As prisões dos ex-secretários de fazenda, Marcel de Cursi, Pedro Nadaf (Casa Civil) e o mandado de prisão do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) confirmaram as várias denúncias que o Jornal Circuito Mato Grosso vem fazendo desde o ano de 2012 sobre esquemas de renúncia e isenção fiscal. A decisão da Vara Criminal de Cuiabá foi expedida na tarde desta terça-feira (15) e faz parte de uma investigação da delegacia fazendária (Defaz) sobre lavagem de dinheiro, extorsão e corrupção, envolvendo o alto escalão do governo peemedebista. Além das prisões também foram decretados 11 mandados de busca, apreensão e condução coercitiva de testemunhas envolvidas no caso.
Uma fonte do Circuito Mato Grosso informou, com exclusividade, que Marcel de Cursi já estaria negociando uma delação para abrandar a sua situação. Além disso, a defesa de Silval já protocolou um pedido liminar de habeas corpus, nesta quarta-feira (16), para tentar revogar a decisão da juíza titular da 7ª Vara Criminal, Selma Rosane de Arruda, que determinou a prisão.
As denúncias realizadas pelo Circuito nosso jornal dão conta de que o ex-governador e seus secretários lideravam um grupo que teria desviado, por meio do Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso), da concessão indiscriminada de incentivos fiscais (por meio de decretos e sem passar pela análise técnica do conselho) e até renúncia fiscal (quando o estado deixa de receber sua tributação) em Mato Grosso, entre 2012 e 2014.
Operação Sodoma
As prisões fazem parte da 'Operação Sodoma' que investiga esquema criminoso entre gestores do alto escalão do governo Silval Barbosa. De acordo com informações da Secretária de Segurança do Estado (Sesp-MT) os pedidos de prisão foram feitos pela Delegacia de Combate à Corrupção de Mato Grosso.
Além das prisões, foi montada uma força-tarefa entre grupo operacional do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira – criado no início do ano pelo governador Pedro Taques), Ministério Público Estadual (MPE), Secretaria de Fazenda de Mato Grosso e Procuradoria Geral do Estado, com apoio do Sistema de Inteligência do Estado.
O secretário-geral do Cira, promotor Fábio Galindo, informa que a operação ocorre no curso da investigação criminal iniciada há mais de quatro meses e está amparada em ‘robusto acervo de provas’ da participação dos investigados e mediante minuciosa análise de dados e de documentos, dentro das mais modernas técnicas de Inteligência.
O secretário-geral informou ainda que agentes policiais estão agindo nos estritos termos da Lei e em cumprimento à ordem judicial expedida pela Vara de Combate ao Crime Organizado de Cuiabá.
Denúncias
Na edição de número 546, o jornal relembrou manchetes denunciando o descaso e o esquema de concessão de incentivos fiscais dados a empresas suspeitas. O ex-secretário de Estado de Mato Grosso, Pedro Nadaf, admitiu em julho deste ano, durante oitiva na Assembleia Legislativa de Mato Grosso – que liberava, junto com o ex-governador, Silval Barbosa, ‘protocolos de intenções’ para reduzir a tributação para algumas empresas no Estado. A informação foi dada pelo próprio Nadaf, durante oitiva na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Renúncia e da Sonegação Fiscal, que investiga a chamada ‘farra fiscal’ em Mato Grosso.
Primeira denúncia
Na edição número 386 (abril/2012) uma denúncia chegou à Redação do jornal Circuito Mato Grosso narrando os segredos da “caixa preta” dos incentivos fiscais, os setores beneficiados e os meios que os envolvidos vinham utilizando para “esquentar” o dinheiro obtido com essas isenções.
Nesta edição extraordinária foi relatada a denúncia da farra na Secretaria Estadual de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme) e que estaria sendo capitaneada pelo secretário Pedro Nadaf, homem forte do Governo Silval Barbosa. Incentivos fiscais estavam sendo concedidos em troca de algumas benesses. O rombo estimado na época foi de R$ 1bilhão, mesmo valor do déficit nos cofres públicos.
Segundo a denúncia, o Conselho Deliberativo dos Programas de Desenvolvimento de Mato Grosso (Condeprodemat) – criado em 2003 com a incumbência de definir os critérios para concessão de benefícios fiscais – não era convocado pela SICME há, pelo menos dois anos, deixando a decisão por contra do governador e seus secretários, através de decreto.
Segunda denúncia
Na edição 479, o Circuito Mato Grosso produziu uma matéria especial, alertando sobre a concessão de incentivo à rede de frigoríficos JBS (Friboi), e à falta de transparência da Secretaria de Fazenda. Na época, a reportagem não conseguiu junto ao órgão estadual os dados reais sobre o faturamento tributário do Estado e revelou as falhas e a falta de critério para a concessão de benefícios à rede de frigoríficos.
A denúncia era muito clara quanto aos privilégios que frigoríficos recebiam com a redução de alíquotas. Só a maior das empresas, a JBS – então com 11 unidades instaladas no Estado – recolheu apenas R$ 34 milhões de impostos em 2014. Isso significa que ela deixou de recolher, segundo fontes da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), aproximadamente R$ 400 milhões por ano aos cofres públicos.
