Fotos Ahmad Jarrah
A água, bem essencial à vida e saúde das pessoas, tornou-se uma das principais dores de cabeça para a população cuiabana – e a administração municipal -, que parece se encontrar num labirinto cuja solução esbarra em caminhos sem saída, seja do ponto de vista financeiro ou jurídico.
O Circuito Mato Grosso conversou com uma das pessoas que acompanharam o processo de chegada da CAB Cuiabá à capital, e que ainda hoje observa de perto a situação não só do abastecimento à população, mas as políticas de resíduos sólidos, drenagem e de acesso a esgoto. O presidente da Associação dos Engenheiros Sanitaristas e Ambientais de Mato Grosso (AESA-MT), Jesse Rodrigues de Arruda Barros, explica que a concessão do serviço é controversa desde seu início, após uma polêmica decisão do prefeito interino na época.
“Júlio Pinheiro, vereador em 2011, era o prefeito interino de Cuiabá pois Chico Galindo havia ‘saído de férias’. Uma audiência pública foi convocada para debater o assunto, mas foi suspensa por ele. No mesmo dia, à tarde, a Câmara votou pela privatização da Sanecap. Dois dias depois Pinheiro sancionou”, disse.
O ano era 2011. Na época, Cuiabá possuía seus problemas de abastecimento e a sociedade discutia soluções. No mesmo dia em que uma audiência pública havia sido marcada para tratar o assunto, e misteriosamente suspensa pelo então prefeito interino Júlio Pinheiro, no dia 12 de julho de 2011, ele, que também era presidente da Câmara de Vereadores da Capital, colocou na pauta do legislativo municipal a criação da agência Municipal de Regulação dos Serviços de Água e Esgotamento Sanitário (AMAES) de Cuiabá em regime de urgência “urgentíssima”.
Jesse explica que, na prática, a manobra serviu para entregar os serviços de abastecimento a CAB Cuiabá, empresa que faz parte do Grupo Queiroz Galvão, investigada hoje pela operação “Lava-Jato” da polícia federal. O engenheiro sanitarista denota a apuração o fato da falta de investimentos na cidade, além do “ruído” na comunicação entre as secretarias municipais, gerida por políticos, e que não realizam trabalhos integrados, como os planos de uso e ocupação do solo e de resíduos sólidos, por exemplo.
“Temos um plano de resíduos sólidos que não conversa com o de ocupação e uso do solo, que por sua vez não contempla o plano de drenagem pluvial e que também está fora do plano diretor. Esses trabalhos não são concorrentes, se complementam. Cuiabá virou um Frankenstein”.
Relatório deve ser entregue com um mês de atraso
A comissão especial de auditoria na Companhia de Águas do Brasil de Cuiabá (CAB Cuiabá), deverá entregar seu relatório de informações e documentos contábeis até a primeira semana de abril, segundo o procurador-geral do município Rogério Gallo. O grupo foi criado em dezembro de 2015 pelo prefeito Mauro Mendes (PSB) por suspeitas de que a empresa não estaria cumprindo os planos de investimentos estabelecidos pelo contrato de concessão do serviço, que é de 30 anos. O estudo, entretanto, está pelo menos com um mês de atraso.
Segundo Rogério, “uma ampla auditoria” esta sendo realizada sobre os pactos contábeis e financeiros da concessionária, responsável pelos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto do município de Cuiabá desde abril de 2012. Entre os motivos que ensejaram a criação do grupo estão indícios de que a CAB não vem fazendo os investimentos necessários para universalização de abastecimento de água na capital, além da implantação insuficiente de rede de coleta de esgoto.
Gallo, contudo, reconheceu que a equipe extrapolou o prazo inicial de entrega do relatório, que estava previsto para o fim de fevereiro de 2016.
“O objetivo é verificar os últimos três anos e meio de prestação de serviço da CAB para ter um panorama das condições contábeis e financeiras da concessionária. Pelo volume de informações, entretanto, os trabalhos tiveram que ser prorrogados”, disse o procurador.
Desde o início de sua operação na capital, a CAB Cuiabá vem colecionando polêmicas e causando insatisfação na população cuiabana que, não raro, precisa se resignar com um abastecimento irregular de água, além de cobrar por serviços que não existem, como é o caso da rede de esgoto em alguns bairros.
O abastecimento irregular, ou inexistente, da qual algumas áreas de Cuiabá estão sujeitas pode ter relação com a ineficiência comprovada em números da prestação do serviço. Segundo o “Ranking do Saneamento”, publicado em 2015 pelo Instituto Trata Brasil, as perdas de investimento em relação ao faturamento são de 64,50% na capital. As perdas na distribuição da água também indicam que a CAB vem fazendo um trabalho quase amador, uma vez que elas representam 67,29% de tudo que é transportado pelas tubulações.
Para se ter uma ideia, a média de perdas de distribuições dos 20 municípios brasileiros que menos desperdiçam água é de 27,9% de acordo com o Trata Brasil.
Quando o assunto é esgoto, Cuiabá também não tem o que comemorar, de acordo com o relatório: apenas 35,3% dos resíduos sólidos são coletados no município. O tratamento também é bem abaixo do que o verificado em outras capitais brasileiras. Enquanto Campo Grande (MS) trata 51% dos dejetos, por aqui este índice cai a 28%.
Paradoxalmente, a estrutura para fornecimento de água na cidade é universalizada: 99,78% das residências possuem “ligações”, embora o abastecimento deste bem essencial seja racionalizado.
Moradores se queixam de abastecimento
O Circuito Mato Grosso conversou com o grupo de pessoas que geralmente são os primeiros a sofrer as consequências negativas de serviços públicos precários: os habitantes de bairros periféricos.
Gezy Carla Figueiredo Lima possui residência no jardim Florianópolis, na capital. A vendedora, que é moradora do bairro há 29 anos, estava sentada em frente a sua casa, numa rua de terra, quando foi abordada pela equipe deste semanário mato-grossense.
Ela conta que o abastecimento em sua casa “acontece dia sim, dia não”, que a água começa a ficar disponível em torno das 4h, mas que “lá pelas 20h, no máximo 20h:30, eles cortam novamente”.
“Aqui em casa a água chega de madrugada e fica até a noite, dia sim, dia não. No período que a gente tem água não dá para lavar toda a roupa, deixar a casa organizada. Não tem nem como as crianças brincarem, com essa rua de terra”, conta ela.
Subindo as ruas do jardim Florianópolis, que fica próxima a MT-251, na saída para Chapada dos Guimarães (64 km de Cuiabá), conhecemos a autônoma Taislane Cardozo da Silva, que é residente há 16 anos no bairro. Ela reclama dos aumentos na tarifas e na baixa qualidade do serviço.
“Aqui a gente fica sem água, mas a conta nunca deixa de vir. Vai ter outro aumento de 16% agora”, disse, referindo-se ao reajuste na conta de 16,82% aprovado recentemente.