Opinião

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

Trinta dias se passaram do desabamento da barragem da Samarco, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, Minas Gerais. Por vinte minutos, a tarde foi musicada pelo badalar uníssono dos sinos das igrejas de Mariana e de mais 79 cidades. Os toques fúnebres relembraram a trajédia que deixou quinze mortos, quatro desaparecidos, centenas de feridos e desabrigados e um desastre ambiental de dimensão incalculável.

A uma altitude de 500 metros, na Serra da Mantiqueira, nasce o rio Doce.  Percorre Minas Gerais e Espírito Santo e por 853 quilômetros vai recebendo águas do Xopotó, Piracicaba, Casca, Santo Antônio, Manhuaçu, Guandu, São José e tantos outros até se misturar às águas do Atlântico. O lendário rio Doce vem sendo palco para muitas histórias, dentre elas pode ser citada a guerra aos índios “Botocudos”, decretada por Carta Régia de D. João VI, assim que chegou ao Brasil, fugindo das tropas napoleônicas.

“Botocudo” é uma denominação errônea e genérica recebida dos colonizadores portugueses e atribuída às diferentes etnias do tronco linguístico Macro-jê, em alusão ao uso de botoques labiais e de auriculares. À época, estavam localizados no sul da Bahia e no vale do rio Doce, além do norte do Espírito Santo e Minas Gerais. A efetiva ocupação do vale do rio Doce pela Coroa Portuguesa, com fins econômicos de expansão comercial e territorial da Capitania de Minas Gerais, atingiu de modo violento os “Botocudos” que, como uma lama, soterrou povos autóctones, de culturas milenares. 

“Por quem os sinos dobram”? A lembrar do filme norte-americano de 1943, que abordou a guerra civil da Espanha (1936-1939), a Guernica de Picasso, com 400 mil mortos, os sinos dobram pelo rio Doce. O rio dos “Botocudos”, da etnia Krenak e de tantas outras, dos moradores de Bento Rodrigues, dos seres sobrenaturais, dos peixes, da vegetação, da fauna, da flora, do mar, da Terra de todos os homens. Que continuem a dobrar os oitenta sinos de Mariana e de cidades adjacentes, a percutir sons agudos e graves que, como vozes, denunciam mais uma brutalidade da ambição desmedida.  

Anna Maria Ribeiro Costa

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Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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