Fotos: Ednei Rosa e Andrea Lobo
Não é de hoje que o sistema penitenciário de Mato Grosso estampa as capas dos jornais no Estado. Também não é novidade que o sistema está defasado e que a qualquer momento rebeliões podem acontecer. Em um novo capítulo dessa triste realidade o jornal Circuito Mato Grosso recebeu denúncias de problemas gravíssimos sobre presas com problemas mentais dentro do Presídio Feminino Ana Maria Do Couto May, em Cuiabá.
O relato, realizado por uma pessoa que trabalha dentro do Presídio e pediu para não ser identificada, aponta que constantes surtos entre presas com doença mental estariam causando clima de medo entre agentes penitenciários e outros detentos também. O informante explicou que essas mulheres não estariam recebendo tratamento adequado para suas condições no local e estariam dividindo cela com outras presas.
Em entrevista, o juiz da 2ª Vara de Execuções Penais, Geraldo Fidélis, informou que apenas duas presas foram diagnosticadas com problemas mentais graves e estão isoladas no Presídio. “A questão dos pacientes mentais em conflito com a lei é muito grave. Nós não temos um espaço adequado em Mato Grosso para homens e, para as mulheres, a situação é ainda mais grave.”
Fidélis assegurou que as presas que possuem algum problema mental, mas não apresentam riscos, são mantidas junto às demais, apesar da medicação que recebem e do acompanhamento de psiquiatra.
Tratamento da doença
Questionado sobre o uso de tornozeleiras nas presas com problemas mentais, enquanto recebem tratamento para a doença em alguma clínica de tratamento, ou no próprio hospital Adauto Botelho, Fidélis disse que não descartaria a ideia. “Não tem ninguém por elas aqui fora. Se tivessem uma casa, uma igreja, uma entidade religiosa para cuidá-las, mas não têm. É tudo que eu quero. Mas não temos”, lamentou.
As presas isoladas – que apresentam os problemas mentais mais graves – recebem acompanhamento de uma médica psiquiatra e enfermeiros que estão à disposição para tratá-las dentro do presídio. “Além de doentes, elas cometeram crimes e estão ali para pagar por eles. Estamos cuidando delas na medida do possível”.
Por um triz
Fidélis disse não descartar uma possível rebelião dentro do Presídio Feminino, devido às atuais condições do local. “Tudo pode acontecer numa penitenciária superlotada quando há eventuais problemas médicos e também agressões entre elas. A penitenciária é um lugar onde a vida é muito delicada e os valores são diferentes”.
Fidelis disse que a situação é de grande preocupação, já que as cadeias estão catastroficamente lotadas e nomeia a situação como absurda. Segundo ele, para que estoure uma rebelião no local é necessário apenas três coisas: “Os três planos de fundo nós já temos que é a superlotação, a falta de médicos e brigas internas”.
O juiz explica que hoje existe apenas um médico para duas mil pessoas na Penitenciária Central do Estado e que a situação é ainda pior no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), onde não existe médico para os 800 detentos. “A nossa situação está muito ruim. A dignidade da pessoa humana está sendo desobedecida e isso pode levar o Estado a ser condenado, se chegar de acontecer essa carnificina” desabafa.
CENÁRIO ATUAL
Em 2016, o sistema Penitenciário de Mato Grosso recebeu 64 milhões para investimentos. A expectativa é de que até 2017 pelo menos duas mil vagas devem ser abertas no Sistema Prisional no Estado. Em Várzea Grande, deverão ser disponibilizadas mil novas vagas, em Sapezal e Porto Alegre do Norte 336 e Peixoto de Azevedo 256.
Porém, para suprir a necessidade no Estado de Mato Grosso, precisaríamos de, pelo menos, cinco mil novas vagas, de acordo com o presidente do Sindicado dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso, João Batista.
Geraldo Fidélis explica que, mesmo que essas vagas sejam abertas em Várzea Grande, onde o número de vagas disponível deverá ser maior, o déficit ainda seria de 700 vagas.
“O que eu estou enxergando hoje é a Penitenciaria Central com 891 vagas e 2118 presas. O CRC tem 380 vagas e tem mais de 800 presos. O Presídio Feminino tem 180 vagas e 210 presas. A cadeia de Várzea Grande tem 180 vagas tem 350 presos. São 11 mil pessoas em Mato Grosso para 6400 vagas. Não adianta falar que conseguiu dinheiro. Cadê esse dinheiro que eu não estou vendo?” desabafou o juiz.
