Foto: Ahmad Jarrah / Circuito MT
O que deveria gerar economia e folgar os cofres públicos de Mato Grosso está se transformando em um pequeno pesadelo para o Estado, já que a negociação com o Bank of America, em 2012, para renegociar a dívida pública bilionária estadual, foi desprovida de um item quase básico para operações com câmbio estrangeiro: o ‘hedge’, que é uma trava no valor do dólar negociado no contrato.
Na prática, se no contrato estivesse incluso o hedge, mesmo que a moeda americana subisse muito, ou perdesse valor, os números contratados não sofreriam alteração.
O (nem tão pequeno) detalhe já fez a dívida subir praticamente 100% com a alta do dólar, aumentando em mais R$ 900 milhões o valor pactuado inicialmente entre o governo de Mato Grosso e o banco americano.
“Não quero fazer juízo de valor sobre como ou o que foi negociado à época, mas tenho que dizer com clareza que se fosse agora, na gestão Taques, só faríamos esse tipo de contrato com a trava do dólar”, pontuou o secretário de Estado de Fazenda, Paulo Brustolin, em entrevista ao Circuito Mato Grosso.
“Na contratualização não foi feito nenhum mecanismo de blindagem e proteção de um eventual aumento e isso é muito chocante. O que nós temos feito, esse contrato existe e é vigente e possui uma série de problemas. Como é um contrato internacional, você não consegue renegociar de maneira simples. Tem que fazer uma proposta, chamar o banco para discutir, elaborar uma proposta legislativa, aprovar na Assembleia, aprovar no Senado Federal e ganhar o aval do Ministério da Fazenda. O secretário Paludo tem trabalhado nessa negociação. O Ministério da Fazenda estava muito refratário, pois eles não queriam negociar nem liberar operações de crédito. Agora é que começou a mudar. Então houve avanços, mas precisamos melhorar esses processos. Estudamos fazer um seguro dessa dívida, para nos proteger da alta do dólar. Um calote da dívida traria muito mais prejuízos, pois isso rebaixaria nossas notas de investimentos”, explicou o secretário de Estado de Planejamento, Marco Marrafon.
Em 2012, quando o então governador Silval Barbosa (PMDB) emprestou do banco americano R$ 1 bilhão (US$ 495, com dólar a 2,02) com taxa de juros anual de 5% ao ano e carência de dois anos para pagar, a ideia era dar fôlego econômico para o Estado, mas o tiro acabou saindo pela culatra e hoje Mato Grosso está numa sinuca de bico, sem perspectiva de solução.
O governador Pedro Taques (PDT) declarou que o contrato foi firmado sem manifestação da PGE, tem cláusulas absurdas e teve apenas um advogado contratado pela própria instituição financeira.
Segundo Brustolin, há uma série de dificuldades para que o contrato seja repactuado. Ele afirmou que houve diálogos com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), com o Congresso e visita ao secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, mas não obtiveram solução ou luz no fim do túnel.
Apesar de indicar que existe a possibilidade de repactuar a dívida, Brustolin pontuou que nem o Estado nem a União sabem o que fazer, a priori. “É uma preocupação do governo federal. Se Mato Grosso não pagar uma parcela, no outro dia o Bank of America cobra a União. Realmente eu fico muito preocupado e precisamos encontrar uma saída”.
Até março deste ano o Estado pagou R$ 238 milhões da dívida com o Bank of America, dos quais R$ 90 milhões foram amortizados e R$ 147,9 eram juros.
A próxima prestação será paga dia 10 de setembro, no valor de US$ 35 milhões ou R$ 122,5 milhões, com a cotação de dólar a R$ 3,50. As prestações serão realizadas em duas parcelas, março e setembro, até o ano de 2022.
"Hoje o valor da dívida de Mato Grosso que está dolarizada praticamente dobrou, já que quando ela foi feita o dólar estava cotado a R$ 2,02 e agora ultrapassa R$ 3,50", frisou Brustolin, dizendo que os recursos provenientes da economia com o empréstimo deveriam ainda conseguir concluir as obras pendentes da Copa do Mundo. “Ainda temos inúmeras obras para terminar com o recurso de 2012”.
Além disso, segundo Marrafon, há outra previsão de gastos com operação de crédito de R$ 1 bilhão em 2016 naquilo que chamam de “serviços da dívida”, que é amortizar a parcela devida e pagar os juros correspondentes. Ele se diz preocupado com a explosão do dólar e afirma que isso “se tornou uma coisa dramática, porque foge das previsões iniciais orçamentárias e aumenta muito os valores”.
“Estima-se que a parcela de setembro, que girava em torno de R$ 110 milhões ou R$ 115 milhões, poderá chegar a R$ 150 milhões dependendo da alta do dólar”, afirma o secretário de Planejamento.
Além do empréstimo com o Bank of America, há mais US$ 114,4 milhões de dívida pública contratada em moeda estrangeira com dólares americanos, totalizando US$ 560,9 milhões.
O valor total da dívida pública, em março deste ano, era de cerca de R$ 6,5 bilhões, referente a empréstimos contraídos com autarquias do Governo Federal, como o BNDES e a Caixa Econômica Federal, para investimentos em obras da Copa do Mundo, além de outras dívidas contraídas pelas gestões anteriores. Desse total, 22% estão dolarizados.
Entenda a dívida
De 1997 a 2012 o Estado pagou mais de R$ 7 bilhões em dívidas públicas. Isso acontece por conta dos juros altos e correção monetária pelo IGPDI, que é um índice sensível a preços internacionais e commodities, além de preços agrícolas, do atacado e da construção civil.
A dívida se acumulou por conta de empréstimos que o governo fez para investimentos, como no caso de Cemat, Sanemat e Codemat. Desses valores, muito são encargos que o Estado não conseguiu honrar na época. Então foi consolidado um plano de ajuste nacional feito pelo governo federal, que alongou o pagamento por 30 anos. A União assumiu a dívida com credores privados, emitiu títulos e o Estado passou a dever para a União.