Circuito Entrevista

“Não somos a Venezuela, existe democracia”

Antônio Joaquim Moraes Rodrigues Neto, presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT), é preocupado com a saúde. Aos sessenta anos de idade, e além de ter boa forma física, mantém sobre sua mesa, na sede do órgão em Cuiabá, um pratinho com pedaços de melão. Mas só próximo ao final do encontro com o Circuito é que ele se serviu da fruta.

Natural de Goiânia (GO), graduou-se em administração de empresas pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), tendo prosseguido seus estudos no curso de Direito da Universidade de Cuiabá (UNIC) e pós graduando-se em Direito do Estado e Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas desde 1986 atua na vida pública, passando pelos cargos de deputado estadual e federal, além de ter sido secretário de Estado de infraestrutura e educação, nos anos 1990.

Numa entrevista exclusiva à nossa equipe, ele afirma que o principal desafio de sua gestão é acompanhar a instantaneidade do “mundo do whatsapp” e não foge de assuntos polêmicos, como a aprovação de contas de gestores públicos presos e o fato de ter entre seus colegas um conselheiro suspeito de “comprar” sua vaga no TCE.   

Circuito Mato Grosso – Uma das bandeiras que o senhor levanta é a criação de um conselho nacional de tribunais de contas. Como essa iniciativa pode beneficiar a sociedade?

Antônio Joaquim Moraes Rodrigues Neto – Eu fui presidente da associação nacional dos tribunais de contas de 2012 e 2013. Ao longo desses dois anos fui ao Congresso umas oito vezes e conversei com todos os líderes de bancada. A emenda está pronta, só não sei por que não vota. É uma pauta positiva e necessária. Os tribunais precisam desse conselho tanto para fiscalizar os atos funcionais dos conselheiros, seu trabalho como conselheiro, como a gestão dos tribunais de contas. Além da correição que esse conselho pode fazer, o mais importante é definir metas para todos os tribunais do Brasil. Quem substitui hoje esse conselho é a Atricon, que possui resoluções definidas no sentido de sugerir que os tribunais cumpram essas normas. A diferença é que a Atricon é uma associação, por isso ela não tem poder estatal para cobrar por esses resultados. 

Circuito – O deputado José Domingos Fraga, da Comissão de Fiscalização e Acompanhamento da Execução Orçamentária (CFAEO) da Assembleia Legislativa, afirmou que as indicações para conselheiros do TCE vêm ocorrendo de forma “atropelada” e que a Assembleia não vem seguindo o “rito”, dizendo que estes não foram verdadeiramente sabatinados. O senhor considera que o atual processo de escolha para conselheiros do TCE atende o interesse público?

Antônio Joaquim – Em muitos casos, na maioria dos casos, atende o interesse público. Mas essa é uma das questões mais debatidas no âmbito do TCE. Isso é debatido no Brasil inteiro. Do ponto de vista formal, quem define essa forma de escolha é a Constituição Federal e Estadual. Está previsto na Constituição que um terço dos membros dos tribunais de contas devem ser indicados pelo poder executivo e dois terços pelo poder legislativo. Ocorre que no Brasil inteiro, tanto o poder executivo quanto as assembleias, cometeram muitos erros. Nós temos que admitir, e não me refiro só a Mato Grosso, que foram indicadas pessoas sem talento e preparo para o cargo. Isso gerou desgaste. Mas o Tribunal de Contas não tem nada com isso. Quem indica é o governador e assembleia, e tanto a indicação do governador quanto a da assembleia são decididas pelo poder legislativo. O governador e assembleia e indicam e o TCE dá posse. Mas há casos em que os TCE’S se negam a dar posse. É só você se negar a dar posse para aqueles que não atendem os requisitos da Constituição Federal. Isso já ocorreu no Piauí e em Rondônia também. O próprio TCU fez isto recentemente. A questão não é a forma. Se quiser mudar, tem que mudar no Congresso Federal. Nos últimos cinco anos acabaram essas indicações inadequadas aos Tribunais de Contas. 

PERGUNTA EXTRA

Circuito – O senhor acha que a Lei da Ficha Limpa poderia extrapolar o campo do legislativo e executivo, e ser implantada também em outros órgãos de controle, como judiciário, ministério público e o próprio TCE?