SEM INVESTIMENTO
Para o presidente do Sindicado dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso, João Batista, a falta de investimento ao longo dos anos e a falta de abertura de novas vagas acarretou em inúmeros problemas como a superlotação, já citada pelo juiz Fidélis, e a falta de efetivo de agentes penitenciários. “O sistema penitenciário hoje está em colapso e os servidores estão sobrecarregados. São 2500 agentes penitenciários para atender a 11 mil presos em Mato Grosso”.
Batista espera que a efetivação de 900 agentes penitenciários seja feita até o final de 2016. “Em 2015 nós negociamos com o Governo do Estado a realização de um concurso público. No primeiro acordo o lançamento do edital seria no mês de dezembro, mas esse acordo não foi cumprido. No início desse ano começamos um movimento e paramos por 48 horas, quando foi apresentado um novo cronograma por parte do governo para a realização de um concurso agora no mês de junho, que esperamos que aconteça”.
OUTRO LADO
Em nota, assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Justiça de Direitos Humanos (Sejudh), informou que na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, possui equipe completa de saúde, sendo três ginecologistas, um enfermeiro, um assistente social, um psicólogo, dois odontólogos, um auxiliar de saúde bucal, sete técnicos de enfermagem e um nutricionista. Foi informado ainda que o local está com sem clínico geral mas, nessa ausência, as ginecologistas fazem o atendimento e encaminhamento para o SUS, nos casos de necessidade.
Sobre investimentos, a Sejudh disse que o governo do estado, em conjunto com o governo federal, está investindo R$ 63 milhões na construção de quatro unidades penais no estado e que, até o momento, unidades como a penitenciária feminina não necessitam de investimentos diretos.
CONSTRUÇÃO DE COLÔNIAS
O juiz Geraldo Fidélis falou em entrevista exclusiva para o jornal Circuito Mato Grosso sobre a necessidade da criação das Colônias Penais destinadas ao cumprimento da pena em regime semiaberto. Segundo ele, esses locais podem ter muros mais baixos, o condenado fica em compartimento coletivo e tem uma vigilância moderada.
Como não existe um local para inserir os presos do regime semiaberto, foi preciso encontrar outra maneira para atender a demanda. O sistema de monitoramento eletrônico, as tornozeleiras, que deveriam ser usada em presos do regime aberto, teve que ser inserido no semiaberto. “Tornozeleira não é pra tirar preso do fechado e colocar no semiaberto. É para ser usada na pessoa que está em regime aberto, para monitorá-lo”.
Fidélis explicou que, antes, de cada 100 presos que iam para o semiaberto, 80% voltava para o fechado, mas que ninguém sabia porque não tinha como identificar. Hoje, com as tornozeleiras, de 100 presos que vão para o semiaberto 20% volta para o fechado. Os outros 80% estão trabalhando e sendo monitorados. “Antes ninguém sabia, ninguém reclamava, porque era um teatro. Ai hoje tudo é culpa da tornozeleira. Mas os equipamentos estão mostrando quem tem que ser preso. A tornozeleira está segurando os presos e se for retirada a criminalidade aumenta”.
Para o juiz as cidades de Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis e Sinop já deveriam ter colônias prontas ou ao menos em construção. “Com as colônias, o preso do semiaberto vai prestar serviço para o governo durante o dia e voltar para o local para dormir. É assim que deveria funcionar o sistema penitenciário em Mato Grosso. Ou cumprimos a lei de execução penal ou continuamos no fingimento”.
As colônias penais existem em apenas 11 capitais brasileiras: Rio Branco/AC, Salvador/BA, Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Recife/PE, Teresina/PI, Curitiba/PR, Rio de Janeiro/RJ, Natal/RN, Porto velho/RO, Porto Alegre/RS e Palmas/TO.
Em Mato Grosso, a única Colônia Penal é a Agrovila das Palmeiras, construída em Santo Antônio do Leverger, localizada numa fazenda de 650 hectares. Fidélis explica que o local é inapropriado para abrigar os presos na condição de regime semiaberto. “Lá é um lugar adequado para pessoas que mexem no campo. Como vamos colocar um trabalhador urbano no campo? Ele vai fugir de lá e os crimes voltam a crescer”.