Arraigado às artes desde a infância, Justino Astrevo já é referência na cultura cuiabana. Mais conhecido como “Lau” o ator está presente nos palcos, tevês e também na construção de políticas públicas culturais. Justino já foi secretário de cultura de Mato Grosso, Cuiabá e hoje integra o Conselho de Cultura de Cuiabá.
Para Justino o artista é um agente transformador, um ponta de lança que se manifesta através de sua comunicação com o público. Nesse contato, a arte pode levar saúde através do riso, a informação, o resgate de costumes e sotaques tradicionais daquele povo e o incômodo que faz refletir e molda atitudes. Para o ator, antes de tudo, a arte gera identidade de um grupo social.
A dupla “Nico e Lau” está atualmente com dois espetáculos fixos, o “Perdeu Playboy”, para espaços fechados, como teatros; e o “Bem na Foto”, um espetáculo musical, com mesmo nome de uma música lançada pela dupla em seu segundo cd. Além disso, fomenta o cenário de humor da região com dois festivais anuais: o Humor do Mato, que vai para sua oitava edição e o Ataque de Risos, que é uma versão regional do que já fazem pelos bairros de Cuiabá.
O sonho de Justino é levar “Nico e Lau” para as telonas. Recentemente concluíram o primeiro trabalho da dupla na área, o curta-metragem “Canhaim”, dirigido por Luiz Marchetti.
Jornal Circuito Mato Grosso: Como você se enveredou para o caminho da cultura?
Justino Astrevo: Minha iniciação no meio artístico foi no ambiente escolar, através da minha professora de educação artística e com o teatro. Uma vez na sala de aula a professora organizou os grupos e cada um iria trabalhar uma coisa, e ai por influência de um amigo meu, que me chamou para fazer teatro e eu topei, disse pra mim mesmo ‘vamos ver que bicho que é esse’.
Daí a coisa foi ‘enredando’ o processo, fazíamos peças internas para escola, depois fomos fazer para a comunidade e conhecemos a Federação Mato-grossense de Teatro, que na época o presidente era o Amauri Tangará. Ele viu o trabalho e nos incentivou a continuar, fazendo oficinas e foi assim o começo dessa história.
C.M.T.: E como começou o personagem que você interpreta, o ‘Lau’?
Justino.: Nós tínhamos uma companhia que se chamava Folhas Produções, e isso desde 1986, 87. Em 1996 a TV convidou o Lioniê e eu para fazermos uma homenagem a Cuiabá, no dia do aniversário da cidade e era um programa ao vivo inclusive. Pesquisamos e surgiu a ideia de contar causos, fomos visitar a literatura de Dunga Rodrigues, Estevam de Mendonça, de Silva Freire e muita gente que escreve. Contamos histórias na TV e as pessoas gostaram e ligaram pedindo para que fizéssemos novamente. Fizemos um mês consecutivamente, todas as quartas-feiras. Nós íamos lá como Justino Astrevo e Lioniê Vitório, não havia os personagens Nico e Lau. Esse nome surgiu quando a TV nos convidou para fazer um quadro semanal ao vivo e o Lioniê propôs, já que tinha o apelido de Nico desde a infância, que eu colocasse o Lau. Porque na época tinha um filme da dupla Debi e Loide que fez muito sucesso e dai veio a inspiração para o nome Lau. Também naquela época um juiz federal que se chamava Nicolau havia sido preso, e nós pensamos numa coisa para aquela época, e foi ai que começou Nico e Lau, na TV.
C.M.T.: Como foi a sua experiência nas secretarias de cultura de Cuiabá e de Mato Grosso?
Justino.: Na de Cuiabá foi bacana, nas duas eu entrei da mesma forma , nunca pleiteie o cargo. O que aconteceu na de Cuiabá foi que o Roberto França era candidato à reeleição, e ele contratou a mim para a campanha, o Lioniê não podia porque ele era vereador em Santo Antônio na época. Além de mim, foram contratados dois artistas, a Gorete Milagres, que faz a Filó e o Pedro Bismark, que faz o Nelson da Capitinga. E nós três fazíamos esse trabalho juntos na campanha, ai ele fez uma pesquisa qualitativa em Cuiabá e as pessoas disseram que preferiam o Lau e eu fiquei até o final da campanha, recebi a minha grana normalmente e tal, eu estava lecionando língua portuguesa na UFMT. Até que lelé falou “Você vai ser meu Adjunto” e começou a elogiar o meu trabalho e que caberia bem no cargo. Assumi como adjunto e depois com a saída do secretário eu assumi a secretaria.
Foi legal porque foi ali a gente valorizou o uso da lei municipal de incentivo a cultura, que até então era apenas um ensaio de uso, não tinha conselho nem nada, e conseguimos consolidar de forma embrionária. Foi lá que a gente criou o festival de Siriri, que depois passou a ser de Siriri e Cururu. Foi nessa gestão que criamos o formato de carnaval descentralizado, porque o carnaval era realizado ou na Avenida Mato Grosso ou no Porto com as escolas de samba, e passamos a fazer nos bairros, como Tijucal, Guia, Parque Cuiabá e outras comunidades. E algumas iniciativas de fazer parcerias com organismos da cultura, como a Confederação de Teatro, com o pessoal das artes visuais, a gente dialogava muito com eles para manter uma regularidade de programação porque tínhamos naquele momento o Museu do Rio, que era o principal aparelho cultural da cidade e que era o único local a ficar aberto nos finais de semana. A gente mantinha um diálogo bacana com os organizadores de eventos e instituições e a partir disso que considero uma gestão bacana em Cuiabá.
