O ano de 2015 deve ficar marcado na vida da população mato-grossense que assistiu, perplexa, o ruir de patrimônios políticos que por décadas pairavam sobre o Estado como forças que, ao contrário do que muitos previam, não conseguiram escapar impunemente de suas ações espúrias. Se por um lado o povo, e parte dos apoiadores dessas pessoas, contemplam a realidade com assombro, do outro, aos agentes públicos envolvidos, resta apenas a resignação frente aos órgãos de controle, como Ministério Público, polícias etc.
A divulgação nos meios de comunicação das prisões realizadas pela Polícia Federal (PF), Polícia Judiciária Civil (PJC), o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), pode resultar na impressão, em parte das pessoas, de que corruptores e corrompidos ocupam todos os espaços da administração pública e que, antigamente, não havia tantos casos de crimes contra o patrimônio público.
Essa impressão é rechaçada por um dos promotores do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT), Clóvis de Almeida Júnior. Titular da 36ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa, Clóvis pediu uma liminar suspendendo a execução do contrato denominado “MT Digital” – uma iniciativa de R$ 430 milhões, que visava à informatização da burocracia estadual, mas que trazia consigo vícios, como a precificação de serviços sem verificar no mercado o preço praticado por outras empresas, em 2014.
Para o membro do MPE-MT a corrupção presente na esfera pública hoje “não é menor nem maior do que já foi”.
“Não acho que a corrupção tenha sido maior ou menor do que sempre foi. O que houve foi uma melhora nas condições de trabalhos dos servidores que viabilizaram mais investigações, além do espaço na mídia dedicado a esses casos”, disse ele.
Indagado qual seria hoje o principal desafio do combate à corrução no Brasil, Clóvis aponta que a educação tem papel decisivo na formação dos cidadãos e cidadãs e sugere que a correlação entre o ensino formal e a participação familiar pode ensejar novos valores, que serão cultivados na fase adulta.
“Hoje o combate à corrupção é feito de maneira repressiva. Ele precisa existir, mas temos que começar pela educação, devemos investir na inter-relação entre a família e a escola. O grande desafio hoje é incluir a cidadania dentro da formação do brasileiro para que ele leve essa noção de ética na vida adulta”.
Na mesma linha, o Defensor Público do Estado, João Augusto de Sanctis Garcia, afirma que, apesar de ser difícil prever as consequências dessas investigações e prisões que atingem pessoas influentes, deve-se celebrar que não são apenas os pobres que estão sendo presos.
“É difícil verificar o resultado final dessas investigações, mas o que é bom e inquestionável é verificar que não são apenas os pobres que estão indo para a cadeia. Infelizmente o brasileiro tende a tratar a coisa pública como alheia”.
PJC prendeu o ex-governador
Dados da assessoria da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso (PJC-MT) apontam que a corporação possui 10 operações realizadas por meio da Delegacia Especializada em Crimes Fazendários e Contra Administração Pública (DEFAZ). Sete destas estão inseridas na operação da Segurança Pública denominada KARCHARIAS. A operação KARCHARIAS foi lançada em maio deste ano para conclusão de 200 inquéritos de corrupção em trâmite na DEFAZ (100) e nas delegacias do interior (100). Foram concluídos 229 inquéritos ao todo.
Vale destacar que, pela primeira vez na história de Mato Grosso, um ex-governador do Estado foi preso em investigação de uma unidade policial de esfera estadual, caso da PJC, durante a operação SODOMA
A prisão preventiva do ex-governador Silval da Cunha Barbosa (PMDB) e dos ex-secretários Pedro Jamil Nadaf (Indústria e Comércio) e Marcel Souza de Cursi (Fazenda) ocorreu em virtude de irregularidades na concessão de incentivos fiscais por meio do Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (PRODEIC-MT), que era concedido mediante pagamento de propina. O trio foi detido pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa e encontram-se no Centro de Custódia de Cuiabá.
Outras operações importantes também foram deflagradas pela DEFAZ, como a BBPAGUE II, que apura o desvio de aproximadamente R$ 87 milhões da chamada “Conta Única” do Estado de Mato Grosso, que é uma conta corrente bancária onde ficam concentrados todos os recursos financeiros do poder executivo estadual.
A operação TREDO também merece ser mencionada. A iniciativa visa combater fraudes no Sistema de Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), da Secretaria de Fazenda do Estado de Mato Grosso (SEFAZ-MT). Cinco mandados de prisão (3 preventivas e 2 temporários) e 10 buscas e apreensão foram cumpridos. Calcula-se que entre os meses de junho e novembro de 2015 o prejuízo para os cofres públicos alcançaram a quantia de mais de R$ 7 milhões, a maior já existente no País.
Outra operação importante, que chegou a prender um servidor enquanto trabalhava no Instituto de Terras Mato-Grossenses (INTERMAT-MT), foi a DRÍADES. Donizete Sena Rodrigues foi detido com a posse de documentos e processos de interesse do INTERMAT. Sena é acusado de corrupção e supressão de documento público.
