Circuito Entrevista

A falta de vontade pública no implemento de modais para Mato Grosso

Fotos Arquivo CMT

Mato Grosso se destaca no agronegócio a cada safra. O setor praticamente segurou a economia do País e continuou crescendo mesmo em tempos de crise. Porém, se os produtores ‘riem a toa’ quando se fala em produção, quase choram quando o assunto é o “frete” e escoamento e estradas. Isso porque o Estado fica em uma região com distancias continentais dos grandes portos e tem gargalos logísticos de similar tamanho. O modelo de transporte mais usado, o rodoviário, é caro e deficiente.

Para falar sobre a atual situação logística do estado o jornal Circuito Mato Grosso conversou com o especialista no assunto, professor e doutor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Mato Grosso (UFMT), Luiz Miguel de Miranda.

Luiz fala sobre os impactos do atual sistema no escoamento da produção do Estado; possíveis modais; preço de frete e, claro, ações do Governo Estadual e Federal em relação ao setor.

Confira entrevista na íntegra

Circuito Mato Grosso: Como se apresenta o atual cenário da logística e transporte no Estado?

Luiz Miguel de Miranda: A logística do Estado deverá ser readequada para enfrentar os problemas que rondam a produção de Mato Grosso. Todos os diagnósticos apontam que os altos custos logísticos praticados no estado são devidos à precária rede de transporte. Que fazer então? Não vale responder de pronto e apontar para a busca de recursos, pois sabe-se da escassez de recursos em todos os segmentos econômicos. Vontade política é também uma resposta fácil, mas de difícil concretização por conta de que logística e transporte (L&T) é assunto para os setores mais atuantes da economia. Um exemplo disso é a tragédia anunciada quando se analisa os fretes praticados hoje em Mato Grosso. O estudo comparativo de fretes pagos no escoamento da produção do agronegócio por um produtor de Sorriso, este paga 186% a mais que o produtor de Rosario (Argentina) e 267% a mais que o produtor americano de Ilinois (USA) para colocar a soja na China. Isso é também fácil de explicar, uma vez que soja não deveria ser “passageira” de caminhão em distâncias superiores a 500 km. Tanto nossos Hermanos do sul como os americanos do norte usam o transporte hidroviário para alcançar os portos de embarque dessa commoditie, e é claro essa estratégia conta com o uso acentuado de hidrovias para esse escoamento. Se não temos a hidrovia, que fazer? Ferrovias. A ferrovia é o modal de maiores possibilidades para Mato Grosso, pois vence grandes distâncias e comporta grandes volumes (característica principal para transporte de carga de baixo valor agregado).

C.M.T.: O que precisa melhorar e como melhorar?

L.M.M.: Se pudéssemos resumir, eu diria: (a) entender que L&T é da responsabilidade dos agentes econômicos e por conta disso deve-se convocá-los para as parcerias; (b) se não temos hidrovias onde mais se planta, a solução é construir ferrovias; (c) os gestores públicos têm que adotar a postura de defesa intransigente do modal para que fique clara a vontade política; (d) a longo prazo implementar programas de industrialização para mudar o escravo mercado de produtor de matéria prima que cria postos de trabalho no exterior.

C.M.T.: Qual a sua analise em relação as iniciativas do governo para melhoria do setor?

L.M.M.: Em 2006 o Governo Federal lançou com grande divulgação o Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT). Plano de Estado e não de Governo, a salvo, portanto, das disputas políticas de varejo. Esse plano foi tecido com muito cuidado e método, e estabeleceu metas possíveis e horizontes palpáveis, e tinha tudo para dar certo. De tão bom, foi afundado porque as metas eram distantes para o varejo. O governo providenciou então o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com metas financeiras impossíveis de atender para um país sem dinheiro e cercado de interesses cruzados, falta de projetos, e corrupção institucionalizada. Conclusão: não ia chegar do outro lado do rio. Além disso, pode-se assegurar com total tranquilidade que não havia bons projetos. Sequer havia projetos. Por outro lado, existem projetos que não resistem a um gabarito de uma prova do 5º ano do Curso de Engenharia Civil da UFMT. Falta também continuidade, tanto no nível federal quanto no estadual. Um exemplo disso é o caso da Ferrovia de Integração do Centro Oeste (FICO). Projeto concluído e licitação lançada, as empreiteiras fizeram lock-out e não compareceram. O processo já se arrasta por mais de 4 anos. Enquanto isso, os custos elevados do transporte rodoviário vão inviabilizando os produtores mato-grossenses e fazem crescer o Custo Brasil. Mas não se incomodem, há um exército de operadores que estão recebendo esses custos bancados pelos produtores. Se alguém está pagando e perdendo, do outro tem alguém ganhando. Mal comparando, se assemelha à síndrome de Estocolmo.     

C.M.T.: Diante dos vários modais, como seria o modelo de transporte ideal para o escoamento da produção em Mato Grosso?

L.M.M.: Primeiramente, não há um modelo acabado, muito menos ideal. Temos que buscar aquilo que é possível e que caiba nos recursos previamente aprovisionados. O que se poderia fazer é começar com um plano a médio prazo, talvez 10 ou 12 anos para se alcançar as metas do PNLT: transporte rodoviário com 45% do transporte de todo o PIB brasileiro; transporte ferroviário com algo em torno de 35%, e transporte hidroviário com participação de 20%, incluída a navegação de cabotagem. Um modelo de matriz com essa distribuição comtempla grandes diferenças regionais (localização e tipos de produção) e sazonais, e estancaria a trágica sangria do Custo Brasil em L&T.

