Viajo para o oeste e retrocedo a um tempo antes do meu próprio por lá, ao transpor as porta da Casa Candia, em Anastácio, Mato Grosso do Sul.
Sou recebida com um sorriso de boas vindas por sua proprietária Jandira Trindade, filha de um antigo funcionário que virou sócio dos italianos fundadores do estabelecimento, e cronista de “O Pantaneiro”, jornal de Aquidauana. Um outro lado do rio, como Cuiabá e Várzea Grande.
Chego lá vindo um pouco de antes, de acontecimentos ocorridos na segunda metade do século XIX. Andava mergulhada nos antigos costumes da região, devorando o livro do belavistense Samuel Xavier Medeiros “Senhorinha Barbosa Lopes, uma história da resistência feminina na Guerra do Paraguai”, narrativa da incrível saga de da mulher de Guia Lopes, herói civil dos trágicos eventos ocorridos na desastrada ofensiva norte da Guerra do Paraguai, imortalizados no livro de Visconde de Taunay, “A Retirada da Laguna”.
Tirando as embalagens dos produtos básicos expostos nas prateleiras que se modernizaram, o restante permanece como antigamente. Ao subir os degraus da entrada do imponente armazém e pisar no mosaico de ladrilho hidráulicos original da parte da frente do prédio da Travessa Ragalzzi, beira do rio Aquidauana, a sensação de entrar num outro mundo se completa.
O mobiliário: prateleiras, balcões e expositores de madeira remetem aos tempos em que, como rememora Jandira, as carroças eram estacionadas no amplo pátio lateral (agora cercado por muros) e os cavalos levados para serem tratados e alimentados, enquanto as listas de mantimentos iam sendo providenciadas, separadas e embaladas para as longas viagens de volta às fazendas da região pantaneira.
No livro de anotações do armazém, empório e mercearia, cuidadosamente preservado, a primeira anotação é de 1 de fevereiro de 1908! O grande diário de capa verde funcionava, mais ou menos, como as cadernetas utilizadas nas casas de produtos carnavalescos cariocas que contabilizam os gastos efetuados até que os compradores possam honrar seus compromissos.
Esta primeira sala é apenas o começo da viagem exploratória. Entrar no depósito principal ao fundo, ainda mais antigo, aprofunda o mergulho na história, embalado ao som do antigo rádio de um funcionário que toca uma polca em guarani. Fotografo cantarolando… Por suas dimensões é possível ter uma vaga ideia da quantidade de produtos necessários para abastecer as grandes propriedades da região. Jandira me conta que era necessário trazer as mercadorias de longe e estocá-las por mais tempo para atender a clientela. Agora, com a facilidade das estradas e da distribuição, é possível aumentar os estoques apenas na época em que se fazem as grandes compras do mês.
Acho que meu interesse pela música, enquanto reproduzia as antigas fotos que mostram os fundadores do estabelecimento e comprovam a autenticidade do que lá existe hoje, preservado em sua totalidade, fez com que arrumasse mais um aliado na exploração do lugar.
José Antônio Loureiro foi me apresentando a outras preciosidades, como as antigas balanças, o galpão onde se armazenava o sal, produto essencial para o gado, o poço no fundo do terreno e o local das bilhas de água, onde se costuma matear, tomando a bebida típica da região, o tereré. Enquanto passeamos pelos edifícios, descubro que ele é de Bela Vista e dia 1 de junho fez 39 anos que ele trabalha na Casa Candia…
Voltamos ao pátio de carregar os mantimentos, primeiro nas carroças, depois nos jipões e, agora, em veículos modernos, enquanto faço registros de tudo que vejo. Jandira aguarda pacientemente meu regresso, conversando com meu guia na viagem ao passado, o professor Fernando Pace, amigo dos tempos de Cuiabá.
Para confirmar tradicional gentileza da acolhida sul mato-grossense não saio de mãos abanando. Ganhei um pacote da farinha de mandioca da região, um delicado guardanapo de bandeja bordado pelas mãos habilidosas de dona Jandira e muitas e deliciosas histórias para contar a vocês, meus leitores de aventuras e crônicas.