Cidades

Ciclo de Formação Humana virou “aprovação automática”

O modelo de ensino baseado por ciclos, o chamado “Ciclo de Formação Humana”, vem sofrendo críticas por supostamente nunca ter saído do papel, segundo especialistas e profissionais ligados à educação, e que, em virtude disso, privilegia a aprovação automática de alunos e alunas, desprezando a falta de conhecimentos que deveriam ser adquiridos ao longo deste processo quediferente do paradigma seriado, leva em conta o desenvolvimento social, biológico, cognitivo e cultura de crianças e adolescentes.

O regime sob ciclos começou a ser implantado de forma experimental em São Paulo e no Rio Grande do Sul, ainda na década de 1960. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC-MT), o currículo de ensino compreende as questões sociológicas, políticas e epistemológicas – ou seja, o conhecimento científico – e possui a proposta de respeitar as capacidades dos estudantes, segundo o tempo de desenvolvimento de cada um.

O paradigma pedagógico, no entanto, apesar de considerar a evolução cognitiva de crianças e adolescentes, não vem obtendo bons resultados em Mato Grosso, segundo as avaliações oficias realizadas pelo Ministério da Educação (MEC). De acordo com o portal QEdu – parceria da Meritt com a Fundação Lemann –, em 2013, última avaliação disponível, só 35% dos alunos obtiveram desempenho satisfatório na disciplina de língua portuguesa na 5ª série. Em matemática o desempenho foi ainda pior, totalizando 30%.

Quando avançamos até a 9ª série, as notícias são ainda mais desanimadoras. Só 18% dos alunos e alunas mato-grossenses obtiveram notas que os credenciavam a aprofundar os estudos de língua portuguesa em 2013. Em matemática, este índice cai pela metade: apenas 8% deles conseguiram atingir seus objetivos, ou seja, para 92%, sugerem-se atividades de reforço, ou mesmo recuperação de conteúdos que já forma ensinados. Os dados foram coletados a partir da “Prova Brasil”, avalição periódica realizada pelo MEC.

Em relação ao ensino médio, os números também apontam para um desempenho medíocre na rede estadual de educação de Mato Grosso. De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), indicador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), ligada ao MEC, o desempenho dos jovens alcançou as metas projetadas apenas nos anos de 2007, 2009 e 2011. Em 2013, ano em que a última avaliação foi mensurada, Mato Grosso atingiu índice 2,7 – menos do que a meta, que era 3,1

Entre professores, especialistas e trabalhadores da educação há controvérsia se o ensino sob ciclos é de fato o vilão pela educação de baixa qualidade ou se a culpa deve-se à falta de investimento crônica na área, como veremos nas matérias a seguir.

Governo defende modelo

O Circuito Mato Grosso entrou em contato com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC-MT) para uma avaliação sobre o Ciclo de Formação Humana, utilizado como parâmetro educacional nas escolas estaduais. De acordo com o secretário adjunto de Política Educacional da pasta, Gilberto Fraga de Melo, o “ciclo de formação humana parte do princípio de uma progressão continuada”, aferindo se o aluno possui condições de prosseguir seus estudos, “sem ser retido”. Lista de cassinos online no Brasil legais com bônus exclusivos e rodadas grátis!

Segundo o representante da secretaria, não faz sentido reter o aluno ou aluna numa determinada série se ele não atingiu os resultados em apenas uma disciplina específica, dando a eles a possibilidade de avançar os estudos por meio da chamada “progressão parcial”, cursando as disciplinas do próximo ciclo de forma paralela com aquela em que não se atingiu a aprovação.

“O Ciclo de Formação Humana leva em conta as capacidades dos alunos em seus diferentes estágios de desenvolvimento. Não faz sentido retê-lo em História se ele reprovou apenas em matemática, por exemplo”, afirmou.

Gilberto reconhece que, da forma como foi implementado no sistema de ensino público estadual, o Ciclo de Formação Humana passou de “progressão continuada”, previsto em suas diretrizes, para uma “aprovação automática”, o que de fato ajuda a aumentar o contingente sobre aqueles que avançaram em seus estudos, mas que não leva em conta o nível de aprendizagem dos estudantes. 

“Em algum momento, nas gestões passadas, veio alguém e disse que não precisava avaliar, fazendo com que os estudantes fossem aprovados automaticamente. Somos a favor da avaliação e faremos avaliações para medir o nível de aprendizagem dos alunos”, disse.

O secretário adjunto afirmou ainda ser contra a retenção de alunos, pois ela vai contra um direito básico que os alunos possuem: o acesso à aprendizagem.

“Sou contra a retenção. O que nós, como instituição, temos que pensar é que o aluno possui o direito à aprendizagem, nos diferentes tempos de aprendizagem que cada pessoa tem”.

