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Sob suspeita: contrato com fornecedores de radares em Cuiabá

Foto Ahmad Jarrah

As péssimas condições do transporte coletivo, referendadas por um poder público que diz “amém” a todas as determinações dos empresários do setor, obriga os cidadãos da sociedade contemporânea a buscar qualidade em seu deslocamento por meio dos automóveis. O excesso deles nas avenidas, aliado a uma direção irresponsável, que enxerga pedestres como inimigos, obriga a instalação de aparelhos que limitam a velocidade e demais transgressões dos motoristas. Em Cuiabá, porém, esse processo pode ter indícios de fraude.

O pregão presencial nº 019/2014, de abril de 2014, teve por objeto a “contratação de empresa para a prestação de serviços contínuos incluindo o fornecimento, instalação, manutenção, operação e apoio de todos os módulos componentes do SITC-MT (Sistema Integrado de Trânsito de Cuiabá – Mato Grosso)”. Traduzindo para termos mais amigáveis, a concorrência definiu regras para uma empresa fornecer os radares, lombadas eletrônicas, sensores de avanço de semáforo, entre outras ações, nas ruas da capital.

O Circuito Mato Grosso teve acesso ao contrato firmado entre a prefeitura de Cuiabá e o Consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de Trânsito”, formado pelas empresas “Serget Comércio, Construções e Serviços de Trânsito LTDA”, líder da associação, e a “Perkons S.A”, companhia que “desenvolve e aplica tecnologia para a segurança no trânsito”. Ao custo de R$ 39,8 milhões, o negócio foi fechado no dia 05 de junho de 2014 e tem prazo de 48 meses, com a possibilidade de prorrogação.

Entre os pontos polêmicos que constam no acordo entre o poder público e o consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de Trânsito” está o item 7.2.17, “Dos encargos da contratada”, que possibilita o acréscimo no valor inicial do acordo, transcrito na íntegra a seguir.

“Aceitar os acréscimos ou supressões que se fizerem necessárias, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do objeto contratado, devendo supressões acima desse limite ser resultante de acordo entre as parte”.

Aparentemente, se a prefeitura de Cuiabá quiser “dar um bônus” de até um quarto do valor inicial deste acordo – algo em torno de R$ 10 milhões, o que daria no total R$ 50 milhões com o acréscimo – o consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de Trânsito” é “obrigado a aceitar”. Mas só até o limite de 25%, nem um centavo a mais.

Outro ponto polêmico do contrato diz respeito à segurança de dados e proteção de informações dos munícipes. O item 9.8.2, “Da descrição dos serviços”, aponta que a empresa manterá um sistema de processamento de dados central com informações das infrações captadas pelos aparelhos. O correto nesse caso, segundo especialistas consultados pelo Circuito, é que os dados coletados sejam transferidos diretamente à prefeitura, e não ao consórcio.

Contrato pode ter onerado prefeitura

O contrato de R$ 39,8 milhões, valor que a prefeitura de Cuiabá vem desembolsando em favor do consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de Trânsito” para implantar os radares, lombadas eletrônicas, sensores de avanço de semáforo e outros serviços, pode representar um rombo nas contas públicas do executivo municipal.

De acordo com informações da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Cuiabá (SEMOB), no período de um ano – de outubro de 2014 ao mesmo mês de 2015 – a prefeitura arrecadou apenas R$ 3,2 milhões em infrações no trânsito, valor que representa apenas 14,8% do total de transgressões cometidas pelos motoristas cuiabanos. Ao todo, foram emitidas 289.832 mil multas nesse espaço de tempo.

Vale ressaltar que as fontes utilizadas pela prefeitura para o pagamento desse contrato possuem origem em recursos próprios, e que o valor arrecadado com as multas de trânsito deve ser empregado em ações de educação aos motoristas e recuperação de calçadas e vias públicas, e não para cobrir o investimento do pregão 019/2014, como explicou o secretário de fazenda de Cuiabá ao Circuito, Pascoal Santullo Neto.

Entretanto, chama a atenção o alto valor despendido para contratação do serviço, uma vez que o montante arrecadado num período de um ano, data em que os aparelhos começaram a ficar ativos, não cobriu nem 10% dos R$ 39,8 milhões que a prefeitura de Cuiabá deverá repassar ao consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de Trânsito”.

Pregão está na mira do MPE

O pregão presencial nº 019/2014, que sacramentou a vitória do consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de Trânsito”, empresa que receberá R$ 39,8 milhões para implantar e operacionalizar os radares, lombadas eletrônicas, sensores de avanço de semáforo e outros serviços na capital, chamou a atenção do Ministério Público Estadual (MPE).

Em março deste ano, o Ministério Público Estadual, por meio da 36ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa, instaurou inquérito civil público para investigar supostas irregularidades em contrato realizado pela Prefeitura de Cuiabá para colocação de radares.