Terceira denúncia
O então secretário da Casa Civil, Pedro Nadaf, foi denunciado em julho de 2014 (edição 495) quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), em julgamento das contas anuais de gestão da Secretaria de Estado da Casa Civil, referentes ao exercício de 2013, apurou irregularidades em despesas do governador Silval Barbosa que somavam R$ 545 mil. Nadaf alegou que elas não foram justificadas pela pasta comandada por ele e que foi multada pelo órgão de controle de despesas públicas.
Em sua defesa, Nadaf argumentou que todas as metas e avaliações necessárias foram entregues com os balanços anuais para o TCE, no entanto admitiu que a equipe da Secretaria era reduzida e podem ter ocorrido falhas na fiscalização. “A grande maioria dos servidores que trabalhavam na secretaria não era de concursados e de carreira, era de contratados. Tínhamos, no máximo, quatro ou cinco funcionários de carreira para realizar essas fiscalizações”, disse durante a oitiva.
Quarta denúncia
O Circuito Mato Grosso voltou a falar sobre o assunto na edição 498, quando a política fiscal praticada pela Sefaz usou parâmetros bastante questionáveis e teve como pano de fundo um dado alarmante: a concessão de incentivos fiscais era muito superior à arrecadação de impostos. Enquanto empresas beneficiadas com os incentivos deixavam de recolher milhões em impostos aos cofres públicos, sem comprovar o devido retorno para o desenvolvimento do estado, empresários eram massacrados com pesados impostos e multas que chegavam a até 100%.
Quinta denúncia
Em outubro do ano passado (edição 512), por meio de uma decisão liminar, determinada pelo juiz Luís Aparecido Bertolucci Júnior, da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular, ocorreu o bloqueio das contas bancárias e aplicações financeiras do governador Silval Barbosa (PMDB), do Secretário de Fazenda, Marcel Souza de Cursi e da Casa Civil, Pedro Nadaf, além do ex-secretário Edmilson José dos Santos (antecessor de Marcel), do economista Valdir Aparecido Boni e da gigante do setor frigorífico JBS.
O magistrado entendeu, na época, que o governador e seus secretários seriam responsabilizados pelo Ministério Público Estadual (MPE) por se utilizarem de normas com efeitos concretos para conferir, sem qualquer contrapartida do contribuinte, o gozo simultâneo de três benefícios fiscais, a redução da base de cálculo, crédito presumido e incentivo fiscal via PRODEIC, cumulado com o aproveitamento integral e supervalorizado do crédito de ICMS de entrada na monta de R$ 73,5 milhões. Na decisão Bertolucci determinou, ainda, a transferência do sigilo fiscal dos réus apontados na ação referentes aos exercícios de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012.
Segundo a promotora da ação, Ana Cristina Bardusco, além de violar os princípios constitucionais, a ação do Estado criou um crédito fiscal fictício e também estabeleceu um tratamento tributário diferenciado, favorecendo determinados contribuintes. O MPE destacou várias outras irregularidades no regulamento da concessão de créditos de ICMS à JBS S/A. Em trecho da ação, a promotora esclarece que ouve a exigência de que o contribuinte tivesse faturamento superior ao montante de mil vezes o limite de 1,8 bilhão. “O decreto foi editado de forma direcionada e sob encomenda, visando atingir exatamente o perfil econômico da empresa beneficiária” disse a promotora, na ocasião.
Outras denúncias que pesam sobre os ombros de Silval
Além das investigações sobre os incentivos à JBS, Silval Barbosa (PMDB), responde, no mínimo, a cinco frentes de improbidade e crimes contra a administração pública. Em uma delas ele reponde por ação de indenização. Em novembro de 2014, os Ministérios Públicos Estadual e Federal pediram o bloqueio de bens do então governador Silval Barbosa, além do secretário Extraordinário da Copa, Maurício Magalhães, e do Consórcio responsável pelas obras do VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos), por meio de ação civil pública pedindo a indenização no valor de R$ 148 milhões pela “não conclusão das obras” referente ao exercício de 2014.
Ação por Improbidade Administrativa
O Ministério Público Estadual ingressou, em dezembro de 2014, com ação por improbidade administrativa contra o então governador Silval Barbosa, por suspeita de lesar os cofres públicos em R$ 12 milhões. A ação se estende aos ex-secretários de Estado, Éder Moraes (Fazenda) e Edmilson dos Santos (MT Par), além dos irmãos advogados Kleber Tocantins e Alex Tocantins; o ex-procurador-geral do Estado João Virgílio do Nascimento Filho, a empresa Hidrapar Engenharia Civil Ltda e seu representante legal, o engenheiro civil Afrânio Brandão. Essa ação se refere a fatos derivados da Operação Ararath, com objetivo de devolver aos cofres públicos recursos desviados supostamente para o pagamento de precatórios indevidos à empresa Hidrapar.
Além disso, Silval também foi investigado na operação Ararath, durante a sua quinta fase, em maio de 2014, quando o ex-governador foi colocado no epicentro do escândalo de desvio de recursos públicos, em situação agravada pelos depoimentos do ex-secretário de Estado, e pivô nesse episódio, Eder Moraes; e o empresário e delator Gércio Marcelino Mendonça Júnior, o Júnior Mendonça, operador do esquema financeiro que teria desviado R$ 500 milhões dos cofres do Estado.
Confira detalhes da reportagem do Jornal Circuito Mato Grosso