Eyad Abuharb já trabalhava como chef de cozinha na Síria (Foto: Paula Paiva Paulo/G1)
Alguns eram médicos, engenheiros e contadores na Síria. Outros já trabalhavam como chefs ou padeiros. Por profissão ou necessidade, alguns refugiados estão ganhando a vida em São Paulo vendendo pratos típicos de seu país.
Pinheiros, Brás e Santana são três bairros que já têm restaurantes e lanchonetes abertos por imigrantes que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor longe da guerra. Outros cozinham em casa e vendem pratos salgados e doces por encomenda.
Para os paulistanos, é uma chance de provar opções já conhecidas do nosso paladar, como quibe, esfiha, homus e coalhada, mas também pratos mais exóticos, como o shawarma de fígado de frango (espécie de sanduíche com pão sírio e outros ingredientes) e o maamoul de caju (doce de semolina com recheio da fruta).
Os preços são competitivos: há doces por R$ 2, esfihas por R$ 3, sanduíches por R$ 9 e pratos para duas pessoas por R$ 25.
Desde 2011, mais de 2 mil sírios chegaram ao Brasil e a previsão é que esse número continue a subir. Há quatro anos, 25% dos pedidos de refúgio concedidos pelo Ministério da Justiça são para sírios.
Padeiro faz doces em Pinheiros com pistache e tâmaras importadas
Pistache, damasco, nozes, ameixa, caju, tâmaras… Com recheios variados como esses, os doces árabes da Damascus atraem a vizinhança em Pinheiros, onde fica a lanchonete. O nome é uma homenagem à capital síria, cidade de origem dos cinco proprietários.
Um deles é Said Mourad, que atende com atenção os clientes no estabelecimento que toca com o filho, o genro e mais dois conterrâneos. A falta de domínio do português não é problema: a comunicação flui e o lugar já tem fregueses fiéis. Said é ortopedista e tinha seu próprio hospital na Síria. “Deixei tudo para trás. Precisamos viver uma vida”, diz ele, que está no Brasil há oito meses. Entre filhos, genros, noras e netos, 16 membros da família já estão em São Paulo.
Os doces da Damascus são feitos por Tarik Balbke, de apenas 20 anos, que já trabalhava como padeiro na Síria. Alguns ingredientes são importados do Líbano e da Síria. Um dos quitutes mais atraentes é o “maamoul”, que ganhou até uma opção abrasileirada sabor goiaba. “Nosso tempero é especial. E todo dia temos uma coisa nova”, ressalta Said.
Na Síria, o engenheiro civil Jehad Alhafi, de 41 anos, era dono de fábricas de filtros de água. As bombas da guerra destruíram tudo. Além dos prejuízos materiais, também perdeu parentes. Há um ano e meio, veio para o Brasil e alguns meses depois conseguiu trazer a esposa e os quatro filhos. O que mais gostou no país? “Os brasileiros e a democracia”, afirma.
Em Santana, na Zona Norte, abriu a Casa Narguile, de tabacaria e comida árabe. Uma caixa de som toca música árabe na porta. Os vizinhos do espaço já aprenderam a famosa saudação árabe e dizem ao passar: “Salamaleico”. Lá, Jehad conseguiu unir uma tradição de seu país com uma moda entre os jovens paulistanos: o narguile, um cachimbo de água que se fuma tabaco aromatizado. Amigos vão em grupos para fumar narguilé e comer o famoso shawarma, além de outras iguarias arabes como falafel, homus e baba ganoush.
Entre dezenas de lojas de roupas no Brás, região central da cidade, um toldo vermelho chama atenção. É o restaurante Ogarett, aberto há dois meses pelo refugiado sírio Eyad Abuharb, de 25 anos. Ele veio para o Brasil porque “na Síria não tem mais vida”. Deixou pai, mãe e três irmãos. Está preocupado com a família e quer que eles venham para o Brasil, mas, questionado se gostaria que eles fossem para a Europa, responde: “Para eles morrerem no mar?”
Na Síria, Eyad já trabalhava como chef de cozinha. Segundo ele, isso o ajudou a arrumar emprego aqui quando chegou, há um ano e sete meses. O restaurante já tem planos de expansão, e irá ocupar uma esquina inteira no Brás. Não fecha nenhum dia da semana.
O carro-chefe é o shawarma, sanduíche típico feito de pão sírio, pasta de alho, picles, batata frita (dentro do shawarma mesmo) e frango. Os clientes também poderão encontrar o famoso kafta e o sujek, um sanduíche de carne picante.
Serviço:
Ogarett
Endereço: Rua Doutor Ornelas, 150, Brás
No Brasil desde dezembro de 2013, o engenheiro Talal Al Tinawi e sua família fazem salgados, pratos e sobremesas por encomenda em seu apartamento no Brás. Por enquanto os clientes precisam buscar a comida lá, mas a ideia é expandir: ele criou uma campanha de financiamento coletivo para tentar financiar um restaurante.
As recompensas para quem contribuir vêm em forma de refeições no futuro negócio. A meta, afixada em R$ 60 mil, foi atingida na tarde desta segunda-feira (21), último dia da campanha.
Expansivo, Talal tem vários amigos brasileiros. Ele, a mulher, Ghazal, e o filho adolescente, Riad, fazem a comida. Yara, a filha do meio, ajuda a cuidar da caçula – Sara, de sete meses, que já nasceu no Brasil.
Mãe de quatro crianças, Muna Darweesh, de 35 anos, faz por encomenda pratos salgados e doces do seu país de origem. A clientela é metade de conterrâneos, metade de brasileiros, e o cardápio é vasto: falafel, coalhada, homus, esfihas, chawarmas, quibes e baba ganoush são alguns exemplos.
Os clientes buscam as encomendas em sua casa ou ela combina de entregá-las em estações de metrô. Às sextas, das 11h às 15h, Muna vende doces em frente à Mesquita Brasil, na Avenida do Estado.
Formada em Literatura Inglesa, ela conta que cozinhava apenas para a família na Síria. Sem conseguir outro emprego em São Paulo, decidiu vender os pratos. O marido, que era engenheiro marítimo no país de origem, não trabalha aqui. O casal tem uma menina de 7 anos, dois garotos gêmeos de 4 e um bebê de 2 anos.
Fonte: G1