Imagem de arquivo mostra superlotação na Penitenciária Barreto Campelo, em Pernambuco (Foto: Renata Gabriele/G1)
Levantamento divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional nesta terça-feira (26) mostra que pelo menos 1 milhão de brasileiros passaram por presídios e penitenciárias do país ao longo de 2014. O dado inédito inclui prisões provisórias e preventivas, além do cumprimento de penas decretadas pela Justiça. Em dezembro de 2014, a população carcerária do país era de 622.202 pessoas.
O número coloca o Brasil na quarta posição do ranking absoluto de encarceramento, atrás apenas de Estados Unidos (2,21 milhões), China (1,65 milhão) e Rússia (644,2 mil). Como os outros países estão reduzindo as taxas de prisão, segundo o relatório, é possível que o Brasil assuma a terceira posição no ranking já com os dados de 2015. O contingente de presos no país cresce cerca de 7% ao ano.
Em números relativos, o Brasil atingiu 306,2 detentos para cada 100 mil habitantes e ficou na sexta posição mundial, atrás de Ruanda, Rússia, Tailândia, Cuba e Estados Unidos. O dado é 112% superior à média mundial de aprisionamento, medida pelo Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS) em 114 para 100 mil habitantes.
"É possível que hoje já tenhamos ultrapassado a Rússia. A gente tem falado muito que, nesses países acima do Brasil, existem tendências muito claras de decréscimo. O Brasil é um dos poucos países, nesse grupo de países que mais prendem, que têm crescimento significativo. Dos 50 estados norte-americanos, 37 têm visto decréscimo. É uma política de democratas e republicanos por lá", diz o diretor-geral do Depen, Renato De Vitto.
Crescimento
O relatório nacional é divulgado a cada seis meses. Entre junho e dezembro de 2014, o Brasil acumulou saldo positivo de 14.471 novos presos. Em 12 meses, o crescimento foi de 40.695 pessoas, ou 7% em relação a 2013.
Entre 1990 e 2014, a população carcerária do país cresceu 575%, segundo os dados do Ministério da Justiça. Apenas nos últimos dez anos, a taxa relativa passou de 135 para 306,2 detentos para cada 100 mil habitantes.
Como os dados foram fechados em 2014, os números não refletem possíveis mudanças causadas pelo rito das audiências de custódia, implementadas gradativamente desde o primeiro semestre de 2015 em todo o país. Elas são feitas em até 24 horas após o flagrante, em média, e aumentam o número de acusados de crimes que respondem ao processo em liberdade.
Panorama
O levantamento do órgão vinculado ao Ministério da Justiça também mostra que, na média nacional, existem 167 presos para cada 100 vagas disponíveis. A superlotação é vista em todas as 27 unidades da Federação, com taxas de ocupação entre 123% (a menor, no Espírito Santo) e 292% (a maior, em Rondônia). Para dar leito a todos que estavam presos em dezembro de 2014, seriam necessárias 250.318 vagas adicionais em penitenciárias.
O número de "excedentes" é praticamente igual ao número de presos provisórios e preventivos, que ainda não foram condenados em nenhuma instância judicial. Em 2014, 249.688 pessoas estavam nessa situação e aguardavam julgamento atrás das grades. O número corresponde a 40% de toda a população carcerária maior de idade.
"Embora a gente tenha visto um aumento de vagas a partir de 2013, a capacidade não tem sido e não será suficiente se a gente não tomar outras medidas para controle da população carcerária brasileira. Mesmo em países encarceradores, o problema da superlotação é tratado de forma diferente. Na Califórnia, quando viram que a população superava em 30% as vagas, o tribunal californiano resolveu soltar 40 mil dizendo que o estado não poderia compactuar com a violação destes direitos", diz o diretor do Depen.
Do total de presos em dezembro de 2014, 55% eram jovens de 18 a 29 anos, 62% eram pretos ou pardos, 49% tinham ensino fundamental incompleto. Apenas 1 em cada 10 presos chegou a concluir o ensino médio. Durante o ano de 2014, 1.517 pessoas morreram nas unidades prisionais.
