Passeios de barco que antes levavam turistas em Regência agora atendem pesquisadores e funcionários que trabalham com as consequências do desastre ambiental (Foto: Flávia Mantovani/G1)
A lama que desce pelo Rio Doce criou um fenômeno curioso na vila de Regência, litoral do Espírito Santo.
Por um lado, o distrito de cerca de mil habitantes está muito mais movimentado do que o normal. Nos últimos dias, o lugar virou foco das atenções no país, por ser o ponto onde a mancha marrom que desce pelo rio desagua no mar – resultado da queda de uma barragem da Samarco (cujos donos são a Vale e a BHP Billington) no dia 5 de novembro em Mariana, Minas Gerais.
Autoridades, pesquisadores, funcionários de empresas ligadas ao desastre ambiental, jornalistas e curiosos enchem as ruas de terra onde antes só andavam moradores e turistas interessados em tranquilidade e boas ondas para surfar.
Eles ocupam os quartos de algumas pousadas, lotam o restaurante do posto de gasolina até a madrugada e alugam passeios de helicópteros para vistorias aéreas em um estabelecimento que antes só alugava caiaques e jet skis.
Por outro lado, donos de pousadas, restaurantes e lojas amargam os prejuízos do cancelamento de reservas dos turistas tradicionais que viriam no fim de ano. Eles desistiram após ver as imagens do mar tingido de marrom pelos resíduos de mineração.
Das pousadas aos campings, do lugar que vende passeios ecológicos à loja de materiais de construção, os prejuízos imediatos e a apreensão em relação ao futuro do balneário são a tônica das conversas.
Isso fora a tristeza de ver o que aconteceu com o rio e o mar, com os quais os moradores de Regência têm uma relação íntima. “Quem estás de fora não consegue entender o amor que a gente tem por esse rio que nos dá a sobrevivência e o lazer. É como perder um membro da família”, diz o comerciante Messias Caliman.
'Era para ser o nosso ano'
Messias, que é presidente da Associação Comercial de Regência, diz que a comunidade esperava um verão mais pujante do que o normal. “Esse era para ser o nosso ano. Quase nunca temos reservas para o Natal, mas desta vez tínhamos várias. Agora as pessoas cancelaram, porque não sabem o grau de contaminação da água. Para que elas vão vir para cá se não podem nadar ou surfar?”, questiona.
A expectativa era mesmo grande, confirma Sérgio Missagia, dono de uma pousada. Com a crise econômica, muitos moradores do Sudeste preferiram viajar para destinos nacionais próximos de casa. “Esperávamos uma avalanche de reservas e o que veio foi uma avalanche de lama”, diz.
“Usei o adiantamento dos clientes para comprar roupa de cama de 300 fios, colchões extras, para receber os hóspedes com conforto. Todos cancelaram. Agora preciso devolver um dinheiro que eu já gastei”, lamenta.
Prestes a realizar um projeto de vida planejado há mais de dez anos, Jezrael Correa também está preocupado. Ele construiu uma casa de shows que seria inaugurada no fim de novembro. Demitiu-se do seu emprego para tocar o negócio, mas está apreensivo com a fuga de turistas da vila. “Não sei como vai ser”, diz.
Robson Barros, presidente da Associação de Surfistas de Regência e dono de um camping e hospedaria, reclama da falta de informações por parte da Samarco e do poder público. “Queremos um laudo rápido sobre a qualidade do mar. As pessoas querem saber e eu não consigo passar uma resposta porque está tudo no ar. Isso está deixando a gente aflito”, diz ele, que também é autor de um site com notícias sobre surfe na vila.
Robson explica por que Regência atrai tantos surfistas. “É como um Havaí brasileiro. A gente tem condições para o tubo perfeito e a onda perfeita. A onda na foz é muito longa, pode durar mais de 2 minutos e meio”, exemplifica.
Lama vira atração turística
Sem condições de alugar passeios de barco, jet ski e outros serviços que oferecia quando a água era limpa, o comerciante Fábio Gama passou a oferecer voos de helicóptero para especialistas e membros do poder público sobrevoarem o rio e o mar para acompanhar a situação da água. “Eu já pensava em ter esses voos para visitantes na alta temporada. Quando veio a lama, resolvi começar antes”, relata.
Mas os passeios aéreos também atraem turistas, que querem ver e fotografar a mancha de lama que ficou famosa nos noticiários. “Eles têm curiosidade de ver essa mancha enorme avançando no oceano. A demanda é grande, já vendi o passeio para mais de 30 turistas do Brasil e até de fora do país. Isso está ajudando um pouco a empresa”, conta.
Para o advogado José Buaiz, que veio de Vitória para representar comerciantes de Regência que pretendem recuperar o prejuízo na Justiça, a movimentação na cidade devido à chegada da lama é um paliativo para o bolso dos moradores, mas tem um lado negativo.
“Pode ser um alento, mas pode ter um efeito perverso, porque eles precisam contratar mais gente e investir mais para atender uma demanda que é temporária. Estão gastando a última respiração deles para dar conta. Mas não sabemos quanto tempo vai durar todo esse clamor.”
Fone: G1