Atas sigilosas do Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal revelam suposta fraude em pagamento de prêmios da loteria federal e indícios de lavagem de dinheiro por parte de ganhadores desses prêmios. Conselheiros debateram o assunto por pelo menos três vezes em 2014, conforme registrado em atas confidenciais obtidas pelo GLOBO.
O documento que registrou a reunião dos sete conselheiros em 7 de maio de 2014 mostra que eles trataram das comunicações feitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), vinculado ao Ministério da Fazenda, no semestre anterior, dentro da “rotina de prevenção à lavagem de dinheiro”. O tópico foi apresentado pela vice-presidência de Riscos e menciona 248 “movimentações atípicas”. “Em continuidade, (foram) comunicadas àquele Conselho 103 ocorrências envolvendo ganhadores de prêmios de loteria”, registrou a ata.
Depois, em 6 de junho de 2014, os conselheiros trataram de um relatório de controles internos, também referente ao segundo semestre de 2013 e relatado pela vice-presidência de Riscos. O relatório elencou dez pontos; o de número 9 era uma “auditoria na estrutura de controles internos referente aos produtos lotéricos”. A auditoria detectou vulnerabilidades no pagamento de prêmios da loteria, inclusive com falsificação de um documento chamado DAPLoto, que é uma declaração de acréscimo patrimonial emitida pela Caixa por conta do pagamento de um bilhete premiado. Além disso, foram detectadas uma falta de conexão entre sistemas usados no pagamento de prêmios e ausência de critérios que definem limites de autoridades no “pagamento de prêmios expressivos”.
‘FRAUDES NÃO CONCRETIZADAS’
Ao GLOBO, a Caixa ressaltou que as tentativas de fraudes não se consumaram, inclusive no que diz respeito à utilização de DAPLoto falsificada. Por meio de sua assessoria de imprensa, o banco informou que foram identificados três casos, sem a concretização da fraude.
Além disso, a Caixa sustentou que as comunicações ao Coaf atenderam a uma portaria do Ministério da Fazenda de 2013. “As notificações ao Coaf por si só não configuram irregularidades. Trata-se de procedimento rotineiro realizado periodicamente pela Caixa junto ao Coaf”, disse o banco. A instituição elencou três situações, previstas na portaria, que justificaram a notificação ao órgão de controle: pagamentos de prêmio acima de R$ 10 mil, pagamentos com base em aposta máxima em qualquer loteria e pagamento de mais de um prêmio para uma mesma pessoa.
A primeira situação está descrita na portaria do Ministério da Fazenda como necessária de ser comunicada ao Coaf “independentemente de análise ou qualquer outra consideração”. Já as outras duas situações precisam ser avisadas por conta da seguinte determinação da mesma portaria: “Considerada a possibilidade de configuração de indícios da ocorrência dos crimes previstos na lei 9.613, de 1998, ou de relação com tais crimes, devem ser analisadas com especial atenção e, se vislumbrada alguma suspeição, comunicadas ao Coaf.” A lei citada é a que dispõe sobre crime de lavagem de dinheiro e a que cria o Coaf. As transações informadas ao órgão não representam irregularidades ou ilegalidades, mas movimentações consideradas atípicas e que podem despertar investigações sobre ocultação de bens.
Em 16 de julho de 2014, o Conselho de Administração da Caixa tratou de uma “matéria extraordinária”: a avaliação do modelo de negócios das Loterias Caixa. A ata da reunião apontou “pontos críticos”, sem um detalhamento a respeito. “O conselho anuiu à sugestão de atuação em pontos críticos considerados emergenciais referentes aos riscos das operações e à gestão das unidades lotéricas”, registrou o documento.
Em setembro de 2015, uma operação da Polícia Federal prendeu 13 pessoas suspeitas de participação em esquema de fraude em pagamento de loterias da Caixa. Gerentes do banco validavam bilhetes falsos por meio de suas senhas. A quadrilha mapeava prêmios não resgatados.
A Caixa afirmou que corrige eventuais problemas identificados: “Os processos de negócio da Caixa, incluindo pagamento de prêmios de loterias, são continuamente monitorados, o que nos permite identificar, a qualquer tempo, oportunidades de melhorias que são devidamente encaminhadas”. “Os apontamentos constantes na ata já foram sanados.”
O Coaf não quis se manifestar sobre as 103 ocorrências envolvendo ganhadores de prêmios de loterias, nem informar os procedimentos adotados, “por dever de sigilo”. Informou apenas números genéricos de comunicações referentes ao “setor de Loterias e Sorteios”: mais de 600 mil desde o início da série histórica, em 1998. “Quando encontra fundado indício de ilícito nas informações recebidas, o Coaf emite um relatório de inteligência financeira para os órgãos de investigação”, afirmou por meio da assessoria de imprensa.
Fonte: G1