Um dos fatos investigados pelo MPE, que resultou na ação civil pública, é o fato de que o consórcio foi contratado em 5 de junho de 2014 pela Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte Urbano, antiga denominação da SEMOB, e só veio a ser constituído formalmente em 17 de julho de 2014, revelando "indícios de fraude para frustrar o caráter competitivo do procedimento licitatório ou, no mínimo, irregularidades do contrato”, de acordo com o MPE.

Para o promotor do caso, Clóvis de Almeida Júnior, a instauração do inquérito é necessária para apurar qualquer existência de irregularidade.

“São necessárias maiores investigações acerca da contratação de serviços contínuos incluindo o fornecimento, instalação, manutenção, operação e apoio de todos os módulos componentes do SITC-MT (Sistema Integrado de Transito de Cuiabá – Mato Grosso) composto de hardwares e softwares pela administração pública”, disse ele.

A licitação dos radares foi lançada para instalação de 44 lombadas eletrônicas, 44 radares fixos, 55 sensores de avanço de semáforo, 30 câmeras e uma unidade móvel de monitoramento, dois radares móveis, 3 painéis de mensagens variáveis, 30 talonários eletrônicos de infração, um sistema de apoio a JARI e uma Central de Inteligência de Controle de Trânsito.

Empresas pediram impugnação do pregão

Algumas empresas que participaram do pregão nº 019/2014, derrotadas no processo pelo consórcio “CMT-Cuiabá Monitoramento de trânsito”, entraram com pedidos de impugnação do negócio.

A “Splice Indústria, Comércio e Serviços LTDA”, empresa da cidade de Votorantim (SP), manifestou-se formalmente contra alguns procedimentos adotados pela prefeitura de Cuiabá apontando que elas mostram-se “contrárias aos permissivos legais aplicáveis, com inegável prejuízo à competitividade da disputa” em seu pedido de “impugnação administrativa”, protocolado no dia 09 de maio de 2014.

De acordo com a empresa paulista, “deve ser do maior interesse da  Prefeitura de Cuiabá – e não poderia ser diferente – que o maior número de licitantes venham a acudir a disputa, apresentando propostas mais vantajosas para o erário”, dizendo ainda que o processo “ofenderia o princípio da competitividade”.

A Splice alega que a inclusão de “Radar Móvel Portátil – Tipo Portátil” possui “eficiência técnica discutível” e que a exigência do aparelho origina “restrição do universo de fabricantes”, uma vez que, segundo a organização, sua fabricação está restrita “a duas empresas nacionais”. Já o radar portátil, de acordo com a Splice, é fabricado por apenas uma empresa.

A prefeitura de Cuiabá respondeu que os equipamentos exigidos seguem “a tendência de fiscalização adotada por alguns dos maiores órgãos de trânsito que já se beneficiam deste tipo de tecnologia”.

A “Indra Tecnologia Brasil LTDA”, empresa da cidade de São Paulo (SP), também questionou o pregão nº 019/2014, afirmando que encontrou no edital a existência de “cláusulas editalícias ilegais”, justificando sua ação apontando para o “não cabimento da modalidade pregão”, “ilegalidade na exigência de visita técnica” e “ausência de orçamento detalhado do custo global da obra”, mesmos argumentos utilizados pela “Esteio Engenharia e Aerolevantamentos S.A”, localizada em Curitiba (PR).

Ambos pedidos, no entanto, foram negados pela prefeitura de Cuiabá.

Outro lado

O Circuito Mato Grosso solicitou algumas informações à prefeitura de Cuiabá sobre a arrecadação de multas até 2015, se os acidentes de trânsito na capital diminuíram com a implantação do sistema de radares, lombadas eletrônicas, sensores de avanço de semáforo e demais serviços, e se outros aparelhos que não constam do contrato 10710/2014 foram implantados nas ruas da capital.

Em resposta ao questionamento, o Secretário Municipal de Mobilidade Urbana Thiago França afirmou apenas que “Em breve faremos uma coletiva, divulgando um painel com todas essas informações”.

Sobre a investigação do Ministério Público Estadual, a prefeitura de Cuiabá lançou uma nota, antes da ação civil pública ter sido transformada num inquérito civil, em março de 2016, pela 36ª promotoria de justiça e defesa do patrimônio público do MPE, quando ela era ainda um “procedimento preparatório de investigação”,  instaurado na 35ª Promotoria de Justiça Especializada em Contas do MPE-MT, em dezembro de 2015.

No texto, a prefeitura afirma que “o processo licitatório foi aberto em cumprimento ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nº 02/2011” e que o pregão presencial teve 7 lances “demonstrando que houve uma competição acirrada em relação aos preços”.

Sobre a data de assinatura do contrato e sua posterior formalização mais de um mês depois, a prefeitura justificou dizendo que “A posterior constituição de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) pelas empresas Serget Comércio e Perkins S/A (SIC), ocorrida em 17 de julho de 2014, não traz qualquer efeito para o contrato administrativo, porque foi regularmente assinada pela empresa líder do Consórcio, que é a Serget Comércio, inexistindo, assim, prejuízo ao processo licitatório e ao erário”.

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Diego Fredericci

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