Antônio Joaquim – Aqui nos já usamos isso e já temos como definição não dar posse se alguém não atender à lei da ficha limpa. Essa é umas das resoluções da Atricon, de não dar posse a alguém que não atenda os requisitos, e a Lei da Ficha Limpa é um deles.

Circuito – Quando analisamos o relatório do Ministério Público de Contas sobre as contas de 2014 do ex-governador Silval Barbosa, hoje preso, percebemos que os auditores votaram por sua rejeição. Mas quando a votação foi para o pleno do TCE elas foram aprovadas. Isso é de praxe?

Antônio Joaquim – Sobre o Silval Barbosa, não tenho dúvidas que tomamos a decisão correta. É preciso entender que o Brasil é uma democracia. As instituições têm suas atribuições. O Tribunal de Contas não é polícia, nós não prendemos ninguém. O Tribunal de Contas não abre processos criminais. Nós julgamos contas. Seguimos um protocolo, o devido processo legal que deve ser respeitado. Você não pode comparar o tribunal com um inquérito criminal que o MPE normal abre e aí ele pode quebrar sigilo bancário, fiscal e etc. Por exemplo, o Tribunal faz a análise de uma licitação. Se ela atende a legislação, como vou descobrir que eventualmente o cara que ganhou a licitação pagou propina? O Tribunal não tem esse papel, não tem instrumentos para fazer isso. Quando avaliamos a questão específica das contas do ex-governador Silval Barbosa, o que significa aquela avaliação? Coisas que estão dentro da legislação. A análise de contas não trata se houve superfaturamento de obra, não trata da execução financeira, se houve corrupção em relação a execução financeira, pois o governador não assina cheque. O governador não paga um centavo de conta. Quem paga são os secretários. A análise de contas verifica se o governador cumpriu o orçamento do Estado, cumpriu os limites constitucionais mínimos da receita corrente líquida – 25% da educação e 12% da saúde – se o governador não se endividou acima do limite permitido pela resolução do Senado Federal, se o governador não gastou com folha de pagamento acima do que a lei de responsabilidade fiscal permite. Essa é a análise feita pelo Tribunal de Contas. É um parecer técnico, feito por 14 auditores, que mostram que todas essas questões foram atendidas. O ministério público tem um parecer contrário, apontando que havia um déficit orçamentário de R$ 300 milhões. Os auditores do TCE provaram com sua análise que esse déficit não existia. Não havia nada para votar contra. O parecer foi aprovado por unanimidade por todos os conselheiros. Nós não dependemos do parecer do Ministério Público para poder 
decidir. O parecer é obrigatório, a Constituição define a exigência do parecer técnico para subsidiar a decisão do poder legislativo. Não é porque o sujeito foi preso que você vai dizer então que ele não cumpriu a lei orçamentária. Aqui não é uma Venezuela. Aqui é um país democrático, com o devido processo legal. Aqui temos uma democracia. Ninguém tem que ter medo de tomar decisões. Tanto que a Assembleia Legislativa julgou e aprovou. Eles não são obrigados a aprovar, mas aprovaram. A gente precisa ter maturidade de enfrentar qualquer tipo de ilação. Se Silval está preso ou não, isso é problema da justiça.

Circuito – A vaga de Humberto Bosaipo continua sem ser preenchida. O STF deu alguma sinalização sobre a resolução deste caso?
Antônio Joaquim – O que ocorreu com essa vaga, o ministro Lewandoviski, do STF, julgou, de maneira monocrática, uma adin, que a Audicon ingressou no Supremo contra uma emenda inconstitucional da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Eles aprovaram uma emenda dizendo que o estágio probatório dos Conselheiros Substitutos e do Ministério Público de Contas, em vez de três anos, deveria se estender por dez anos. Absolutamente inconstitucional. Essa emenda já estava parada há alguns anos no STF. Naquele momento, o presidente do supremo avocou para ele, dando um despacho monocrático, ou seja, singular, mandando suspender a eficácia da emenda aqui na Constituição de Mato Grosso, e de maneira extra petit, que na linguagem jurídica significa fora do pedido, pois a Adin em nenhum momento pediu para suspender a indicação, também decidiu por fazê-lo. Foi uma decisão que o STF tomou, e a Assembleia aprovou, mas, na minha opinião, a Assembleia deveria questionar essa decisão, pois em nenhum momento houve o pedido de suspensão desta indicação.

