Ela me encarava e eu olhava pra ela. Me desafiava. Meio de banda. Esbarramo-nos cada uma das muitas vezes que cruzava a avenida. Depois do segundo recuo de bateria antes da Apoteose estava encravada do lado esquerdo e se projetava sobre a pista nove metros, setenta e cinco centímetros abaixo.
Desfile vem, desfile vai, ensaios técnicos também. Um dia, depois de alguns carnavais, comecei a engendrar uma estratégia para escalar a estrutura abusada. Foi engraçado porque o problema nunca foi o eu encontraria lá em cima. Tinha certeza que a proteção seria segura. Quem colocaria em risco a vida de fotógrafos e câmeras que passavam os carnavais empoleirados no alto da passarela suspensa?
Para subir tinha que ter fôlego. Aprender a dividir o pequeno espaço dos degraus da escada que levava ao topo. Era gente subindo, gente descendo e gente que – como eu, descobriu as variadas possibilidades de planos nas grades abertas para a pista dos desfiles carnavalescos carioca.
Numa noite do início dos ensaios técnicos comecei a vencer os degraus que levavam a um dos mais belos ângulos do Sambódromo Darcy Ribeiro, na Marques de Sapucaí. Primeiro, com cara de paisagem, subi o primeiro e o segundo lance e me encostei na grade, já testando o novo ângulo. Na maior naturalidade.
Na cabeça passou um filminho de uma experiência meio aterradora que tive na famosa Sagrada Família, em Barcelona. Cheia de moral larguei meu acompanhante embaixo e, em busca de uma visão especial (que nem era tão sensacional assim já que as janelinhas das torres não dão um ângulo muito grande de visão), subi que nem cabrita a escada em caracol, numa das quinas da gigantesca construção inacabada, obra do arquiteto catalão Antoni Gaudí. Na volta vi que não havia corrimão interno. Ou seja, só havia um lado de parede para se encostar. O outro era o vazio. Com gente subindo e descendo. Resolvi o problema descendo de costas, como se estivesse subindo. Olimpicamente. Ninguém me conhecia. Um quase mico. Confesso, gelei.
E lá estava de novo disposta a checar todos os patamares (se necessário fosse) para subir na torre de TV. Ainda tinha alguns ensaios técnicos antes do carnaval. Só que alcançar ao topo não era tudo. Era necessário escalá-lo várias vezes. Se possível, uma a cada agremiação. Lembrando que antes do Grupo Especial havia o Acesso com muito mais concorrentes por noite.
E fui treinando. A parte mais difícil foi a final, onde o corrimão fica tristinho e não chega na estrutura. Nem o batismo do fotógrafo Diego Mendes, que pulava do lado sem apoio, balançando toda a estrutura, me preocupou. O que arrepiou foi o dia em que, numa troca de lentes com uma escola passando, a 18/105mm escapuliu da minha mão e foi rolando pelo parapeito em direção ao abismo. Até levar um tapão do Henrique Matos que a arremessou para a parte de dentro da passarela suspensa. “Machucou” o engate e tive que lixa-lo depois. Mas poupou um acidente mais grave ao infeliz componente que levasse uma lentada na cabeça. Dava pra matar, Deus meu!
Passei por ela na entrada do Samba In Rio, em julho, toda enfeitada de fitas metálicas na cenografia de Milton Cunha para o evento. Enquanto o coro cantava no show de Alcione, a Marrom, fiquei hipnotizada pelos reflexos das fitas. Fotografei, com a Lumix compacta e seu zoom poderoso, a dança ao vento dos fios coloridos lembrando momentos dramáticos da verde e rosa que havíamos testemunhado juntas: a borboleta fujona que hipnotizada se recusava se desviar do encantamento das câmeras da torre no enredo “Cuiabá, um paraíso no Centro da América”, em 2013. O índio que perdeu a cabeça no carro de “A festança Brasileira cai no samba da Mangueira”, em 2014. A redenção veio com o voo emocionante da Águia da Portela nesse carnaval.
A torre me deu mais uma lição antes de ser derrubada. Fiz uma foto aberta, dela enfeitada. Mas, contrariando a regra básica, achei que não era relevante e(crime!) apaguei. Mal sabia que seria nosso último contato antes da sua demolição e que, comigo, só ficariam as serpentinas que a enfeitaram na festa derradeira…