Já no Estado, nós já estávamos trabalhando com uma empresa muito forte, que é a Nico e Lau Produções, e que inclusive estávamos desenvolvendo um projeto em São Paulo. Então estavamos trabalhando muito e recebi uma ligação com a proposta de assumir como Sub e eu não queria. Eu conversei muito com o Lioniê, já que a gente é sócio na empresa, e naquela época teria um secretário que não tem nenhum traquejo cultural. Ai o Blairo Maggi me ligou porque me conhecia, já que fizemos a primeira campanha dele aqui e ninguém o conhecia, me incentivou e fui.
E lá realmente não foi uma experiência bacana. A minha função era pensar como melhorar a atuação daquele conselho, como criar um edital que pudesse cuidar melhor do Estado de Mato Grosso, e criar aquela divisão aonde uma parte dos recursos vão para o interior e a outra para a capital, pensar numa discussão sobre a forma hibrida da lei porque já era o fundo. Mas isso acabou esgotando o diálogo dos artistas com a iniciativa privada, e tudo através do fundo que através do governo Maggi tinha chegado a 10 milhões de renúncia fiscal, lá no Silval chegou a 40 milhões.
Não foi produtivo, chegamos a fazer um projeto de lei e mandamos para a Casa Civil pensado exatamente na forma hibrida, que tivesse o fundo, mas que também tivesse o incentivo. Eu fiquei muito desmotivado e quando entrou o João, também entrou a Janete, então preferi sair.
C.M.T.: Como classifica a situação dos Conselhos de Cultura?
Justino.: Hoje eu estou no conselho municipal, a gente considera que estamos fazendo um bom trabalho lá. Agora, a Secretaria de finanças emitiu uma moção de congratulação para o conselho, porque nessa gestão a gente conseguiu reduzir de 60% para 14% o nível de inadimplência no conselho, e a meta é reduzir para números mínimos.
Debatemos muito com a classe o edital por conta de sua inovação, já que admite experiências que não estão formatadas. Tinha lá uma rubrica para residência artística e nós não tivemos nenhuma inscrição, não sei se as pessoas não entenderam a proposta. Tinha lá também quatro ou cinco projetos de manutenção. Em alguns aspectos deu uma evoluída, mas o que as pessoas mais se queixam é a questão da burocracia para confeccionar os projetos e ter acesso ao recurso. O governo reunindo agora para pensar o edital deste ano, vai levar isso em conta, para que todo mundo possa fazer projetos. A gente procurou ser bastante responsável, nós analisamos todos os projetos e estudamos a várias mãos. Alguns bem bacanas já foram aprovados e estão acontecendo como o da Aline Figueiredo, que mostra o trabalho do Marcio Aurélio. Nesse edital tinha vários projetos de inovação porque a pessoa era livre para escrever o projeto no formato que quisesse e acho que isso foi um avanço.
C.M.T.: Como avalia a atuação da secretaria de cultura de Cuiabá e do Estado? O que pode melhorar?
Justino.: Acho que a estrutura da secretaria tem que melhorar, precisa melhorar. Hoje nós temos trabalhadores competentes na Secretaria de Cultura. Evidentemente, além de poucos recursos, tem uma estrutura física muito precária e isso vem de muito tempo, desde a época que eu fui secretário. E de lá pra cá a Secretaria cresceu bastante, no sentido de ter novos aparelhos, como foi criado o Museu da Caixa D’agua, por exemplo. Mas não tem uma rubrica específica para a gestão do lugar. Foi criado um MISC, mas não tem recurso específico para isso. Também precisa de gente especializada, pra fazer gestão no museu, na biblioteca, etc. A Secretaria precisa crescer em sua estrutura física e funcional para poder prestar um melhor trabalho, porque se não fica funcionando sobre o esforço que as pessoas que estão lá fazem para desenvolver o trabalho.
C.M.T.: O que aponta como boas iniciativas? Tanto institucionais, quanto independentes.
Justino.: Eu acho que os coletivos são iniciativas bem bacanas. Tem vários, como companhias de teatro que funcionam como coletivo, grupos que participo, de discussão teatral, de rede de festivais, então tem iniciativas bem bacanas.
No poder público estadual também tem iniciativas legais, que foram transformadas em editais. Como essa questão do CPF da cultura que não é uma coisa local, faz parte do plano nacional de cultura. E os organismos que atuam na organização do processo cultural, que atuam da forma que acham ser mais produtivo para o setor. A ideia de atuação dos festivais em rede, porque as produções se dialogam. Não é aquela história de que o que acontece em Alta Floresta só pertence a eles e o que acontece na capital só pertence a capital. Hoje, os festivais se dialogam e criam projetos de identidade própria e isso são iniciativas legais. O audiovisual está vivendo um momento excelente aqui, eu gostaria que não fosse somente sazonal, mas que pudéssemos todo ano ter editais segmentados pra poder oxigenar um setor da cultura que não funciona sem auxilio do poder público. É muito caro fazer cinema, não tem como fazer filmes, distribuir e divulgar sem o incentivo do poder público.
