Foto: Ahmad Jarrah
Uma coincidência, diriam aqueles que não acreditam em encontros predestinados. Assim pode ser definido o início da trajetória da reitora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Maria Lúcia Cavalli Neder, na academia mato-grossense. Ela lembra que em 1973, quando estava a passeio em Cuiabá, recebeu o convite de um dos professores-fundadores da instituição. “Recém-formada em Letras, jovem e destemida, aceitei o desafio”, conta.
Nascida em Nova América, próxima a Presidente Prudente, na região noroeste do Estado de São Paulo, e à frente da principal instituição de ensino superior do Estado, Neder ostenta resultados que merecem destaque, por exemplo, o salto de 17 cursos de mestrado e doutorado em 2008 para 56 no ano passado, segundo dados do Relatório de Gestão 2014/2015.
Nem tudo, porém, são flores. Neder também vem lidando com críticas de alguns setores da Universidade sobre uma suposta falta de diálogo com líderes estudantis e trabalhadores, além da política expansionista do Governo Federal, que estaria interessado apenas em “atrair estudantes, sem oferecer a devida estrutura necessária”. A reitora – que se despede do comando da instituição em 2016 após dois mandatos – afirma que “não aceita a tese da expansão sem investimento” e fala sobre outros assuntos polêmicos.
Circuito Mato Grosso : Fale um pouco da sua origem. Como foi a aproximação com a UFMT?
Maria Lúcia Cavalli Neder : Cheguei a Cuiabá em 1973. Vim a passeio e a universidade tinha sido criada em dezembro de 1970. Quando perguntei qual era o ponto mais interessante para se visitar, me disseram que era a UFMT. Conhecendo a instituição, tive a curiosidade de perguntar o que precisava para dar aula aqui. O Dr. Gervásio Leite, que me atendeu, me perguntou se eu queria ser professora. Sou formada em Letras, no Estado de São Paulo, e naquela época havia o ciclo básico, todos precisam ter aulas de português. Como o quadro não estava estruturado ele me fez o convite. Era jovem, destemida, mas não tinha parentes, por isso fiquei morando no hotel. Pedi para minha família mandar minhas roupas e comecei a dar aulas no mês seguinte, por um acaso. Se a gente acredita em sorte, foi pela sorte. Foi a escolha mais certa que fiz na vida, de ter tido a coragem de ficar. A universidade se confunde com minha vida. Estou na universidade há 43 anos. A universidade é resultado de um esforço e comprometimento, de responsabilidade social em que estão envolvidos estudantes, professores, técnicos, mas também a sociedade mato-grossense e cuiabana. A universidade nasce da luta do povo. É uma somatória de apoios, compromissos e responsabilidade.
Circuito: Como a senhora vê os cortes de verbas na educação promovidos pelo governo federal?
Neder: Nossa preocupação era com a aprovação do pln-5 porque esse projeto retiraria a possibilidade do governo federal de fazer repasses orçamentários. Apesar do corte, as universidades não sofreram muito: foram 10% de corte no custeio e 50% nos novos investimentos. Mas as obras que já haviam se iniciado, ou que os recursos já haviam sido alocados, essas não sofreram alterações. Tivemos que fazer algumas adequações, o que não nos impediu de chegar ao fim de 2015 com todos os compromissos realizados. Nós estamos nesse momento muito equilibrados. Aqui está tudo normal, pesquisa, ensino e extensão.
Circuito: Há previsão de retorno do programa “Ciência sem Fronteiras?”
Neder: O governo não abriu novos editais. Houve um contingenciamento e então ele optou por garantir os recursos para aqueles estudantes que já se encontram no exterior.
Circuito: O campus de Várzea Grande tem previsão para ficar pronto?
Neder – As obras estão no ritmo normal. No próximo ano iremos para lá. Mas temos lá um problema que é a ponte. As avenidas estão prontas, mas falta a ponte, um obra do Estado. Mas os representantes do poder executivo estadual se comprometeram a construir a ponte. Conversamos com o governador que nos garantiu essa construção.
Circuito : As construções que vem sendo feitas hoje na UFMT atenderão a quais áreas?
