Foto: Ahamd Jarrah / Cicuito Mato Grosso
A competição no mundo capitalista não é para amadores. Na hora de aumentar os lucros e conquistar clientes que queiram adquirir produtos e serviços, vale “quase” tudo. Nesse sentido, algumas organizações levam ao pé da letra essa disputa, mesmo que isso signifique induzir o consumidor a erro, passando por cima da legislação. Uma das práticas mais conhecidas é a “maquiagem de produtos”, um fenômeno quase tão antigo quanto as relações de comércio na sociedade.
Eliane Bispo é vendedora em Cuiabá. A jovem de 22 anos ficou surpresa quando comprou um pacote de absorventes femininos e constatou que no interior da embalagem havia apenas oito produtos ante os dez que estava acostumada a receber. Ela afirma que a empresa não divulgou a diminuição da quantidade nem deu o devido desconto no preço. Eliane disse que as características visuais do produto não foram alteradas e que não percebeu nenhuma alteração na forma física do pacote.
“Sempre costumo adquirir a mesma marca de absorventes. Mas quando comprei e abri o pacote vi que havia só oito; achei que havia sido um erro, mas vi que a embalagem informava apenas oito mesmo, e não dez”, disse ela.
Conhecida como “maquiagem de produto”, a prática de diminuir a quantidade de um determinado bem – normalmente consumível –, sem informar essa alteração na embalagem, fere o Código de Defesa do Consumidor e é mais comum no Brasil do que algumas pessoas pensam.
Em 2003 um caso dessa natureza ganhou destaque na imprensa nacional. A Santa Therezinha (Santher), fabricante do papel higiênico Personal, foi multada em R$ 2,12 milhões pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), por ter diminuído o tamanho de rolo de 40 para 30 metros sem informar a mudança ao consumidor de “maneira clara, precisa e ostensiva”. Mas existem outros casos.
O gerente de Fiscalização, Controle e Monitoramento de Mercado do Procon Mato Grosso, Ivo Vinícius Firmo, explica que o Código de Defesa do Consumidor estabelece algumas situações específicas que as empresas precisam observar.
“O CDC (Código de Defesa do Consumidor) destaca alguns deveres que as organizações precisam observar. O principal deles é a transparência, que é o dever de informar ao consumidor as características do produto. O segundo é o dever da boa fé objetiva. Não é apenas não mentir, é prestar ao consumidor todas as informações que ele precisa, e isso deve ser feito de maneira ostensiva”.
Ivo explica ainda que dependendo do porte e da gravidade da situação, as empresas estão sujeitas a multas milionárias: “Configurada a prática, a empresa pode ser multada em até R$ 8 milhões. Claro que isso depende da situação econômica da organização e da gravidade do caso”.
Multinacionais na mira
Três casos no início de julho envolvendo empresas multinacionais reascenderam a polêmica em torno da maquiagem de produtos. Unilever, Nestlé e Pepsico podem ser multadas em R$ 7,9 milhões se forem condenadas nos processos impetrados pela Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon).
De acordo com a representação, os sorvetes Kibon de passas ao rum e Laka Especial, da Unilever, diminuíram em mais de um quinto sua quantidade (21,2%), sem a correta prestação da informação ao consumidor, mesmo caso do sorvete Chocolover, da Nestlé, que foi ainda mais ousada na ação cortando 25% de sua porção original.
Outros produtos da Unilever também sofreram suposta redução: Rexona Men V8 (14,3%), sabão em pó Omo (10%), ambos da organização anglo-holandesa, também constam na investigação. A Pepsico, fabricante do refrigerante Pepsi, também pode sofrer multa por diminuir a quantidade da aveia em flocos Quaker, que ficou 20% menor sem informar aos clientes a alteração.
O Circuito Mato Grosso entrou em contato com a sede brasileira das empresas em São Paulo buscando um posicionamento sobre o caso.
A Nestlé explica que reformulou recentemente a categoria “take home” de sorvetes e que comunica “claramente” a mudança em sua embalagem. Segue abaixo a transcrição na íntegra da resposta da empresa.
“A Nestlé reformulou recentemente a categoria take home de sua linha de sorvetes, a qual adquiriu novos conceitos de embalagem e variedade de sabores. Toda a linha passou a ser comercializada em potes de 1,5 l para se adequar à atual demanda do mercado consumidor. A empresa destaca que a alteração se deu em outubro de 2014 e continua, até a presente data, sendo comunicada claramente na embalagem dos produtos, em pleno cumprimento à legislação vigente”.
A assessoria da Unilever também se manifestou dizendo que a empresa não comenta processos em andamento, como mostra a nota enviada a redação do Circuito.
“A Unilever informa que não comenta sobre processos em andamento. Presente no país há 86 anos, a companhia reafirma que cumpre todas as leis aplicadas no país com honestidade, integridade e transparência”.
Nenhum contato telefônico disponível na página da Pepsico completou as ligações feitas pela nossa equipe, impedindo um posicionamento da mesma.