Cidades

Aos 84 anos, Maria Leida coleciona histórias dos filhos que a vida lhe deu

“Hoje eu tenho uma vida maravilhosa. Posso gritar para o mundo inteiro escutar que não tem ninguém mais feliz do que eu”. Assim se descreve a matriarca Maria Leida Rocha Moraes, 84 anos, mãe de seis filhos e avó de nove netos.

Aos 21 anos, recém-casada, teve sua primeira filha, Ana Nery Rocha Magalhães, hoje com 61 anos. Após a primogênita, os filhos vieram com a diferença de dois anos: Jorge de Moraes Filho, Julio César Rocha Moraes, Jucinery Rocha Moraes, Dalva Auxiliadora Rocha Moraes e Maria Aparecida Rocha Moraes.

Os primeiros filhos nasceram em Rondonópolis, onde dona Maria Leida possuía um comércio e o marido, Jorge de Moraes, era funcionário público. Contudo, a mãe da grande família que ainda iria se formar não via na cidade do interior de Mato Grosso grande futuro para as crianças. 

“Eu sempre achei Rondonópolis uma cidade muito pequena. Elas não teriam uma convivência à altura que eu gostaria. Meu esposo era funcionário público e veio transferido para cá. Morei no bairro Boa Esperança. Eduquei meus filhos e os formei na Universidade Federal de Mato Grosso e lá, uns permaneceram como funcionários”, conta.

A vida na década de 50 não era das mais fáceis. Eletricidade, água encanada, máquina de lavar roupa e até telefone eram disponíveis para poucos. “Naquele tempo era tão difícil, era fogão de lenha, água de poço, ferro de brasa, frauda de pano, tudo mais difícil. Imagine tirar água de poço para lavar roupa, filtrar água para poder beber (no filtro de barro)”.

Ainda sim, com toda dificuldade pertinente à época, Maria Leida diz ter educado os filhos de forma que, até hoje, todos estão de baixo de suas asas – apenas uma das filhas mora distante da mãe, em Goiânia. “Aqui em casa eles me tratam ainda no sistema antigo: ‘Mamãe, estou saindo’. ‘Bença, mãe’! Uma união sagrada”.

Segundo a filha Ana Nery, o tratamento e convivência não é exigência, mas fruto de uma educação cheia de carinho, amor, e compaixão. “É a vontade que a gente tem de estar com ela. E com meu pai, era a mesma coisa. Meu pai e minha mãe nunca foram sozinhos ao médico, sempre um filho levava”, conta a primeira filha, que rodeava a mãe durante a entrevista, fazendo apontamentos durante os diálogos, denotando orgulho da fraternidade criada por sua família.

A educação dos filhos, de acordo com Maria Leida, foi na base de muita conversa. “Fazia roda com eles e contava histórias criadas por mim mesma. Eu ensinava eles a terem compaixão. ‘Quando vocês virem um cachorrinho passar na rua, a criança que é má fala, joga um pedra. Mas não pode jogar pedra no cachorro, ele sente dor igual a você, ele tem uma mãe também e ela vai chorar, porque o filho dela foi apedrejado na rua. Você tem que ter sentimento e compaixão’”, explica ela, mostrando a forma lúdica que encontrou para incutir o certo nos atos e reflexões dos filhos. 

Mesmo rodeada de gente, Maria Leida disse sempre teve a caridade de olhar e ajudar pessoas que não pertenciam a sua família. Ela conta uma história, ocorrida após a mudança para Cuiabá, na casa no bairro Boa Esperança, ao lado da UFMT, quando ela “adotou” estudantes como da família. Aos domingos, quando o Restaurante Universitário não funcionava, ela fazia paneladas de comida para os acadêmicos que não tinham como se manter.

 “Um dia, cinco rapazes passavam em frente da minha casa. Iam e voltavam… Chamei eles e perguntei: ‘Vocês estão procurando o quê aqui no bairro?’ Eram bolivianos e apenas um falava português. Ele me disse que estava procurando alojamento, mas não achava em lugar nenhum. Meu cunhado que morava no Coxipó chegou e eu pedi a ele para alojar os meninos no quarto desocupado que ele tinha nos fundos da casa dele. Ele não quis de início e eu disse: ‘Vai querer, sim senhor! Por que se fosse seu filho na Bolívia você gostaria que alguém o recebesse’. Eles ficaram quase dois anos na casa do meu cunhado. Os meninos foram embora daqui depois de cinco anos. Todos foram lá em casa me agradecer”.

Ajudar os acadêmicos era uma forma de fortalecer seu sonho não realizado: o de fazer uma faculdade de direito. “Gostaria de ser advogada criminalista”. 

A matriarca possui apenas a 4ª série do ensino fundamental, o equivalente ao 5º ano. Apesar da baixa escolaridade, sempre teve em mente que os filhos deveriam se dedicar aos estudos e se formarem em uma universidade.