Neder: Agora nós fazemos blocos didáticos. Temos feito obras para atender toda a comunidade. Desde que assumi fizemos 120 obras, entre novas, de expansão e todas elas possuem características coletivas. Nesse momento estamos com um bloco na região do Instituto de Linguagens, Comunicação e Educação, temos ali ao lado da FAEC (Faculdade de Economia) um bloco que a gente chama de Humanitas com biblioteca e auditória para a área de humanas. Temos aqui do lado das engenharias um bloco didático, além de duas outras construções para a área da física e outro bloco interdisciplinar. Temos construções em todos os campi. E essas obras estão todas cobertas com recursos.
Circuito: O modelo de política expansionista é criticado por algumas pessoas que dizem que ela é feita mesmo sem estrutura e capital humano para absorver a nova demanda. Como a senhora avalia esta crítica?
Neder: Essa crítica não é pertinente. Estamos hoje com 1800 professores, frutos de uma política de expansão. Quando você traz esses professores, a maioria doutores, o que oportuniza para a universidade? Que ela abra cursos de mestrado e doutorado. De 2008 para cá passamos de 17 para quase 60 cursos de mestrado e doutorado. Além de mais de uma centena de cursos de graduação. Isso só é possível porque temos uma estrutura de pessoal que acompanha a abertura de expansão dos cursos. Todos os cursos que foram abertos na universidade no processo de expansão vieram dentro de um programa chamado Reuni, que é um programa de expansão e reestruturação das Universidades Federais, que apresentaram suas respectivas demandas. Em termos de investimento não posso concordar, se estamos fazendo 120 obras é porque houve investimento muito forte. Para 2016 o orçamento da universidade é de R$ 700 milhões. Há um investimento mesmo. Obviamente toda a comunidade sempre espera mais. É natural, é salutar e faz parte da vida acadêmica. Esse é o espírito da universidade, que busca sempre melhorias. Os professores também fazem parte desse orçamento. Mas não posso aceitar a tese de expansão sem investimento.
Circuito: Alguns especialistas da universidade reclamam que não foram consultados para opinar nas obras de mobilidade urbana da Copa do Mundo. O governo nunca procurou a UFMT de fato?
Neder : Não é função da universidade participar da elaboração de projetos. A universidade não é um escritório, nem atua contra as empresas. Ela auxilia quando é chamada para ajudar a resolver problemas. O governo do estado, naquela ocasião, entendeu que aqui era o espaço adequado para o COTI. Houve essa articulação. A universidade, qualquer que seja o governante do estado e dos municípios, tem buscado um diálogo franco e aberto. Agora mesmo o governo nos procurou para ajudar na questão da drenagem da Av. Fernando Corrêa e nós estamos disponíveis. Na medida em que somos procurados, atendemos, não só o Estado, mas os municípios, em relação a estudos, pesquisas e etc. Essa é uma das funções das universidades.
Circuito: Qual a situação hoje do restaurante universitário? Ele será privatizado ou passará por uma concessão?
Neder: Pela lei de carreira dos servidores técnicos não temos mais possibilidade de contratar servidores para tocar o restaurante. Merendeira, açougueiro, cozinheiro… Não existem mais essas profissões no plano de carreira. É impossível a universidade sozinha tocar o restaurante. Ou contratamos uma empresa que forneça os trabalhadores para tocar o restaurante ou contratamos um restaurante universitário. Ficamos com a segundo opção. Parece-nos que a empresa tem atendido as expectativas dos alunos. Há uma comissão formada por estudantes, professores e técnicos que acompanham o oferecimento deste serviço.
Circuito: Algumas ong’s afirmam que os animais do zoológico não vivem em condições adequadas. Como você avalia isso? Há projeto para transformar o espaço num instituto?
Neder: Chamamos carinhosamente de zoológico, mas esse espaço é fruto de recolhimento de animais que estavam sofrendo maus-tratos ou foram abandonados. Aqui temos animas trazidos pelo Ibama, pela Sema, pela Polícia Federal, pela polícia rodoviária e eles não podem simplesmente serem tirados ou devolvidos à natureza. Não se trata de um zoológico.
Circuito : 2016 é seu último ano como reitora da UFMT. Tem planos para o futuro? Pretende investir na carreira política?
Neder: Não penso no futuro. Tenho alguns projetos pessoais, talvez fazer um pós-doutorado. Estou focada na administração da Universidade, tenho que dar conta da minha missão. Espero que até o final da gestão consiga realizar todos os projetos propostos durante minha campanha para reitoria
Confira detalhes da reportagem na edição 568 do jornal Circuito Mato Grosso