Há dois anos foi construído ao lado do Centro de Detenção Provisória (CDP) do município de Lucas do Rio Verde (354km ao norte de Cuiabá) um Complexo Industrial para a fabricação de artefatos de concreto. Mais do que um espaço dedicado à construção civil, o complexo tornou-se fonte de dignidade e esperança na vida dos recuperandos que vivem no CDP. A iniciativa faz parte do projeto “Trabalhando para a liberdade”, realizado pela Poder Judiciário de Lucas do Rio Verde, Prefeitura municipal, Ministério Público e parceiros.
Segundo explica o idealizador do projeto e juiz criminal da Comarca de Lucas do Rio Verde, Hugo José Freitas da Silva, a ideia surgiu da necessidade de promover uma atividade que preparasse os reeducandos para voltar ao convívio social. “Resolvemos adotar esse projeto, porque mais cedo ou mais tarde eles vão sair do Centro de Detenção e precisam estar preparados para essa reinserção. E na minha opinião, o trabalho é a forma mais efetiva de reinseri-los. Antes eles eram depositados na unidade prisional como objetos e ficavam na completa ociosidade”, explica.
Após dois anos de existência, o projeto confirma as expectativas com bons resultados. “Não há nenhum relato de que aqueles que fizeram parte do projeto voltaram a cometer novos crimes. Além de ser muito animador, esses dados nos mostram que estamos no caminho certo. E na medida em que a demanda por mais produtos de concreto vai crescendo, nós estamos gradativamente liberando mais vagas para que mais pessoas possam participar”, garante.
Para aproveitar a mão de obra dos recuperandos sem que houvesse qualquer risco de fuga, foram construídos três galpões de trabalho cercados por muros com cerca elétrica, sendo um galpão para a empresa privada e parceira do projeto, RE Blocos, e outros dois para a prefeitura de Lucas do Rio Verde. Hoje trabalham diariamente no local 30 recuperandos na construção de blocos de cimento, floreiras, meio-fio, gelo seco, entre outros. Para se ter uma ideia, a produção diária dos blocos de cimento chega a 1500 unidades.
Caso – Um dos reeducandos que participam do projeto, Elton Santos Batista garante que hoje se pode falar em ressocialização na unidade. “Desde que começou o projeto as coisas melhoraram muito por aqui. Para mim é uma honra e um privilégio poder trabalhar, pois antigamente não tinha muita ocupação pra mente. Hoje, a gente chega cansado na cela, já quer dormir e mal vê a hora pra voltar para o trabalho. Sem contar que aprendi uma nova profissão”, afirma.
Ele conta ainda que além de remir o tempo preso (a cada três dias de trabalho, um dia da pena é diminuído), o salário que recebe é muito importante para poder ajudar a família. “Muitos aqui não tinham nenhuma perspectiva de trabalho e hoje aprenderam a fazer alguma coisa. Alguns, como eu, já até têm proposta de trabalho para quando sair daqui por conta de um convênio que fizeram. Quero muito mudar minha vida e voltar para a minha família. E esse projeto é importante, porque vai me ajudar a realizar esse sonho”, destaca.
Genivaldo e dois de seus filhos estão presos no Centro de Detenção Provisória há sete anos por homicídio. Aos 63 anos de idade, ele tem orgulho de contar que ajudou a construir o complexo industrial com a sua experiência de pedreiro. “Isso aqui era tudo mato e hoje tem três barracões grandes e bonitos. Aqui a gente tem mais dignidade um pouco, porque preso lá dentro não tem como a pessoa se recuperar não. É muito difícil. Isso aqui é uma oportunidade muito boa que estão nos dando. O preso, quando trabalha, muda de ideia de ficar no crime. Dá mais valor nas coisas e na família. Esse é um dos melhores projetos que já teve aqui em Lucas do Rio Verde”, pontua.
Ele pondera ainda que muitos dos seus colegas reeducandos gostariam de ter a mesma oportunidade. “Tem muita gente ali dentro que está ansioso pra trabalhar. Tem muito preso que também merece a oportunidade que nós estamos tendo. Gostaria que ampliassem o projeto, mas sei que depende de ter mais empresas querendo. Para mim, eu espero poder voltar a minha vida de antes, junto da minha família. Aconteceu isso na vida da gente… Mas nós vamos sair daqui honrados. Vou seguir trabalhando até o dia que Deus me der saúde, pois até agora a idade não está pesando”, disse emocionado.
Assim como Elton, seu Genivaldo foi selecionado para o projeto por apresentar bom comportamento, conforme explica Renato de Lima Dantas, diretor do Centro de Detenção Provisória. “Há uma melhora visível no comportamento deles depois que começam a trabalhar. E mais que isso, eles transmitem aos outros recuperandos os benefícios que o projeto traz, como a diminuição da pena, o salário e o aprendizado. A ala dos trabalhadores é muito calma e respeitada dentro da unidade. Além de ajudar esses homens a continuar a sua vida como cidadãos de bem lá fora, esse projeto contribui também para que haja paz dentro da unidade”, frisa.
Demonstrando que bons projetos são aqueles que têm a participação de todos os atores envolvidos e em que todos saem ganhando, parte do material produzido pelos recuperando é encaminhado para ser vendido na empresa privada e outra parte para as obras da prefeitura de Lucas do Rio Verde, como escolas, igrejas e hospitais.