universidade Federal de Mato Grosso (HUJM-UFMT), também sente o peso da falta de UTI’s no Estado. De acordo com o superintendente da unidade de saúde – 100% pública, que atende somente pacientes referenciados pelo SUS -, Francisco José Dutra Souto, afirma que espaço físico disponível “não permite mais nenhuma expansão de unidades de terapia intensiva”. Ele contou que duas obras – uma de ampliação e outra de construção do novo bloco da área de saúde da UFMT – estão paradas.

“Pela equipe poderíamos ter até 10 leitos de UTI’s para adultos, mas o espaço físico permite apenas 8. Temos duas obras paralisadas que representariam um bom aporte no oferecimento desses leitos. Mas o governo do Estado, que está nessa parceria, não cumpriu sua parte”, diz ele.

Francisco lamenta também o número insuficiente de unidades de terapia intensiva neonatais no HUJM, afirmando que a ala possui superlotação “ao arrepio das melhores práticas”.

Governo promete 100 novos leitos

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informa que nos próximos 90 dias serão credenciados 100 leitos de UTI no Estado. O Termo de Referência será publicado para chamamento público e credenciamentos dos hospitais interessados. “A medida irá contemplar também as regiões menos assistidas com o serviço”, afirma a SES.

Bebê de Querência só consegue vaga em Goiânia

A consequência dos números frios do Conselho Federal de Medicina (CFM), que indicam que os clientes de planos de saúde possuem oito vezes mais chances de conseguir uma vaga numa unidade de terapia intensiva em Mato Grosso na comparação com usuários do SUS, geram consequências que causam perplexidade e revolta naqueles com o mínimo de bom senso.

Aline Golçalves de Souza e Eliabe Ferreira de Almeida, ela com 26 anos e ele com 22, são os pais do pequeno Anthonny Golçalves de Almeida, que nasceu no dia 27 de maio de 2016 na cidade de Querência (962 km de Cuiabá). A história contada ao Circuito Mato Grosso, pelo pai da criança – ele, balconista de segunda a sexta e vigia aos finais de semana – é capaz de causar assombro pelos itens nada convencionais que a compõe.

Anthonny nasceu com uma má formação não diagnosticada nos exames pré-natais, vindo ao mundo com os intestinos do lado de fora do corpo, o que obrigou os pais a buscarem por uma UTI neonatal e posterior cirurgia para tentar salvar a vida do bebê. Eliabe conta que ele, o filho recém-nascido, e a mulher, que acabara de dar a luz, tiveram que viajar de ambulância em busca de atendimento para a criança.

“Meu filho nasceu com as ‘tripas de fora’. Falamos com prefeito, vereadores, defensoria, mas não tinha UTI neonatal disponível. Então fomos até Água Boa, de ambulância, para tentar achar uma vaga. Chegando lá ficamos num quarto que não tinha nem ventilador, muito menos ar-condicionado, e não conseguimos a vaga”, disse.

Após se deslocar até o município de Água Boa em busca de uma UTI neonatal, sem sucesso, o pequeno Anthonny, que mal chegara ao mundo, viu-se diante de um grande desafio do qual dependia sua vida: o deslocamento até Goiânia, capital do Estado de Goiás, em busca de atendimento. A viagem de 640 km deveria ser coberta por terra, numa ambulância, pois os pais não tinham condições de bancar por uma viagem aérea.

“Falaram para a gente que deveríamos aguardar em Água Boa, porque não tinha vaga em Mato Grosso. Mas nosso filho não podia esperar. Paguei R$ 250 do meu bolso para irmos até Goiânia, de ambulância. Quando chegamos ao hospital os médicos perguntaram: ‘Vocês vieram de Mato Grosso nessa situação? Vamos fazer a cirurgia agora, senão o bebê vai morrer. Ele teve sorte de chegar aqui vivo’”.

Eliabe conta que a cirurgia foi realizada no dia 30 de maio, três dias após o nascimento de Anthonny, e que o menino está liberado pelos médicos para voltar para casa “mas não autorizaram viajar por terra, porque a cirurgia é muito recente”.   

Confira mais na edição 589 do jornal impresso 

Diego Fredericci

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