A juíza titular da sétima vara crimina de Cuiabá, Selma Rosane Arruda, condenou um agente de tributos da Secretaria de Fazenda (Sefaz-MT), José Divino Xavier da Cruz, por fraudar a cobrança do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). Além dele, outros dois investigados foram absolvidos por falta de provas. Xavier perderá o seu cargo público e responderá a condenação de quatro anos e seis meses de prisão, que poderá ser cumprida em liberdade.
A decisão que condenou o réu é do dia 11 de janeiro de 2016 e analisou o processo decorrente da Operação Quimeira – deflagrada por uma força-tarefa entre o ministério Público, Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal. A Operação ocorreu simultaneamente em 13 cidades de Mato Grosso no dia 21 de setembro de 2005 e prendeu preventivamente, 17 fiscais, intermediários e empresários. Os envolvidos são acusados de desviar R$ 900 milhões, em ICMS.
Em um trecho de sua decisão, Selma diz que o o réu possuía potencial consciência da ilicitude. “Ele agiu contra o órgão que o remunerava e era vinculado. Cobrava percentual de 3% a 4% do valor das notas fiscais subtraídas, o que lhe rendia boas quantias e também significava lucro para as empresas sonegadora”, disse.
Os dois outros supostos envolvidos no esquema, foram absolvidos pela magistrada. Tratam-se de Ari Garcia de Almeida e Jamil Germano de Almeida Godoes.
Veja a decisão da magistrada:
Assim, diante de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público, e ABSOLVO os acusados JAMIL GERMANO DE ALMEIDA GODOES e ARI GARCIA DE ALMEIDA, qualificados nos autos, da imputação do crime previsto no artigo 3º, inciso I, c/c artigo 11, ambos da Lei 8.137/90, o fazendo com fulcro no artigo 386, inciso VII, do CPP. Em face do acusado JOSÉ DIVINO XAVIER DA CRUZ, qualificado nos autos, CONDENO-O como incurso nas sanções do artigo 3º, inciso I, c/c artigo 11, ambos da Lei 8.137/90.
Não vislumbro nos autos quaisquer excludentes de ilicitude que poderiam justificar o comportamento do acusado.
Não encontro presentes, no entanto, as dirimentes previstas nos arts. 26, 20 parágrafo 1º, e arts. 21 e 22 do CP, que pudessem socorrê-lo e tenho que deva ser apenado.
Passo a dosar-lhe a pena, portanto:
Analisando as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, no que se refere à culpabilidade, o réu possuía potencial consciência da ilicitude, com a clara intenção de locupletar-se com a subtração dos documentos, sendo-lhe exigível conduta diversa, visto que, agiu contra o órgão que o remunerava e era vinculado. Cobrava percentual de 3% a 4% do valor das notas fiscais subtraídas, o que lhe rendia boas quantias e também significava lucro para as empresas sonegadoras, já que os percentuais ilícitos eram bem menores do que o imposto a recolher. O réu é primário e não possui antecedentes criminais. Conduta social não pode ser aferida para fins de aumentar a pena, eis que dentro dos padrões normais (família, endereço fixo, emprego lícito). A personalidade do réu não pode ser avaliada pela ausência de elementos indicadores nos autos, eis que afeta à índole, senso moral e emocional de cada indivíduo. O motivo para o cometimento do crime foi por ganância, pois buscou a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento do fisco estadual. As consequências extra-penais não foram graves vez que, com a deflagração da Operação Quimera, os contribuintes que negociaram terceiras vias de notas fiscais foram compelidos a recolherem os impostos devidos à Administração Pública.
Em face disto, verificando a prevalência de circunstâncias desfavoráveis, fixo-lhe a pena-base em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.
Porém, analisando a data de emissão das notas fiscais e o dia em que as 3ª vias foram retidas nos Postos Fiscais de divisa do Estado, entendo que o crime foi praticado na forma do art. 71, do CP, ante a quantidade de 3ª vias que o réu apropriou-se nesse período, restando evidente que foram praticados atos criminosos nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, configurando a continuidade delitiva, razão pela qual elevo a pena na fração de 2/3 (dois terços), encontrando-a em 07 (sete) anos e 6 meses de reclusão e 83 (oitenta e três) dias-multa. Torno-a, assim, definitiva, à falta de outra modificadora.
Registro que a elevação em relação à continuidade delitiva rogou, basicamente, pelo número de infrações praticadas. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:
HABEAS CORPUS. DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 89, CAPUT DA LEI 8.666/93 C/C O ART. 71, CAPUT DO CPB). PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL: 3 ANOS. PENA CONCRETIZADA: 5 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL SEMIABERTO. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. PERCENTUAL DE AUMENTO PELA CONTINUIDADE DELITIVA. ELEVADO NÚMERO DE INFRAÇÕES (20). AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. PRECEDENTES DO STJ. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. Para o aumento da pena pela continuidade delitiva dentro o intervalo de 1/6 a 2/3, previsto no art. 71 do CPB, deve-se adotar o critério da quantidade de infrações praticadas. Assim, aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações. 2. In casu, cometidas pelo menos 20 infrações no período de um ano, correto o aumento em 2/3 fixado no acórdão impugnado. 3. Os fatos abrangidos pela denúncia ocorreram de janeiro a dezembro de 1996. A inicial acusatória foi recebida em setembro/2003 e proferida a sentença em novembro/2004; dessa forma, não se constata tenha transcorrido o lapso temporal de 8 anos entre os diversos marcos interruptivos previstos na legislação penal. 4. HC denegado, em consonância com o parecer ministerial. (STJ – HC: 105077 SP 2008/0090339-2, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 29/04/2010, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2010). (Destaquei).
“PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DOSIMETRIA DA PENA. AUMENTO NA REPRIMENDA EM RAZAO DOS MAUS ANTECEDENTES JUSTIFICADA. CONTINUIDADE DELITIVA. PERCENTUAL DE AUMENTO. NÚMERO DE INFRAÇÕES. I. Muito embora a r. decisão condenatória na parte referente fixação da pena-base não esteja tecnicamente perfeita, o aumento imposto está devidamente fundamentado em razão da constatação de condenação com trânsito em julgado. II. O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado. Logo, no caso de oito infrações cometidas pelo paciente, correto o aumento da reprimenda na fração de 2/3 (dois terços). Ordem denegada.” (HC 141.978/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 07.12.2009).
Assim sendo, conforme disposto no artigo 33 parágrafo 2º, letra ‘b’, do CPB, fixo-lhe inicialmente o regime semi-aberto para cumprimento da pena. Em razão disto, verificando que está em liberdade e que não é o caso de decretação de prisão preventiva, concedo-lhe o direito de apelar em liberdade.
Ainda, o crime praticado pelo réu não condiz com o cargo de Agente de Tributos Estaduais. O condenado, embora plenamente conhecedor dos mandamentos legais, ciente de que tinha o dever de agir com honestidade, fez o contrário e agiu contrariamente aos princípios éticos e profissionais, extraviando terceiras vias de notas ficais para obter vantagem indevida, utilizando-se, para tanto, do cargo que lhe era confiado.
Assim, não é adequado e seguro permitir que permaneça nos quadros do funcionalismo público estadual. Sua conduta violou o dever para com a administração pública e a pena aplicada é superior a um ano, o que se enquadra na hipótese do art. 92, I, alínea 'a', do Código Penal.
A hipótese dos autos é amparada no entendimento jurisprudencial dominante. A propósito:
“PENAL. CRIME DE PECULATO. CÓDIGO PENAL, ART. 312. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO CONSTANTE NOS AUTOS. CÓDIGO PENAL, ART. 92, INCISO I, ALÍNEA A. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO IMEDIATO DA CONDENAÇÃO. 1. Não merece reforma a sentença recorrida, uma vez que a prática dolosa do crime de peculato, tipificada no art. 312 do Código Penal, ficou amplamente demonstrada pelo conjunto probatório constante nos autos. 2. A perda do cargo, da função pública ou do mandato eletivo é efeito automático da condenação que, nos termos do art. 92, I, a, se dará sempre que a pena aplicada seja igual ou superior a 01 (um) ano nos crimes praticados com violação de dever para com a administração pública, como ocorre nas hipóteses da prática do crime de peculato doloso, hipótese dos autos. 3. Apelações improvidas. PENAL. CRIME DE PECULATO. CÓDIGO PENAL, ART. 312. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO CONSTANTE NOS AUTOS. CÓDIGO PENAL, ART. 92, INCISO I, ALÍNEA A. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO IMEDIATO DA CONDENAÇÃO. 1. Não merece reforma a sentença recorrida, uma vez que a prática dolosa do crime de peculato, tipificada no art. 312 do Código Penal, ficou amplamente demonstrada pelo conjunto probatório constante nos autos. 2. A perda do cargo, da função pública ou do mandato eletivo é efeito automático da condenação que, nos termos do art. 92, I, a, se dará sempre que a pena aplicada seja igual ou superior a 01 (um) ano nos crimes praticados com violação de dever para com a administração pública, como ocorre nas hipóteses da prática do crime de peculato doloso, hipótese dos autos. 3. Apelações improvidas. (ACR 1999.30.00.000322-0/AC, Rel. Juíza Federal Rosimayre Goncalves De Carvalho, Quarta Turma,e-DJF1 p.156 de 12/11/2008).” (TRF-1 – ACR: 322 AC 1999.30.00.000322-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES, Data de Julgamento: 28/10/2008, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 12/11/2008 e-DJF1 p.156).
Assim, considerando o que expressamente dispõe o artigo 92, I “a” do Código Penal e verificando que o réu foi condenado a pena privativa de liberdade superior a um ano, bem como por ter cometido crime grave com violação do dever para com a Administração Pública, DECRETO-LHE A PERDA DO CARGO PÚBLICO.
A multa, já fixada, será recolhida na forma do que dispõem os artigos 49 e seguintes do Código Penal.
Transitada em julgado a sentença, lance o nome do réu no rol dos culpados, (art. 5º, LIV da CF, c/c art. 393, II do CPP), liquide-se a pena pecuniária, e expeça-se guia de execução e remeta-se à VEP para cumprimento da pena.
Custas pelo Estado, considerando que o réu é beneficiário da Justiça Gratuita.
Publique-se. Lançada a sentença no Sistema Apolo, estará registrada. Intimem-se.
Tendo em vista a absolvição dos acusados JAMIL GERMANO DE ALMEIDA GODOES e ARI GARCIA DE ALMEIDA, observe a Secretaria, o que determina a CNGC, capítulo 07, seção 07, item 09: "Na hipótese de sentenças extintivas de punibilidade e absolutórias é desnecessária a intimação do acusado, bastando a intimação do seu defensor. Para tal finalidade, inclusive, pode ser nomeado defensor dativo, tão-somente para esse ato".
Cumpra-se.