Os quatro hospitais filantrópicos de Cuiabá gritam por socorro. A Santa Casa de Cuiabá, Hospital Santa Helena, Hospital de Câncer e Hospital Universitário Júlio Müller acusam a prefeitura do Município de não repassar R$21 milhões do Fundo Nacional de Saúde (FNS). Verba já em caixa.
A tabela do Fundo Nacional de Saúde, destinada ao bloco de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, mostra que as duas parcelas referentes aos meses de janeiro e fevereiro, já estão no Fundo Municipal Único de Saúde de Cuiabá. A Federação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas de Mato Grosso (Fehosmt) alerta que, caso a verba não seja repassada às entidades em caráter emergencial, os hospitais fecharão as portas.
O documento ainda mostra que, em 12 de janeiro, houve um depósito na ordem de R$ 8.702.401,28. E dia 12 de fevereiro, um segundo valor, R$ R$ 12.447.092,55, foi depositado, totalizando R$21.149.493,83, no caixa do município de Cuiabá.
Há ainda em caixa uma segunda parcela de um acordo entre as entidades e Governo Estadual. No acordo, feito em outubro de 2015, as quatro entidades já citadas mais a Santa Casa de Rondonópolis, receberiam um montante médio de R$ 5.719.500,00 milhões. Esses, divididos em três parcelas e distribuídos entre os hospitais. A primeira parcela foi paga em dezembro, contudo a segunda parcela, que deviria ser paga em janeiro, está retida com a Prefeitura de Cuiabá.
Para alertar ao problema, os quatro hospitais paralisaram suas atividades eletivas nesta quinta-feira (10). “Infelizmente, pode chegar o momento de cerrarmos as portas e não atendermos nem mais emergências. Estamos na porta da falência das instituições de Mato Grosso, e eu me envergonho”, diz o diretor do Hospital Santa Helena, Marcelo Sandrin.
De acordo com um documento apresentado ao Governo de Mato Grosso em outubro de 2015, os hospitais têm um déficit mensal que varia entre R$890 mil (Santa Helena), ao caso mais grave, R$1.331.585,88 (Hospital do Câncer de Mato Grosso). “Se os hospitais vierem a fechar as portas é por absoluta falta de recursos financeiros”, desabafa o diretor do Hospital do Câncer, Laudemir Moreira Nogueira.
Segundo o diretor, o problema se arrasta desde 2014, e as entidades não estão tendo a atenção que devem, visto que os hospitais atendem juntos a, aproximadamente, três mil internações por mês. “A saúde pública está se deteriorando. E nós precisamos deixar nossas portas [dos hospitais filantrópicos] abertas”.
O Hospital de Câncer de Mato Grosso publicou nota em rede social alertando a população para o descaso do poder público com o repasse de verbas. Nos comentários, a população se solidariza com a entidade que é o maior centro de tratamento oncológico do Estado.
Além da falta de repasses, há ainda o problema da defasagem da tabela SUS para os hospitais – segundo os diretores o maior problema enfrentado pelos hospitais. Mesmo que o Munícipio pague o que deve às entidades, sem a correção da tabela SUS, elas ainda continuarão em um mar de dívidas.
“Se os hospitais filantrópicos não receberem um aumento dos seus vencimentos mensais, para prestar seus serviços, eles estão falidos. Já. Daqui mais um ou dois meses”, diz o diretor do Hospital Santa Helena. Ele sugere que, além do aumento da tabela SUS, as dívidas dos filantrópicos sejam perdoadas.
A presidente da Fehosmt, Maria Elisabeth Meurer, ainda denuncia: “Os hospitais filantrópicos recebem uma vez os valores da tabela SUS e os incentivos que o Governo Federal vem apensando para não dar aumento. Se você olhar, hospitais públicos, privados e hospitais de outras cidades, esses valores sobem de três a cinco vezes a tabela do SUS para o mesmo serviço”.
Segundo nota da Diretoria Administrativa Financeira da Secretaria Municipal de Saúde, os pagamentos de 2015 já foram efetuados. Os pagamentos de janeiro e fevereiro de 2016 serão disponibilizados a partir deste mês, mas ainda não foi estipulada uma data.
“Isso porque os pagamentos dos hospitais filantrópicos são efetuados de acordo com o processamento do faturamento (desses hospitais) realizado dentro do sistema DataSus do Ministério da Saúde, obedecendo ao cronograma 2016. Ou seja, os pagamentos relativos a janeiro, por exemplo, são enviados ao sistema DataSUS em fevereiro. Todas essas informações – Relatório de Produção -, são avaliadas e validadas por uma Comissão. Após a avaliação, são liberados os processos de pagamento . Esse processo é concluído no mês de março”, esclarece a nota.
Em entrevista coletiva, o secretário de Saúde de Cuiabá, Ary Soares, afirmou que não existe atraso de pagamentos por parte da prefeitura. E que o montante disponibilizado pelo Governo do Estado está em conta, mas depende de contrapartida das unidades. “A portaria do Estado consignou para o repasse dos recursos uma contrapartida com a apresentação de documentos, de atendimentos e, o mais importante, o esvaziamento e retirada de pessoas dos corredores do Pronto-Socorro, mas isso não vem sendo cumprido”, afirmou.
Já a Secretária de Saúde do Estado lançou nota corroborando o que foi dito pelo secretário. “De acordo com a portaria, as unidades prestadoras de serviço devem encaminhar para a gestão do Complexo Regulador de Cuiabá, ao final de cada mês, relatório que comprove o cumprimento dos itens pactuados, para que o pagamento seja efetivado”. E ainda completou que a portaria foi ampliada, e o Governo do Estado se compromete pagar mais duas parcelas para os hospitais.