C.M.T.: Outros modais de transporte (ferrovia e fluvial) seriam interessantes para o Estado? 

L.M.M.: A resposta é sim. Se Mato Grosso tem vocação para o agronegócio, e se essa produção é tipicamente matéria prima, não se pode abrir mão de modais voltados para carga de baixo valor agregado: ferrovias e hidrovias. Como as hidrovias, na maioria dos casos ocorrem em rios nacionais (mais de dois estados), não há solução interna de um estado. É bastante complicada a vertente ambiental em torno das hidrovias, o que demonstra má vontade ou total desconhecimento de que impactos estamos tratando. Restaria então apoiar e buscar medidas para desenvolvimento das ferrovias. Quando se olha o menu do Programa de Investimentos em Logística (PIL), tem-se a impressão que tomou-se o rumo certo, pois o programa previsto para Mato Grosso equivale a 14,15% da Rede Ferroviária Nacional. Bom demais! Quanto ao modal hidroviário, temos no Brasil uma rede estimada em 26 mil km de hidrovias. Além dessa rede navegável o ano inteiro, existe uma extensão estimada em 2.000 km que poderia ser aproveitada como hidrovia mediante um conjunto de obras envolvendo derrocamentos, dragagens, sinalização, e, sobretudo, a construção de eclusas para transposição dos barramentos feitos pelo setor elétrico, que inviabilizam a navegação fluvial em grande parte dos rios brasileiros. O custo estimado? Cerca de R$ 15 Bi, correspondente à CIDE/2015 (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). De acordo com o PNLT, os corredores hidroviários que apresentam os melhores resultados em termos de viabilidade financeira em Mato Grosso são: hidrovia Paraguai (TIR < 12%); hidrovia Araguaia-Tocantins (12% < TIR < 18%), e hidrovia Teles Pires – Juruena – Tapajós (TIR > 24%).

Em Mato Grosso temos uma batalha inglória: conviver com projetos de barramentos para produção de energia e nenhuma ação concreta do Ministério dos Transportes para fazer valer p Art. 4º do Código das Águas, que reza: “nenhum barramento de rio poderá limitar o direito de uso por quem nele navega”. Com a palavra o Ministério dos Transportes.

Para não deixar passar em branco, vamos agora ao caso da ligação ferroviária Rondonópolis-Cuiabá. Quando será concluída? Será concluída? O fato de a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ter cassado a concessão do trecho adiante de Rondonópolis da antiga Ferronorte, atual ALL-RUMO, não significa nada, absolutamente nada. Estender esse ramal até Cuiabá, maior desejo do povo de Mato Grosso, é agora decisão do mercado. Vencer os caminhões em pouco mais de 230 km é tarefa inglória, ou impossível para a ferrovia. Que se pode fazer então? Implementar um consistente programa de industrialização da baixada Cuiabana para aproveitar a carga de retorno que o ramal ferroviário propiciaria. Sem isso, o trem não apitará em Cuiabá.

C.M.T.: Seria possível ligar mais de um modal no processo de escoamento da produção?

L.M.M.: Por definição, os modais não são antagonistas. Não competem entre eles como um campeonato de biriba. São complementares e isso é muito fácil de entender. O caminhão é marcado por extrema flexibilidade, o que lhe permite chegar a qualquer lugar, a qualquer hora, e carregar o que for necessário. Por isso sua gênese é trabalhar nas pontas, tanto na coleta quanto na distribuição.

Com isso, o meio deve ser ocupado pelo modal que tem competência para vencer grandes distâncias, carregando grandes volumes ou tonelagens. Por isso citei aqueles percentuais para cada modal. Em Mato Grosso temos quase uma dezena de pontos com essas características, onde essa conexão poderia se realizar, com grandes ganhos em custos de transporte. Aqui, pode-se dizer: é decisão política ou vontade política de fazer. Todavia, vou lembrar Garrincha na Copa de 1958 antes do jogo contra a então União Soviética, em que o técnico Vicente Feola disse como ele Garrincha teria que furar o bloqueio russo, num jogo que vencemos de 2 x 0: “ok, seo Feola, disse o desconfiado ponta de pernas tortas, mas já combinamos isso com os russos?”. Resta então identificar os “russos” e convocá-los ou driblá-los e passar a bola para Pelé ou Vavá botar a bola no fundo das redes. Resta saber se isso é possível.  

C.M.T.: O quanto a melhoria na logística ajudaria a situação econômica em Mato Grosso?

L.M.M.: Permito-me transcrever Barat sobre definição de logística: “é parte da arte de guerra que trata do planejamento e da realização de projeto e desenvolvimento, obtenção, armazenamento, transporte, distribuição reparação, manutenção e evacuação de materiais, bens e serviços e disponibilizá-los em locais específicos, à hora, em quantidades exigidas, em condições competitivas”. Para isso temos que usar todas as armas e estratégias para alcançar as metas estabelecidas. Não há solução monomodal para transporte em Mato Grosso, como não há futuro para cultura intensiva de produção de matéria prima voltada para exportação.

Currículo

Luiz Miguel de Miranda é mestre em Engenharia Oceânica e doutor em Engenharia de Transportes pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). É professor do Departamento de Engenharia Civil da UFMT e coordenador de Ensino de Engenharia Civil da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (Faet), onde leciona desde 1988. Também é coordenador do Núcleo de Estudos de Logística e Transportes (Nelt) da UFMT.

Raul Bradock

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