Cidades

População se mobiliza contra novas centrais hidrelétricas

Manifestantes se mobilizaram e impediram a realização de audiências públicas da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) para a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), alertando para o prejuízo ambiental, social e econômico que esses empreendimentos têm ocasionado em todo Mato Grosso.

No dia 17 de novembro, aproximadamente 80 pessoas, entre pescadores, trabalhadores rurais e estudantes, conseguiriam cancelar a audiência marcada para discutir o Estudo de Impacto Ambiental da implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no rio Juba, em Barra do Bugres. Um dia depois, outra audiência foi cancelada no município de Tangará da Serra.  

Os manifestantes reivindicam ações mais concretas para que os impactos socioambientais decorrentes das obras sejam minimizados, especialmente em relação à inundação do Assentamento Antônio Conselheiro, localizado entre os municípios de Barra do Bugres e Tangará da Serra. 

Eles alegam que as obras causarão enormes prejuízos, já que existem outros quatro empreendimentos hidrelétricos (duas grandes usinas e duas PCHs), que barram as águas no Juba, secando o rio e impedindo a procriação dos peixes. As discussões estão sendo acompanhadas pelo Ministério Público Estadual (MPE) e a expectativa é de que o órgão possa intervir, minimizando o impacto inerente à implantação das pequenas centrais.   

A conscientização das comunidades afetadas pelos empreendimentos hidrelétricos se deve, em grande parte, ao projeto de extensão "Percepção das comunidades ribeirinhas afetadas e potencialmente afetadas pela proliferação de hidrelétricas no Sistema Bacia do Alto Paraguai/Pantanal", coordenado pela professora Solange Ikeda, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) de Cáceres.

“Desde 2012 a gente está em contato com esses pescadores, assentados e as comunidades ribeirinhas para informar como eles podem ser afetados. Onde você tem uma barragem, o peixe não consegue subir para se reproduzir e a pesca acaba. É o que já acontece no rio Jauru, onde todos os pescadores ficaram sem fonte de renda e sem nenhum auxílio dos empreendedores e nem do Poder Público, e no próprio rio Juba”, explica Débora Calheiros, bióloga da EMBRAPA Pantanal/UFMT, que há mais 25 anos estuda os rios da região.    

Ao todo, são 11 hidrelétricas previstas para o rio Juba, das quais quatro já estão operando e mais 16 no rio Sepotuba, onde uma unidade já está ativa. Como os empreendimentos hidrelétricos estão entre os mais rentáveis do setor hídrico, o problema cresce a cada dia. A previsão é de que sejam construídas 162 PCHs, das quais 44 já estão em operação, em vários rios de Mato Grosso.  

Cabe ressaltar que a proliferação de empreendimentos hidrelétricos tem se desdobrado sem o planejamento adequado, em dissonância com as prerrogativas legais. Pela lei de Recursos Hídricos (9.433 de 1997) e também de acordo com a 1ª resolução de 1986 do Conama, a avaliação de impacto ambiental deve ser elaborada em nível de bacia hidrográfica – o que não tem acontecido.   

“Pela lei, a avaliação tem que ser feita em nível de bacia hidrográfica, mas isso não está sendo respeitado e os empreendimentos são avaliados de forma isolada. O estudo deveria ser feito na bacia do alto Paraguai ou no mínimo na bacia do Sepotuba, pra que se possa saber como a região vai ser afetada”, pontua a bióloga. 

Ela ainda afirma que os governos estadual e federal nunca intervieram para que fosse cumprido o que determina a lei. No entanto, pesquisadores se uniram à sociedade civil organizada e conseguiram viabilizar o plano de bacia no final de 2012. Agora, os envolvidos aguardam o resultado para saber mais precisamente como as mudanças vão afetar a região.

Presidente da Colônia Z 10 (que representa quase 500 pescadores de nove municípios mato-grossenses) no município de Barra do Bugres, José Viana Neto é testemunha de que os prejuízos vão bem além das áreas onde são implantados os empreendimentos. “Isso está afetando o Estado inteiro, porque eles colocam barragem, mas não tem escada pro peixe subir e o peixe não sobe pelas turbinas. Então pescar hoje está ficando cada vez mais difícil e eles querem piorar ainda mais”, alerta.  

As novas PCHs pertencem ao mesmo grupo que empreendeu no rio Jauru, onde a pesca foi completamente afetada, acabando com o sustento dos pescadores da região. Motivo de preocupação não só para quem ainda consegue sobreviver da pesca, mas para toda a população que, direta ou indiretamente, é afetada pelo impacto ambiental desses empreendimentos. 

“Não é como antigamente, mas ainda dá pra sobreviver. Mas, se a gente não cuidar dessas PCHS vai ficar complicado, porque o rio Jaú, por exemplo, já secou e o Juba também está  sendo muito afetado. Então estamos nessa luta, junto com o pessoal do assentamento, com os pesquisadores e a sociedade toda, porque é ruim pra todos. Eles remarcaram a audiência e nós vamos lá de novo manifestar”, diz o presidente da Colônia Z10 de Barra do Bugres. 

Devido à falta de planejamento e avaliação adequada, o Pantanal – maior planície alagável do mundo – está ameaçado por grande número de barragens para geração de energia hidrelétrica, previstas para a Bacia do Alto Paraguai (BAP). O Pantanal depende do pulso das cheias dos diversos rios nas épocas certas e essa dinâmica acaba sendo fortemente alterada pelas barragens. Além do fator ambiental, o problema social é muito grande, já que a pesca é uma das principais atividades econômicas da planície pantaneira. 

Como as tradicionais comunidades ribeirinhas e os demais envolvidos muitas vezes não têm acesso a informações importantes, a atuação dos pesquisadores tem sido de fundamental importância. “Nosso papel como pesquisador é levar informação à sociedade. Muita gente depende da pesca, a atividade é uma das que mais gera empregos. A gente está tentando evitar que esse erro aconteça novamente. Esses empreendimentos passam por cima de todos. Pra você ter ideia, uma área de assentamento vai ser inundada e ninguém foi avisado ou consultado. O Brasil precisa de energia, mas qual é o limite?”, questiona Débora. 

Thales de Paiva

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