As penitenciárias femininas reuniam 33.793 mulheres encarceradas, naquele ano. Segundo De Vitto, a escalada e as condições do aprisionamento feminino precisam "ser encaradas com atenção". "Uma questão que está na base é: quais são os efeitos de tirar a mulher do seio da família e colocar no cárcere? Boa parte tem filhos e cometem crimes vinculados à subsistência, quase famélicos. Qual o efeito? Há uma diferença substantiva, porque o papel da mãe como provedora ainda é uma questão no nosso tecido social", diz.
Reforma no sistema
Os relatórios elaborados pelo Depen e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam para a necessidade de uma série de reformas no sistema penitenciário, segundo o diretor. Um estudo feito pelo departamento com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015 mostrou que 37% dos presos provisórios são soltos imediatamente após a condenação, porque recebem penas mais brandas que o cárcere. "A medida preventiva é mais grave que a pena, isso indica um problema", diz.
O levantamento divulgado nesta terça também mediu os riscos que incidem sobre a população carcerária. Os números mostram que o detento tem três vezes mais chance de morrer por violência, quatro vezes mais chance de ser infectado pelo vírus HIV e 28 vezes mais probabilidade de contrair tuberculose que um cidadão comum. Os números são ainda piores para jovens negros, na comparação com outros grupos raciais.
"O dado de tuberculose é um exemplo claro, fruto da falta de condições mínimas de ventilação, de higiene, de saneamento. O único grupo com risco maior que o encarcerado é a população de rua. Parece que a gente está provendo, pelo menos neste caso, condições semelhantes às de um morador de rua, é preocupante", afirma.
Os dados relacionados à ressocialização também preocupam. O governo não tem um acompanhamento sistemático do número de reincidentes mas, em 2014, apenas 13% dos presos estudavam e 20% trabalhavam de alguma forma, em qualquer tipo de regime. "Isso indica que, em algum sentido, o Estado brasileiro abre mão de qualquer intervenção positiva na trajetória desses 622 mil presos. Isso deve ser pensado, se não por uma questão humanística, por uma questão prática de que essas pessoas vão reincidir."
Entre os presos que trabalham, 38% não recebem nenhum centavo pela ocupação e outros 37% recebem valor inferior a três quartos do salário mínimo, valor estabelecido como mínimo pela Lei de Execução Penal em adição à remissão de pena. "O preso não é vagabundo que não quer trabalhar, que quer viver às custas do Estado. O Estado, em muitos casos, é que está ganhando às custas desse trabalho", declara De Vitto.
O gestor diz que o discurso promovido pelo Depen não é para "soltar todo mundo", mas para dar "maior inteligência" ao sistema. Na tarde desta terça, o Ministério da Justiça e o CNJ devem anunciar dois sistemas eletrônicos que pretendem reduzir a demora de sistematização dos dados, que hoje chega a 16 meses, e permitir a criação de um cadastro nacional de presos, para facilitar a formulação de políticas públicas e evitar violação de direitos.
"Estamos conseguindo prender os autores de homicídios e crimes sexuais? Várias pessoas estão presas por crimes sem violência e ameaça, sem envolvimento com organização criminosa, réus primários. Temos que depurar essa forma de entrada, e a audiência de custódia está fazendo isso de uma forma fantástica. Eu espero e acredito na sociedade brasileira que essas soluções de lapela, como reduzir maioridade e sair prendendo, são ultrapassadas. Alguém se sente mais seguro hoje do que em 1990, quando a população carcerária dobrou?", diz.
Para isso, o Depen montou uma equipe de 18 consultores que vão elaborar diretrizes de gestão prisional, a "fórmula do bolo" para gerenciar cada presídio. Em 2015, o ministério diz ter investido R$ 51 milhões do Fundo Penitenciário em estímulos à criação de alternativas profissionais e educacionais para os presidiários. Segundo De Vitto, as leis para garantir a ressocialização dos detentos já foram criadas, mas ainda falta sensibilizar os gestores.
"A lei fala que o preso tem direito de frequentar até o ensino médio, ou trabalhar. Podemos dar vagas de trabalho a esses presos que ainda estão cumprindo pena, sem o pagamento de encargos sociais. Mais do que a lei, é preciso entender que investir aqui não é uma questão de privilegiar presos ou bandidos, mas investir em pessoas que podem não reincidir, reduzir o custo para o estado e para eventuais futuras vítimas."
Fonte: G1