Circuito Entrevista

“Vivemos uma crise na Segurança Pública”, aponta especialista

A região metropolitana do Estado de Mato Grosso vem passando por tempos difíceis no que se refere a criminalidade, e para tratar sobre este assunto, o jornal Circuito Mato Grosso conversou com o Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos. 

Além de sociólogo, Naldson é especialista em segurança pública. Ele argumenta que “estamos passando por uma crise na segurança pública porque o sistema é falho”. 

O professor, dentre outras coisas, fala sobre a relação entre a crise econômica do país com o aumento nos índices de criminalidade e como seria o modelo ideal de Segurança Pública, tendo em vista que os criminosos escolhem cada vez mais o caminho ilegal, que é o mundo do crime. 

Circuito Mato Grosso: A região metropolitana do Estado vem sofrendo com o aumento considerável da violência nestes últimos meses. Que fatores explicariam este aumento nos índices? 

Naldson Ramos: Não se pode atribuir este aumento da criminalidade na região metropolitana há único fator. O comportamento humano é condicionado e motivado por vários fatores internos e externos. Os internos têm a ver com sua percepção sobre a realidade e como ele se coloca diante dos problemas diários que se apresentam cotidianamente. Os indivíduos fazem escolhas racionais de como agir para conquistar seus objetivos, sejam eles lícitos ou ilícitos. Eu diria que em relação as subjetividades que comandam as ações individuais elas guardam muita proximidade com as experiências vivenciadas ao longo da sua trajetória de vida. O indivíduos internalizam essas experiências, cada qual, a sua maneira e de acordo com suas necessidades e objetivos.

C.M.T: E quais seriam os fatores externos ?

Naldson: Os fatores externos têm a ver com suas participações e interações com o meio estrutural e familiar em que vive. Quando há muito carência de serviços e oportunidades para a integração do cidadão no seio da sociedade, uma parte deles acaba ficando excluída de cidadania e assim, em muitos casos, lutam pela sua sobrevivência praticando atos ilícitos e criminosos. Alguns, intencionalmente, buscam a criminalidade como forma de sobrevivência diante do quadro de dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, ou por julgar que crime compensa diante da impunidade que se verifica em relação à repressão e atuação da justiça. Por isto, alguns, acabam apostando na ideia de que o crime compensa os riscos de perder a liberdade ou morrer cedo.

C.M.T: O que mais surpreende é a alta taxa de homicídios que vêm acontecendo, principalmente em 2016, está havendo uma banalização da vida? Porque as pessoas estão matando tanto?

Naldson: Homicídios têm a ver com ódio, intolerância e falta da certeza da punição. Muitos crimes de homicídios ficam impunes, sem identificação do autor. Por outro lado, a vida como bem maior do cidadão, já tem tanto valor em nossa sociedade marcada pelo espetáculo da violência. 

Mata-se, por pouco. Por uma intriga entre pessoas que se conhecem e se desentendem. Mata-se por bebida (embriaguez), mata-se pelo trânsito, entre vizinhos, entre os parceiros e cônjuges, disputas familiares e por problemas relacionados com uso e tráfico de drogas. A vida, na sociedade de consumo e do individualismo, esta perdendo espaço e valor para a violência. É preciso, além de reprimir, prevenir e identificar e responsabilizar todos os indivíduos que estão cometendo crimes em nossa sociedade. A impunidade, a falta de prevenção e repressão baseada num trabalho de inteligência são as responsáveis pelo aumento da nossa violência. 

C.M.T: Há algum estudo que busca reduzir os números de homicídios ?

Naldson: Um estudo sobre a Redução dos índices de homicídios no país esta em andamento no Brasil desde 2015, promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, juntamente com universidades, como uma forma de fazer um pacto para sua redução envolvendo o governo federal, estadual, municipal e o distrito federal, a fim de identificar todos os fatores que incidem sobre este tipo de crime em todas as unidades da federação. Estamos coordenando esta pesquisa em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, juntamente com a Universidade Católica de Brasília.

C.M.T: A atual crise econômica tem alguma relação com este aumento na criminalidade? 

Naldson: O fator econômico é uma das variáveis que iremos avaliar nesta pesquisa. Mas, de antemão, não podemos reduzir a resposta há um único fator.  Em momentos de crise econômica pode até haver esta associação com os homicídios. Todavia, o crescimento da violência no Brasil e em Mato Grosso, ocorreu também em momentos de crescimento econômico e social.  A violência vem crescendo no Brasil desde 2010, período de ascensão sócia e econômica. Logo, este fator econômico nem sempre condiciona o comportamento violento e o aumento da criminalidade. Por isto é importante aprofundar este tipo de estudo sobre os homicídios.

C.M.T: O que falta para reduzir a criminalidade, qual o caminho a seguir ?

Naldson: Eis uma pergunta ainda sem resposta por parte das autoridades e gestores públicos. Eu diria que vivemos neste século uma crise na Segurança Pública em razão da falência do nosso modelo de controle social baseado, quase exclusivamente, na ideia de repressão policial e aprisionamento dos criminosos. Esta fórmula esta exaurida, não produz mais os efeitos desejados: redução da criminalidade e mais segurança para a população.

Enquanto gestores federais e estaduais não assumirem a responsabilidade sobre a reforma do art. 144 da Constituição Federal Brasileira (CFB), continuaremos assistindo o crescimento da criminalidade e o aumento da sensação de insegurança. Precisa reformar as polícias para ciclo completo, sem essa divisão entre quem previne, reprime, prende e investiga. 

C.M.T: Como seria o modelo ideal de Segurança Pública, tendo em vista que o atual encontra-se estagnado ?

Naldson: A gestão qualificada, com planejamento estratégico, mais ação, análise dos resultados, e revisão dos indicadores e as variáveis, aliados com um trabalho de inteligência da polícia produz melhores resultados do que ficar insistindo em contratação de mais homens, mais armas, mais leis severas e mais presídios. Esta formula esta falida. É pouco inteligente e muito caro para o contribuinte lançar mão de uma formula ou receita que não faz mais efeito para o problema da violência e da criminalidade. Debater e reformar todo o sistema de justiça criminal é o caminho para superarmos o medo e a insegurança em nosso país.

Raul Bradock

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