C.M.T.: Como qualifica os mecanismos de incentivos culturais no estado?
Justino.: Os mecanismos que nós temos são a lei municipal e o fundo estadual, não temos nenhum outro. Agora tem o projeto Vem Pra Arena, que dá espaço para muitos artistas se apresentarem, mas não sei se isso vai se configurar como um programa da secretaria e terá recursos específicos para isso. Alguns convênios que também estão sendo feitos, porque acho que a rede de festivais será alimentada por esses convênios.
C.M.T.: Se a extinção do Minc fosse mantida, como isso impactaria a classe artística e sociedade em geral?
Justino.: É importante dizer a sociedade em geral, porque a cultura não está só relacionada com a classe artística. As manifestações culturais orgânicas de cada cidade, de cada estado, são um produto importante para o país, porque é gerador de identidade. Isso é um projeto estratégico do país, fortalecer a sua cultura. Estou falando de cultura no seu sentido antropológico, então o ministério é importantíssimo nesse sentido, porque ele é o canal dessa política estratégica de preservação, manutenção e difusão da cultura brasileira.
A gente percebe que todos os governos tentam fazer isso, aqui o Pedro Taques tentou fazer isso, ele tentou num primeiro momento fundir a secretaria com a de esporte e a classe se uniu e conversou com ele, depois ele voltou atrás com essa decisão, pois percebeu que a natureza das Secretarias são completamente distintas. Tanto as secretarias quanto o ministério da Cultura, são os setores que mais agregam valor ao governo se ele souber trabalhar e investir naquele setor.
C.M.T.: Junto com a extinção do Minc a lei Rouanet voltou ao centro das atenções, como avalia a lei?
Justino.: Já tinha um debate forte sobre essa lei, de buscar espalhar mais pelo brasil e não ficar muito centrado em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, para que ela tenha mais eficiência no sentido de dar fluidez na disseminação da cultura brasileira. Falar do interior do país, do Nordeste, do Rio Grande do Sul, do Centro Oeste, é falar de lugares de que tem culturas muitos significativas.
C.M.T.: Sobre os atos de resistência contra extinção do Minc, que inclusive muitos continuam até hoje, qual sua opinião? Você participou da ocupação no Iphan de Mato Grosso?
Justino.: Acho legítimo, assim como os estudantes ocuparam a assembleia de São Paulo, assim como de vez em quando se ocupa o Incra, quando tomam uma decisão inadequada. Acho que as pessoas preocupadas com a cultura tem que se manifestar, e essa é uma das formas de se fazer entender que chega dessa história que todo o governo pensa que a cultura não é necessária. Nós temos que descaracterizar esse discurso, que algumas pessoas fazem, dizendo que tem gente morrendo em porta de hospital, que tem aluno fora da escola e não tem nada a ver uma coisa com a outra. O recurso do Ministério da Cultura é dele e é muito inferior ao da Saúde e educação, por exemplo. A cultura não se faz tirando dinheiro destes outros setores, a Saúde é administrada pelo município, estado e união. Não é a cultura que faz a pessoa morrer em portas de hospitais, é a falta da cultura que faz isso.
C.M.T.: Como avalia o governo interino de Michel Temer? E como ele impacta Mato Grosso?
Justino.: Temerário, extremamente temerário. Por conta das ações que ele está tomando, extinguir praticamente a CGU, que é um órgão de fiscalização e controle, essas coisas com o Ministério da Cultura, esses anúncios que a gente vê de diminuição dos programas sociais, como o minha Casa Minha Vida, o Mais Médicos. Parece uma política de desconstrução do governo, mas não vejo políticas de construção deste interino que está ai, então vejo de maneira muito pessimista.
C.M.T.: Qual a função da cultura e do artista na sociedade?
Justino.: Eu acho que ele é um agente transformador. Vou trazer para o trabalho que a gente faz na televisão, que é o Papo Cabeça. A gente fala de saúde, de Dengue, de Zica. Fala de educação, transito, acabamos de gravar quatro episódios agora que fala da homofobia, que fala sobre toda a herança, fala da lei Maria da Penha. Então você faz um trabalho que através do humor dialoga com a sociedade, prestando-lhe informações. Na medida em que você faz um trabalho de escavação, de redescoberta da cultura, você também está promovendo a identidade daquele grupo social.
A função do artista é muito mais que vender a ilusão e divertir as pessoas, isso é algo muito importante também. Quanto mais leves as pessoas forem, mais saudáveis serão. Inclusive, psiquiatras indicam tratamento com humor. Fazer entretenimento com cultura é muito legal, mas também a arte é muito questionadora, ela pode ser intervencionista, pode promover debates no seio da comunidade. O artista é uma ponta de lança que se manifesta através da sua comunicação com o público.