O governo brasileiro recentemente legalizou, com algumas ressalvas, o uso da fosfoetanolamida sintética, conhecida como “pílula do câncer”. Os pacientes que quiserem a podem utilizar “por livre escolha”, isto é, se eles próprios quiserem, DESDE QUE haja um laudo médico que informe e comprove o diagnóstico específico para o qual a pílula está sendo indicada e DESDE QUE os interessados, ou seus responsáveis legais, assinem um termo de consentimento.
Imediatamente a comunidade científica se rebelou contra esta medida. A Anvisa estuda se vai entrar com uma ação na justiça para anular esta lei sancionada pela presidência da República. Os cientistas, médicos e especialistas argumentam que ainda NÃO há estudos suficientes que comprovem a sua segurança e eficácia e que, por conseguinte, seu uso indiscriminado, ainda que com as ressalvas acima definidas, poderia expor pessoas acometidas de câncer a riscos ainda maiores.
Mais que isso: este fato, por si só, poderia abrir um grave e sério precedente, na medida em que passa por cima da opinião técnica e científica de especialistas que tem a responsabilidade de pesquisar e deliberar, com base em dados concretos e cientificamente sólidos, sobre um produto que pode afetar irreversivelmente a saúde das pessoas. O governo, na verdade, ignorou os pareceres técnicos, todos contrários à liberação da pílula.
A fosfoetanolamida é uma molécula sinteticamente produzida e administrada por via oral. Uma vez absorvida pelo organismo, tem a capacidade de penetrar, junto com moléculas de gordura, nas células tumorais, onde atuaria como uma “inimiga oculta”, sinalizando e expondo as ditas células doentes para o sistema de defesa do organismo, que trataria de eliminá-las. Este é o seu mecanismo de ação proposto.
Os cientistas contra-argumentam dizendo que as pesquisas que constatam seu “sucesso” em diminuir tumores foram realizadas com animais de laboratório e que ainda não há estudos robustos sobre sua segurança e eficácia em humanos.
Dá para imaginar a imensa responsabilidade social e humana destes especialistas, ao recomendarem “SIM” ou “NÃO” a determinado medicamento que, teoricamente, se propõe a salvar vidas? Há que se estudar e pesquisar com seriedade e muito conhecimento técnico.
Por outro lado, dá para imaginar o sofrimento e a angústia das pessoas que tem o diagnóstico de um câncer terminal, sem chances de cura pelos métodos tradicionais? E o sofrimento de seus familiares e amigos? Será que cada um de nós não faria tudo o que estivesse ao nosso alcance para tentar salvar a vida de alguém próximo de nós nesta situação? Inclusive optando por um medicamento não regulamentado?
Complicado, não é mesmo?
Difícil decidir entre o peso da responsabilidade científica que procura o mais seguro e eficaz para todos e a opção individual, única e de cada um, apoiada estritamente nos sentimentos e angústias humanas mais exacerbados e compreensíveis quando se está frente à iminência inequívoca da morte anunciada.
Resta-nos, por enquanto, aguardar que as pesquisas científicas definitivamente nos respondam com mais segurança se a “pílula do câncer” pode, deve ou não pode nem deve ser utilizada.
Até lá, a decisão fica a cargo de cada um. Coração e razão nem sempre andam juntos. Isso também é muito humano.
Fonte: G1