GREVE DOS MÉDICOS
Para engrossar o caldo da falta de gestão e tato da Secretaria de Saúde de Cuiabá, os médicos da Saúde Pública do Município entraram em greve na última segunda-feira (7). “Hoje, em Cuiabá, nós temos a pior administração de todos os tempos”, diz a presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed), Eliana Siqueira.
Antes mesmo do início da paralisação, no domingo (6), o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) classificou-a como ilegal. Ainda foi estabelecida pelo tribunal uma multa diária de R$ 50 mil, caso o Sindimed descumpra a decisão.
O desembargador Gilberto Giraldelli entendeu que não há motivos para uma nova paralisação, já que as reivindicações da categoria estão sendo discutidas judicialmente. “Não me parece razoável que o sindicato intente novamente a paralisação de atividade essencial à população, expressão do direito à vida, mormente não há ainda decisão judicial definitiva sobre tais reivindicações, transparecendo em verdade a ocorrência de subterfúgios para driblar referidas decisões que declararam ilegal a greve intentada outras oportunidade sob a mesma pauta de reivindicações”, afirmou o desembargador em trecho do despacho.
O Sindicato dos Médicos pede, entre outras questões, pela implementação do piso salarial nacional, de R$ 12,9 mil, e o prêmio-saúde, que teve 14% do valor cortado, e o pagamento de horas extras já realizadas.
No entanto, o procurador-geral do Município, Rogério Gallo, informou que o aumento salarial seria inviável no momento, devido aos ajustes econômicos realizados pela administração municipal, e avaliou que o salário – R$3,8 mil-, mais benefícios, pagos atualmente está na média nacional.
A presidente do sindicato, Eliana Siqueira, disse ao Circuito Mato Grosso que a categoria está tentando negociar desde o ano passado. Contudo, o secretário não quis ouvir as reivindicações e, ainda, cortou bonificações, não pagou horas-extras trabalhadas e não está implantando o Plano de Cargos e Salários dos servidores da área. “Nós vamos fazer uma revolução na saúde da Capital. Pois essa é a pior administração dos últimos anos em Cuiabá”, disse a presidente.
“Ano passado, em 365 dias do ano, somando tudo, nós ficamos 35 dias de greve. Os outro 330 a prefeitura foi quem fez a greve. Ela não manteve nem 70% das vagas de médicos ocupadas, manteve mais de 100 plantões descobertos todos os dias. Na realidade, se contarmos com a falta de cobertura que a gente deixa de fazer durante a greve, com a que eles deixam de fazer durante o ano… Quem prejudica mais a população são eles”, revela Siqueira.
Em declaração recente, o prefeito Mauro Mendes (PSB) descartou a possibilidade de reajuste salarial. “Não adianta me pressionar. Não é porque é ano de eleição que eu vou sair dando aumento, sem que o Município possa ter condições de pagar. Não vou fazer”, declarou.
Esta é a terceira paralisação deliberada pelos médicos em um ano – uma em abril de 2015, outra em junho do mesmo ano e a atual. “Nós temos direito a greve. Aqui em Cuiabá, há uma ideia de que ´não se pode mais fazer greve´, e está errado. Quer dizer que fazem cortes e mais cortes no nosso salário, sucateiam a saúde, e a gente não pode brigar por isso?”, pontua a presidente do Sindimed.
Mauro Mendes diz reconhecer o direito de greve dos trabalhadores, mas não abre mão de questiona-los, já que entende que não há razões para a paralisação das atividades. “Respeito o direito de greve, respeito os cidadãos que estão exercendo esse direito. Mas, da mesma forma, é um direito nosso ir ao Judiciário e dizer: ‘Olha, o que eles estão pedindo é ilegal, abusivo ou já foi atendido em alguns casos’”, afirmou Mendes.
Segundo Eliana Siqueira, o Sindimed está cumprindo com todos os passos legais para que a greve seja realizada legalmente. Contudo, o secretário de saúde de Cuiabá, Ary Soares, diz que a prefeitura cumprirá ordem judicial, e já está cortando o ponto dos profissionais em greve.
“Como nós somos legalistas – secretaria de saúde -, para nós não existe greve! E qualquer um que se manifeste em direção a uma possível greve, declarada ilegal, nós iremos tomar as providências legais cabíveis”, afirma o secretário.
Para Gallo, a greve dos médicos serve “para pegar uma carona na greve dos enfermeiros e instaurar o caos na saúde pública de Cuiabá”. “O Sindicato dos Médicos prefere iniciar qualquer reinvindicação com uma greve, para expor, não só a administração, mas também a população. A gente sabe que em outras, e nessa, até na urgência e emergência o atendimento fica prejudicado. O que dizer, então, da atenção primária? Pessoas que estão esperando meses, e chegam ao local, e não recebem atendimento”, diz o procurador.
Greve da Enfermagem
A greve dos enfermeiros e técnicos e auxiliares de enfermagem da rede pública de Cuiabá foi encerrada no último sábado (5). A paralisação teve início no dia 29 de fevereiro e chegou ao fim, após a categoria obter as reivindicações pela prefeitura da capital.
Os trabalhadores voltam ao trabalho, após o desembargador Alberto Ferreira de Souza, do Tribunal de Justiça ter determinado que caso a paralisação não chegasse ao fim, a multa diária subiria de R$ 10 mil para R$ 30 mil.
ATENDIMENTO
Com a greve dos médicos, os atendimentos no Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, e na Policlínica do Pascoal Ramos estão funcionando normalmente. Na Policlínica do Verdão e na UPA Morada do Ouro 30% dos médicos estão atendendo nas atividades eletivas.
Segundo a presidente do Sindimed, ao contrário do que o procurador acusou, todos os atendimentos das áreas amarelas e vermelhas (urgência e emergência) dos hospitais e policlínicas estão funcionando normalmente.