Cidades

Justiça Federal anula leilão do terreno do Cais José Estelita

Várias manifestações ocorreram no Cais José Estelita nos dois últimos anos. Os galpões não chegaram a ser demolidos para início das polêmicas obras (Foto: Luna Markman/ G1)

A compra do terreno do Cais José Estelita, na área central do Recife, foi anulada por uma decisão do juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, da 1ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco. A decisão — publicada na sexta (27) e divulgada neste sábado (28) — também determina que o poder público deve se abster de autorizar todo e qualquer projeto no entorno do Forte das Cinco Pontas, incluindo o Cais. Ainda cabe recurso à decisão.

O terreno pertencia originalmente à Rede Ferroviária Federal S.A (Refesa) e foi arrematado em 2008 pelo Consórcio Novo Recife para construção do projeto Novo Recife. Em nota, o Consórcio informou não tem conhecimento desta decisão, "mas tão logo intimado adotará de imediato as medidas cabíveis". O projeto, que despertou bastante polêmica nos últimos dois anos, ele prevê a construção de 12 torres, residenciais e comerciais, na área. Em outubro, Polícia Federal anunciou investigações sobre uma suposta fraude no leilão para compra do terreno.

A decisão desta sexta – processo nº 0001291-34.2013.4.05.8300 – determina que o Consórcio Novo Recife restabeleça o estado anterior em que o local estava. “Certamente os danos ambientais e históricos ao patrimônio e memória causados pela atuação do consórcio devem ser reparados. Entendo que o Consórcio fica obrigado a promover a restauração e o retelhamento”, afirma Liana Cirne Lins, professora de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A sentença atende a um pedido do Ministério Público Federal condena o Consórcio Novo Recife a devolver o patrimônio público em até trinta dias e determina que a Prefeitura do Recife, a União Federal e o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) “se abstenham a autorizar todo e qualquer projeto que controverta ao ambiente histórico, paisagístico, arquitetônico e cultural das áreas do entorno do Forte das Cinco Pontas, incluindo o Cais José Estelita, sob as penas da lei”.

O texto ressalta que o Iphan não se pronunciou sobre o interesse histórico da área antes da sua venda e não houve estudo prévio de impacto, especialmente de vizinhança (EIV), ou pareceres do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) e da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Ainda foi registrada a falta de um Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório (EIA/Rima), exigido pela Resolução 001/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O G1 entrou em contato com a assessoria de comunicação do Iphan, mas ainda não recebeu retorno.

'Conquista da sociedade'
Para Liana, foi uma grande conquista da sociedade. "É a vitória do Direito sobre o poder econômico e restaura nossa confiança na Justiça”, afirma Liana. Ela explica que, ao longo do processo, houve decisões liminares, mas essa é a primeira sentença de mérito que sai. “E ela é favorável à tese da sociedade civil, do Ministério Público”, esclarece.

Desde que foi criado, o projeto provoca polêmica, protestos e ações judiciais. Cinco ações tramitam questionando o Novo Recife: uma civil pública do Ministério Público estadual, uma do Ministério Público federal e três ações populares. As ações populares pedem a nulidade do ato administrativo do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), que aprovou a proposta imobiliária no fim de 2012. Em junho de 2014, a Justiça Federal chegou a alertar o Consórcio sobre a proibição de obras no local.

Ainda cabe recurso à decisão da Justiça que anula o leilão do terreno, ocorrido em 2008 (Foto: Reprodução)

O juiz argumenta que o projeto Novo Recife inclui “um sequencial de torres que esbarram com o perfil arquitetônico e paisagístico da área. (…) “há muito mais de valor histórico, paisagístico, ambiental, social e político a proteger que as economias, sempre sequiosas, dos afortunados de momento, não raro consorciados a setores do Poder Público”.

 

A decisão salienta ainda que “vender uma área pública à iniciativa privada, sobretudo quando interesse público subjacente se acha ativado, não justapõe exatamente situações comparáveis para possibilitar juízo discricionário algum. Antes o contrário: descabe ao Poder Público optar pelo privado no detrimento do público”.

Recurso
Liana Cirne explica que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) pode ainda modificar de modo definitivo a decisão. "O mais preocupante para a sociedade civil é a possibilidade de concessão de uma decisão liminar que venha suspender a decisão quanto aos órgãos públicos não autorizarem", alerta.

Prefeitura
Na última sexta-feira (27), uma reunião no Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) na Prefeitura do Recife, discutiu o redesenho arquitetônico do projeto, uma nova proposta do Consórcio Novo Recife a partir de diretrizes estabelecidas pela Prefeitura e anunciadas em novembro de 2014. No entanto, o projeto não pode ser votado porque Alexandre Santos, representante do Clube de Engenharia, pediu vistas. O projeto deve voltar a ser discutido na próxima reunião do conselho marcada para o dia 18 de dezembro.

Reunião do CDU discute nova proposta do Consórcio Novo Recife para o projeto no Cais José Estelita (Foto: Thays Estarque/G1)

Na sexta, o superintendente do Iphan em Pernambuco, Frederico Almeida, concordou com o pedido de vistas. "Eu acho que ainda há questões a serem esclarecidas. Por causa dessa investigação é um momento inoportuno e devemos ter cautela. É um projeto muito complexo e polêmico. Ele transcende a questão legalista, impacta a cidade", disse.

Entre os pontos alterados no projeto original estão a construção de 200 habitações para os moradores carentes que já residem na área e 10 mil metros de área ofertada para o comércio, com um dos pontos na Avenida Dantas Barreto. Foi proposta ainda uma rotatória no entorno do Forte das Cinco Pontas como solução para o possível engarrafamento com a derrubada do viaduto. "Essas mudanças foram apresentadas em julho deste ano à Prefeitura", disse Paulo Roberto Barros da Silva, arquiteto do Novo Recife, durante a reunião.

Uma faixa com os dizeres "A cidade é nossa ocupe-a" foi estendida na grade que cerca a prefeitura do Recife pelos integrantes do movimento Ocupe Estelita, que é contrário ao projeto Novo Recife.  "Esse projeto vai prejudicar muito a cidade. O CDU é um órgão defasado, esse tipo de apresentação deveria acontecer no Conselho da cidade, em reuniões abertas à sociedade civil. A gente já tem que se preparar para não deixar que essa votação aconteça”, argumenta a psicóloga Maria Heráclio, de 25 anos, integrante do Ocupe Estelita.

Entenda a polêmica
Em dezembro de 2013, a Prefeitura do Recife aprovou o projeto imobiliário que pretende construir 12 torres ao longo do Cais José Estelita, exigindo novas ações mitigadoras – aquelas tomadas para compensar os possíveis danos causados pela construção. O valor da compensação subiu de R$ 32 milhões para R$ 62,7 milhões, com a inclusão de biblioteca, túnel e um parque linear, entre outros itens. Um termo de compromisso entre a gestão municipal e consórcio de construtoras responsável pelo Projeto Novo Recife foi assinado na ocasião.

Decisão determina que Consórcio deixa galpões no estado anterior — antes da polêmica, telhas foram retiradas e parte de um dos galpões foi destruído  (Foto: Nilton Pereira / Acervo Pessoal)

Fonte: G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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