Circuito – O cancelamento das atas de registros de preço aprovadas pelo então presidente Waldir Teis ocorreram por algum outro motivo além do cenário de crise?

Antônio Joaquim – O cenário atesta a imprescindibilidade de este Tribunal identificar os seus gastos essenciais, reestruturar os seus produtos e reavaliar os seus gastos. 

Circuito – Há algum constrangimento entre os membros do TCE com o conselheiro Sérgio Ricardo pela suposta compra de sua vaga no Tribunal, como indica a operação Ararath?

Antônio Joaquim – Quando o conselheiro chegou aqui indicado pela Assembleia não havia processo contra ele. Ele chegou atendendo todos os requisitos constitucionais para ocupar uma cadeira no TCE. Até hoje não há condenação, não há nada contra ele, o processo de investigação ainda está em andamento. Então volto a dizer o seguinte: a democracia permite que você conviva com situações que ainda não foram concretizadas. As denúncias contra Sérgio Ricardo referem-se às suas atuações no parlamento. Aqui no Tribunal não há nada contra ele. Se não há processo, você vai tomar uma decisão por voluntarismo, sem base legal? Se ele for condenado, é evidente que é incompatível a permanência dele como conselheiro. Mas isso no devido processo legal. Não vivemos uma ditadura de apontar o dedo e pré-julgar. Se as pessoas começam a ser condenadas sem o devido processo legal vira bagunça, vira anarquia. Então temos que respeitar.

Circuito – O senhor avalia que o atual orçamento destinado ao TCE é compatível com seus custos? 

Antônio Joaquim – Nosso orçamento é compatível, não podemos abrir mão dele. Temos aqui a cultura do planejamento. Só tem uma forma de renunciar o orçamento, quando não há entrada de receita. O Estado não produz um centavo, tudo é fruto da arrecadação de impostos. A crise que atravessamos nos fez, inclusive, suspender todos os contratos. 

Circuito – O senhor gostaria de destacar algum projeto interinstitucional envolvendo outros poderes?

Antônio Joaquim – Passei essas duas últimas semanas visitando os outros poderes para reafirmar parcerias. Temos o programa “Gestão Eficaz”, que é um programa de capacitação de prefeitos, secretários, presidentes de câmaras, enfim, gestores públicos, para melhorar a qualidade da gestão. Temos o programa “Consciência Cidadã”, que é um programa de mobilização da sociedade organizada, sindicatos, ong’s, no sentido de que eles exerçam a cidadania para poderem participar do destino das cidades, do país etc. Temos o “Democracia Ativa”, que é um programa de capacitação do poder legislativo municipal, dos vereadores, com conteúdo de capacitá-los em relação às leis orçamentárias, que é a essência da gestão pública; a lei de acesso à informação, que não está sendo cumprida e que precisamos deles para implementar. Temos o “PDI”, plano de desenvolvimento institucional com o objetivo de preparamos gestores dos municípios para implantar a cultura do planejamento estratégico e da transparência, além de um programa fantástico, que é de capacitar os conselheiros de políticas públicas de saúde, educação etc. Esse é um papel diferente que o tribunal possui, de capacitação, educação e orientação, diferente do papel obrigatório de penalizar, fiscalizar e sancionar. Queremos que as coisas aconteçam. Queremos que o hospital funcione, que tenha professor para dar aulas. O moderno Tribunal de Contas do século XXI possui essa perspectiva

Circuito: Qual o principal desafio de sua gestão? O senhor considera retornar à política?

Antônio Joaquim: Sobre a política, o futuro é uma coisa com a qual você tem que ter muita prudência, pois você não tem controle. Então não dá para falar disso hoje. Em relação ao tribunal, estamos fazendo uma revolução a partir de janeiro. Estamos saindo de um processo de avaliar contas de gestão, que são balanços anuais, para focarmos em auditorias de atos de gestão. Estamos acompanhando mais o cotidiano, as necessidades das pessoas. Vamos auditar, por exemplo, os postos de saúde para buscar soluções junto aos gestores, escolas, hospitais etc. Teremos um processo de fiscalização muito mais rápido, que tenha harmonia com o mundo do virtual, o mundo do whatsapp, nós temos que estar muito mais céleres. É um grande desafio para minha gestão. É uma revolução, uma mudança de 180 graus.

Diego Fredericci

About Author