MPE no encalço dos políticos
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) também tem sido recorrente nas operações de combate à corrupção e ao crime organizado. Desde a deflagração da 5ª Fase da Operação ARARATH, em maio de 2014, – quando políticos como Éder Moraes e José Geraldo Riva foram presos acusados de comandarem uma quadrilha que cometia crimes como lavagem de dinheiro utilizando “factorings” de fachada – o órgão vem realizando sucessivas ações para suprimir esquemas fraudulentos envolvendo a administração pública.
De acordo com dados fornecidos pela assessoria de comunicação do MPE-MT, em 2015, foram realizadas 07 operações com 229 bens indisponibilizados. Ao todo, 47 pessoas foram presas e 42 buscas e apreensões efetuadas.
Entre as iniciativas que merecem destaque, a operação IMPERADOR foi uma das mais importantes. Deflagrada no dia 21 de fevereiro de 2015, e realizada pelo GAECO, as diligências efetuaram a prisão do ex-presidente da Assembleia Legislativa, José Geraldo Riva, acusado de desvios de dinheiro público por meio de licitações e pagamentos fraudulentos envolvendo cinco empresas do ramo de papelaria, todas de “fachada”.
Para se ter uma ideia, em apenas um ano, essas empresas venderam mais de 30 mil toners à AL que, na época dos fatos, contava com apenas 150 impressoras. Suspeita-se que mais de R$ 60 milhões tenham sido desviados dos cofres públicos. A 2ª Fase da Operação IMPERADOR também mobilizou um grande contingente de profissionais. Realizada no dia 09 de junho de 2015, por meio dela decretou-se o sequestro de cerca de 110 imóveis (urbanos e rurais), 31 veículos e 01 aeronave, de propriedade de um dos denunciados.
Ainda em junho de 2015, no dia 12, a operação OVERBOOKING, também do GAECO, pretendia apurar fraude à licitação e seus respectivos pagamentos, referentes à contratação de empresa de prestação de serviços de transporte aéreo para diversas Secretarias do Estado de Mato Grosso, nos anos de 2013 e 2014. O valor global ultrapassa R$ 8 milhões.
Em 1º de julho, Riva, mais uma vez, foi “vítima” do GAECO. A operação VENTRÍLOQUO, que “não possui qualquer relação com a OPERAÇÃO IMPERADOR deflagrada em fevereiro deste ano, nem tampouco com a OPERAÇÃO ARARATH, tratando de fatos totalmente diversos”, como fez questão de sublinhar o MPE-MT, assinala que o ex-presidente da AL-MT comandava um “bando que atuou no âmbito da Assembleia Legislativa nos anos de 2013 a 2014 e desviou aproximadamente R$ 10 milhões”, de acordo com informações da assessoria.
Os fatos apurados até então davam conta de “prática de peculato, constituição de organização criminosa e lavagem de dinheiro”.
A operação METÁSTASE , deflagrada em setembro de 2015 pelo GAECO em conjunto com o Núcleo de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa do MPE-MT, investigava desvios da ordem de R$ 2 milhões dos cofres da AL-MT. Sua segunda fase, denominada CÉLULA MÃE, levou Riva novamente à prisão.
A operação OURO DE TOLO também merece destaque, afinal, em razão dela, a ex-primeira dama de Mato Grosso, Roseli Barbosa, foi presa. Ela é suspeita de liderar um esquema que vigorou entre 2011 e 2014, período em que ficou à frente da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (SETAS-MT). Segundo investigações, foram criadas instituições sem fins lucrativos, que após firmarem convênios com a pasta comandada por Roseli, repassavam 40% dos recursos para ela e 24% para o então chefe de gabinete de Silval Barbosa, Silvio Cesar.
Polícia Federal também deflagrou Araratah
A Polícia Federal (PF) também vem ajudando no combate à corrupção e ao crime organizado que atua em Mato Grosso. As 24 operações deflagradas pelo órgão, subordinado ao Ministério da Justiça (MJ), referem-se, em sua maioria, ao tráfico de entorpecentes ou exploração econômica ilegal, como a operação SETE DE SETEMBRO, que denunciava a extração irregular de areia, argila e cascalho no Rio Sete de Setembro, no município de Canarana (827 Km de Cuiabá).
Entretanto, em seis oportunidades, a Polícia Federal desarticulou esquemas de corrupção em Mato Grosso: a primeira delas, a operação CARONTE, em conjunto com a ControladoriaGeral da União (CGU), tinha como objetivo combater uma associação criminosa responsável por fraudes a licitações de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A quadrilha agia em Cuiabá e Sapezal (473 km da Capital).
Outra delas, a operação PROTHEUS, visava desarticular uma organização criminosa que há mais de dez anos desviava recursos públicos de munícipios em Mato Grosso, através da prática de fraude a licitação, falsidade ideológica, superfaturamento de preços, corrupção ativa e passiva. As fases VII, VIII, IX e X da operação ARARATH que, segundo informações da Polícia Federal, foi responsável pelo desvio de mais de R$ 313 milhões dos cofres públicos do Estado, também foram responsabilidade da corporação.
Confira reportagem na íntegra na edição 567 do jornal Circuito Mato Grosso