“Eu fiz tudo para ver meus filhos e meus netos todos formados e, se vierem meus bisnetos, e eu estiver viva, eu também vou fazer a mesma coisa. Eu não tive a oportunidade de estudar, porque meus pais mudavam muito. Eu tinha irmão que era garimpeiro, gostava de aventuras, e meus pais o acompanhavam para todos os lugares”.

“Eu, graças a Deus, sou uma boa mãe. Eu posso exibir isso”, reitera com orgulho quem já vivenciou muita coisa.

Modernidade

E não é porque tem 84 anos que Maria Leida se permite ser antiquada ou até antiga. Segundo a neta, Rafaela Zanella, a avó é muito moderna.  “Minha avó é mais moderna em relação a vários assuntos do que os meus pais e pais de amigos meus. Mesmo ela sendo de outra geração, acho minha avó cabeça aberta”.

Rafaela passou dois anos fora para fazer pós-graduação em direito tributário e afirma que o sonho não seria possível sem o apoio da avó. “Eu pedi pro meu pai para morar em São Paulo para poder estudar e minha mãe não queria que eu fosse, mas a minha avó bateu o pé e disse: ‘tem que ir, sim, porque vai ser melhor para o futuro dela’”, comenta.

No meio da distraída conversa, o assunto namoro surge e dona Maria mostra que, de fato, é uma senhora com a mente de uma jovem esclarecida. “Eu acho namorar natural. Eu também namorei, não era um namoro avançado como é hoje, mas é bonita a maneira que elas [as netas] namoram. Hoje, elas têm outra cabeça, não é aquele tempo que tinha que casar virgem… Elas têm que ter responsabilidade e caráter, só”, dispara dona Maria. 

Vitalidade

Quem vê Maria Leida não diz a idade que ela possui. Além da clareza no raciocínio, há vitalidade no olhar e na voz. “O segredo é paz de espírito, muita paciência e tranquilidade. Na minha vida, eu procurei relevar todas as coisas. Se acontece alguma coisa, deixo aquilo passar. Amanhã, aquilo vai estar mais ameno. Porque se você se desesperar não vai resolver nada. Desespero para quê? O meu médico diz: eu quero chegar aos 70 com a sua jovialidade. E eu digo: então, meu filho, deixe sua vida tranquila. Desespero não resolve nada”.

Ela se define como uma mulher “apaixonada, romântica e sentimental. Sensível às coisas belas da vida”, e afirma que está de bem com sua idade.

“Eu aceitei a minha idade muito feliz. E não acho que estou velha. Sou vaidosa. O médico me perguntou: a senhora se apronta assim para vir ao médico? Eu respondi: não, eu já nasci pronta”, brinca. 

Ela reitera, no entanto, que nada faria sentido se não tivesse construído a família que tem. “Se não fossem eles já teria morrido. Baseada em que eu iria viver? Porque eu seria só. E uma pessoa só é triste. Nem que tenha muito dinheiro”.

Deixando seu registro para eternidade

A dona de casa, aos 83 anos decidiu escreveu um livro. “O sonho não morreu – Memória de Maria Leida” contará a história de Maria Leida com a política rondonopolitana, os amigos da cuiabania e suas vivências. 

Há quatro anos o marido se foi. Com a perda do companheiro, começou a escrever sobre seus devaneios em qualquer papel que encontrava pela casa e assim surgiu a ideia de registrar que esses escritos em um livro.

“Vivemos 59 anos e 27 dias juntos – sem separação. Foi uma morte muito rápida, e eu fiquei muito chateada. Todo papel que eu achava eu escrevia um bilhete para ele. Um dia, umas amigas minha chegaram aqui e sugeriram para que eu escrevesse um livro de tudo que eu contei nos bilhetes para o Jorge. Há um ano, eu comecei a organizar e escrever”.

O livro ainda não tem data de lançamento. 

A baixa escolaridade não impediu Maria Leida do acesso ao conhecimento. O poema em que declama orgulhosa e com maestria durante a entrevista, aprendeu no primário. 

A casa 

(Olavo Bilac)

Vê como as aves têm, debaixo d’asa,

O filho implume, no calor do ninho!…

Deves amar, criança,a  tua casa!

Ama o calor do maternal carinho!

Dentro da casa em que nasceste és tudo…

Como tudo é feliz, no fim do dia,

Quando voltas das aulas e do estudo!

Volta, quando tu voltas, a alegria!

Aqui deves entrar como num templo,

Com a alma pura, e o coração sem susto:

Aqui recebes da Virtude o exemplo,

Aqui aprendes a ser meigo e justo.

Ama esta casa! Pede a Deus que a guarde,

Pede a Deus que a proteja eternamente!

Porque talvez, em lágrimas, mais tarde,

Te vejas, triste, d’esta casa ausente…

E, já homem, já velho e fatigado,

Te lembrarás da casa que perdeste,

E hás de chorar, lembrando o teu passado…

— Ama, criança, a casa em que nasceste!

Cintia Borges

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