Ahmad Jarrah
A renúncia fiscal é um recurso que pode ajudar no desenvolvimento econômico de um município, unidade federativa ou mesmo um país. Empresas que buscam incentivos para iniciarem um empreendimento acabam sendo “seduzidas” pela administração pública em razão das vantagens que elas podem obter ao se instalarem em determinadas regiões. Mas há uma linha tênue que separa quanto o poder público pode abrir mão e os compromissos que devem ser honrados. Em Mato Grosso, essa renúncia representa mais de R$ 1 bilhão em 2016.
Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, publicada pela Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ-MT), R$ 1.060.663.897,84 estão previstos a título de renúncia fiscal para este exercício. O setor mais beneficiado é o de fabricação de produtos alimentícios e bebidas, que receberá R$ 559.358.342,19. Só os empreendimentos que utilizam carne como matéria-prima (frigoríficos, granjas etc.) deixaram de repassar aos cofres públicos R$ 189.978.322,07 – pouco mais do que as bebidas, que terão “anistia” de R$ 175.196.161,17.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), Mato Grosso conta com 18 plantas frigoríficas. Só a JBS possui 11 unidades.
Os empresários que utilizam a soja como matéria-prima, transformando-as em derivados na indústria, também possuem um “incentivo a mais” para se instalarem no território mato-grossense. Segundo a LDO 2016, R$ 183.877.065,49 será o montante que o Governo Estadual deixará de arrecadar do setor. O grão de soja, após beneficiamento, pode dar origem a óleos, antibióticos e outros produtos farmacêuticos, desinfetantes sanitários, tecidos e tintas para impressão e até mesmo cimento.
Segundo a Associação dos Produtores de Soja do Brasil (APROSOJA), a soja responde por 43% do Valor Bruto de Produção (VBP).
O setor de fabricação de máquina e equipamentos também contará, em 2016, com um “perdão” milionário. Segundo a publicação da SEFAZ, R$ 102.826.331,17 em impostos e tributos não serão recolhidos dos empresários. A fabricação de móveis e produtos diversos, assim descrita na LDO 2016, deixará de recolher R$ 78.942.854,22 em obrigações fiscais com o governo do Estado.
Já os empreendedores do setor terciário (comércio e serviços) parecem ter ficado marginalizados na distribuição desse bolo, a despeito de responderem por 76% dos empregos com carteira assinada, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Os comerciantes e pequenos empresários da área deixaram de repassar R$ 13.197.743,06 ao Estado. Confira uma tabela que resume a renúncia fiscal em Mato Grosso.
RENÚNCIA FISCAL EM MATO GROSSO*
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas |
R$ 559.358.342,19 |
Derivados de Soja – Indústria |
R$ 183.877.065,49 |
Fabricação de máquina e equipamentos |
R$ 102.826.331,17 |
Fabricação de móveis e produtos diversos |
R$ 78.942.854,22 |
Fabricação de coque, refino de petróleo e produção de álcool. |
R$ 30.188.854,53 |
Grandes empresas, grandes negócios
O Portal Transparência do Governo do Estado disponibiliza para consulta as empresas que foram beneficiadas pelo Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (PRODEIC). Criado pela Lei nº 7.958/2003, o PRODEIC é um recurso que oferece benefícios a empreendedores no Estado, como concessão de incentivos fiscais, empréstimos e financiamentos, participação acionária, apoio financeiro e institucional a projetos públicos e privados etc.
O PRODEIC separa em duas categorias as empresas que foram beneficiadas pelo Governo Estadual em “fruição parcial”, quando o empreendimento está em fase de implantação do projeto, cujas vantagens são concedidas para compras de máquinas e equipamentos, por exemplo, e “fruição total”, que é a vantagem de obter privilégios totais para as organizações que já estão em funcionamento. Confira a lista dos maiores empreendimentos em Mato Grosso que recebem esses incentivos.
AS 12 MAIORES EMPRESAS DE MATO GROSSO BENEFICIADAS PELO PRODEIC**
EMPRESA |
MODALIDADE |
EMPREGOS |
Brf – Brasil Foods s/a (antiga Sadia s/a) |
Fruição total |
4.500 |
Brf – Brasil Foods s/a |
Fruição total |
2.170 |
Gazin indústria, comércio de móveis e eletrodomésticos |
Fruição total |
1.679 |
Marfrig Frigoríficos e Comércio de Alimentos ltda |
Fruição parcial |
1.648 |
Marfrig Global Foods S/A |
Fruição parcial |
1.310 |
Seara Alimentos s/a |
Fruição parcial |
1.100 |
Natural Pork Alimentos s.a ( antiga Intercoop ) |
Fruição total |
1.034 |
Anhambi Alimentos ltda |
Fruição total |
1.000 |
Dismobrás |
Fruição total |
971 |
Brenco Companhia Brasileira de Energia Renovável |
Fruição parcial |
862 |
Cluster de Bioenergia s/a |
Fruição parcial |
801 |
Defense Participações ltda |
Fruição parcial |
773 |
A lista não traz, entretanto, o valor em R$ dos benefícios concedidos. A assessoria da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDEC-MT) informou ao Circuito que a informação não pode ser disponibilizada em razão da Lei Complementar nº 105/2011, que disciplina o sigilo fiscal das operações financeiras.
Pequeno empreendedor não conseguiu benefício
O empreendedorismo é um dos principais medidores da saúde econômica de um país. Dados da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, ligada à Presidência da República, apontam que os negócios de pequeno porte são responsáveis por 84% dos empregos no Brasil. Esse importante componente social, entretanto, fica refém do lobby de grandes organizações, que acabam abocanhando a maioria dos recursos de incentivos fiscais do poder público e Mato Grosso não é diferente.
Marcelo Ferreira dos Santos saiu de Paranavaí, região noroeste do Paraná, com a esperança de conseguir um lugar ao sol em Cuiabá há mais de dez anos. Ele, que é design de interiores, fundou, ao lado da esposa, Nayara Fernades dos Santos, uma empresa especializada em fornecer móveis sob medida para seus clientes, entre os quais, escritórios de segmentos variados, consumidores residenciais, comerciais etc.
Em 2014, Marcelo e Nayara iniciaram os procedimentos burocráticos para conseguir os benefícios concedidos pelo PRODEIC. No entanto, ele afirma que, apesar de conseguirem juntar toda a papelada para pleitear junto ao governo do Estado o direito de participação no programa, não obtiveram sucesso.
“Estávamos começando a adquirir nosso maquinário próprio, mas precisávamos de um incentivo. Conseguimos todos os papéis exigidos, iríamos empregar pessoas. Infelizmente tivemos de adiar esses planos, pois não nos foi concedido os benefícios”, conta.
Dois anos depois, e melhor estruturado, Marcelo conta que conseguiu quitar as máquinas, necessárias para a fabricação dos móveis, e tem hoje cinco funcionários. Ele lamenta, entretanto, que o estágio atingido hoje poderia ter sido alcançado já há algum tempo, caso fosse beneficiado pelo programa de apoio aos empreendedores do governo do Estado.
“Chegamos até aqui sem ajuda de governo. Se existe essa possibilidade, e existem pessoas que querem montar um negócio para oferecer emprego, por que não deu certo?”.
*Referência 2016 – Fonte: SEFAZ-MT
**Entre fruição parcial e total. Referência 2015 – Fonte: SEDEC-MT