“Problema é a falta de investimento”

O Circuito também conversou com a representação mais importante dos trabalhadores da educação em Mato Grosso, o Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público (SINTEP-MT). Para o presidente da associação, Henrique Lopes do Nascimento, o Ciclo de formação Humana oferece um tempo maior de observação das crianças e adolescentes sobre seu desempenho acadêmico, aliado ao desenvolvimento cognitivo. Entretanto, ele faz críticas ao poder público, dizendo que o paradigma nunca foi implantando da maneira correta.

“A organização curricular por ciclos é uma previsão legal do artigo 206 da Constituição Federal. Mas o Sintep Mato Grosso sempre foi muito crítico quanto à concepção que o poder público estadual possui sobre esse paradigma. Na verdade, até hoje, procuramos uma escola dentro do Estado que, de fato, tenha implementado o modelo”, disse ele.

Henrique afirma que para implementar corretamente o Ciclo de Formação Humana na rede estadual de ensino, seria necessária uma mudança de postura, inclusive da própria SEDUC-MT, na valorização dos profissionais, na estrutura das unidades de ensino que, segundo ele, “não atendem as expectativas dos alunos do século XXI”. Ele afirma que a falta de investimentos é o principal fator para o fraco desempenho dos estudantes nas avaliações realizadas pelo MEC.

“Independente do paradigma a ser adotado, é a falta de investimentos a principal responsável pela baixa qualidade do ensino público. Reprovar um estudante porque ele não conseguiu atingir seus objetivos é jogar a culpa de um problema sistêmico sobre ele”.

Educadores divergem sobre o Ciclo

Para a doutora em Educação e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Gleyva Maria Simões de Oliveira, o Ciclo de Formação Humana não atingiu os resultados esperados no Estado. Ela afirma que ele resolve dois gargalos do ensino fundamental e médio – a evasão e a reprovação dos alunos – mas que, ao chegarem ao ensino médio e, logo depois, à fase do vestibular, os estudantes apresentam conhecimentos limitados, “são analfabetos funcionais”, diz ela.

“Temos uma visão de que há um processo para se conseguir êxito. No atual modelo ele vai passando de ano sem aprender. A escola deveria ser mais funcional. É preferível ter um modelo tradicional que dê certo do que o Ciclo de Formação Humana mal feito” pondera.

Luís Henrique é professor de ensino médio da rede estadual de Mato Grosso. Para ele, o Ciclo de Formação Humana não é o maior problema, e sim a falta de investimentos na educação, a falta de estrutura das escolas e a formação continuada que, segundo ele, “nem sempre é oferecida e, quando é, está fora da realidade escolar”.

Ele defende também a valorização dos professores e a realização periódica de concursos públicos.

“Hoje o Ciclo é tapar o sol com a peneira. Muitos alunos chegam ao ensino médio sem saberem ler. Mas isso é culpa do investimento insuficiente do poder público”.

Deputado propõe alternativa

O ex-prefeito de Cuiabá e deputado estadual na gestão 2015-2018 Wilson Santos (PSDB), vem promovendo um debate na sociedade mato-grossense acerca do paradigma do Ciclo de Formação Humana na rede estadual de ensino.

Dizendo-se ser “a favor” do atual modelo, Santos afirma, no entanto, que para ser possível alcançar resultados promissores na área é necessário um “período de preparação de 10 anos”, que ele chama de “Ciclo de Formação com Aprendizagem”, como ele explica.

“O atual modelo é o melhor, mas só estaremos prontos em uma década. Proponho um estágio antes dele, o Ciclo de Formação com Aprendizagem, que não se dá no mesmo ritmo e tempo para todos. Por isso a escola deve propor ações para superar as fragilidades, e aí, esgotadas todas as possibilidades de ensino, o aluno ficará retido”, disse ele.

O Circuito Mato Grosso teve acesso exclusivo a um documento organizado pelo deputado sobre o ensino da rede estadual. O “Relatório Final dos Resultados das Audiências Públicas Sobre a Implantação, Implementação e Manutenção do Ciclo de Formação Humana nas Escolas da Rede Pública Estadual de Mato Grosso” contou com audiências públicas em oito municípios polos do Estado, com membros da SEDUC, do Ministério Público, do Conselho Estadual de Educação, professores, gestores e familiares dos alunos.

Entre as propostas do documento está a implantação completa do Ciclo de Formação Humama na agenda de prioridades do governo, a promoção do Projeto Político Pedagógico como ferramenta necessária para ações pedagógicas, o efetivo monitoramento e acompanhamento das atividades desenvolvidas dentro do âmbito escolar, reestruturação física do ambiente de ensino (climatização, espaço reservado a leitura e pesquisa), atividades que envolvam a família do aluno, realização de concursos públicos e outras ações.

Diego Fredericci

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