Imagine andar 500 km usando água no lugar da gasolina como combustível para a moto? É o que promete o funcionário público Ricardo Azevedo, morador de Itu (SP). Após seis meses de pesquisas e testes, ele afirma ter conseguido adaptar de forma caseira uma Honda NX 200, ano 1993, para andar utilizando água, que chamou de Moto Power H²O. O G1 acompanhou um teste com a motocicleta usando água captada no rio Tietê, em Salto (SP) (veja no vídeo acima).
O funcionário público teve a ideia de adaptar a moto para economizar no trajeto até o trabalho em São Paulo. "Foi incentivo também para o meu filho, que trabalha na área química, continuar os estudos", diz.
Ele usou a experiência na área mecânica com os estudos do filho e conhecidos para montar o projeto em casa há seis meses. "Existem pesquisas que mostram uma economia extraordinária com o uso da água porque é um processo infinitamente mais barato", compara.
Cerca de R$ 6 mil já foram investidos no protótipo (entre testes e adaptações), que usa materiais simples como tubos de PVC, mangueiras de plástico, bateria automotiva e um reservatório de água usado em carros.
Azevedo explica que a moto utiliza um processo já conhecido no mundo da química e que vem sendo estudado há anos por cientistas. Após quebrar a molécula de água, em um processo conhecido como eletrólise, o motor da moto utiliza a combustão do hidrogênio para funcionar.
Um aditivo é colocado na água para aumentar a capacidade de transmissão de energia elétrica e ajudar na quebra das moléculas. O funcionário público explica que o gás então é levado até o carburador da moto, única adaptação realizada no veículo.
O processo só é possível porque, separado do oxigênio presente na água (H²O), o hidrogênio tem maior poder de combustão do que, por exemplo, a gasolina. Em um rápido teste usando o gás dos combustíveis presos em bolhas de sabão é possível ver a diferença nas explosões (veja no vídeo).
Apesar de Azevedo garantir a autonomia da moto, o instrutor e orientador da área automotiva do Senai de Sorocaba, Fábio Castro de Melo, explica que ainda é necessário cuidado no uso do hidrogênio como forma de combustível. “O poder de explosão é muito maior, mas é preciso amadurecer a tecnologia e questões de segurança antes de ser adaptado desta forma e usado no mercado em geral”, pondera.
Já Sandra Villanueva, pós-doutora em engenharia química pela Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenadora do curso de engenharia química da Faculdade de Engenharia de Sorocaba (Facens), questiona a eficiência energética produzida com a queda da molécula de água em relação a autonomia proposta. “O sistema é fechado e não é alimentado com água o tempo todo. De repente não é só a eletrólise. Deve ser um processo combinado, no caso da bateria”, diz.
Sandra avalia ainda que o sistema depende da energia elétrica de um motor para funcionar. “Não é possível iniciar a eletrólise sem uma carga de energia. Nesse sistema, ainda é necessário recarregar a bateria com uma fonte externa. Então ele precisaria de uma forma de gerar essa eletricidade para o inicio da reação e armazená-la. Uma alternativa é usar o deslocamento da própria moto para gerar a energia”, diz.
A experiência já vem chamando a atenção de investidores e Azevedo conta nos dedos o número de reuniões agendadas neste mês de julho. "Uma montadora me chamou para encontros com a diretoria de marketing, estive em um instituto em São Paulo e outro representante do Nordeste fez uma reunião comigo e também tenho encontros com representantes de governo. As pessoas estão querendo apoiar o projeto", comemora.
Segredos
Azevedo, entretanto, não divulga certos "segredos" usados na adaptação. Um cadeado na caixa do Moto Power H²O, por exemplo, em que a água passa pelo processo de eletrólise, já deixa claro que ela não será aberta ao público. Ele afirma que ali a água entra em contato com um microcircuito formado por placas de três metais diferentes e energia elétrica. A composição do catalisador colocado no tanque de água também é mantida "a sete chaves". "Existem coisas que não posso falar por ser segredo, mas todos os materiais são simples e feitos em casa", diz.
Para testar a moto, o G1 foi até a cidade de Salto. Azevedo coletou água no rio Tietê no para mostrar processo de funcionamento do veículo. O ideal é que o "combustível" esteja o mais puro possível, então a água do rio foi filtrada antes de entrar em contato com o reservatório.
Como se trata de um protótipo, por questões de segurança a partida é dada usando aproximadamente 10 mls de gasolina. "Temos alguns problemas técnicos, então começo com a gasolina e espero ela ser completamente usada. É possível sim dar partida com o hidrogênio, mas ainda preciso controlar o processo. Cheguei a perder um motor por conta disso", explica. O processo é parecido com o de carros que andam utilizando GNV: um botão alterna a fonte de combustível.
O projeto ainda precisa de aprimoramentos e dificilmente a moto poderá ser guiada por motociclistas comuns em um curto espaço de tempo.
O controle da quantidade de hidrogênio usado na combustão, por exemplo, é feito de forma manual com base em medidores, enquanto Azevedo guia a motocicleta. "No futuro tudo isto vai ser automatizado, mas precisamos de investimento e levar o projeto para um laboratório", estima. O funcionário público diz que próximo passo é adaptar um alternador para aproveitar a energia gerada para carregar a bateria que movimenta o sistema.
Mercado automobilístico
No mercado tradicional, montadoras já chegaram a anunciar a venda de veículos movidos a hidrogênio. Um dos exemplos é o sedã FCV, apresentado em 2014 pela Toyota, que é um híbrido com dois tanques de hidrogênio de alta pressão. Em uma estação no assoalho no carro, o hidrogênio é quebrado em duas moléculas, o que gera uma descarga elétrica.
A energia é direcionada a um conversor de tensão, que alimenta uma bateria. O resultado dessa reação é água, que sai pelo escapamento. A diferença neste caso, comparando com a moto de Azevedo, é que o processo no carro da Toyota utiliza o hidrogênio para gerar energia elétrica e assim movimentar o veículo. Aqui, o processo é baseado na combustão do hidrogênio.
Também é possível encontrar em sites de venda kits que prometem converter veículos para funcionar usando água como combustível. "A diferença é que estes produtos na internet fazem o carro andar de forma híbrida, misturando a gasolina e o hidrogênio. Aqui a moto só anda a base de água", defende o funcionário público.
Segurança merece atenção
A engenheira química Sandra avalia que o processo ainda pode não ser viável para aplicação no mercado automobilístico, já que precisa de mais estudos. “O custo ainda é elevado para uma autonomia que não é tão grande. Mobilizar um carro com água ainda é caro porque o metal mais eficiente para ser usado no processo, a platina, tem um custo muito alto. Isso vai deixar o veículo com um preço impraticável”, diz.
O instrutor e orientador da área automotiva do Senai de Sorocaba, diz também que é necessário cuidado no uso do hidrogênio como forma de combustível. De acordo com especialista, caso a quantidade de gás não seja regulada é possível causar grandes explosões. “Levando em conta os princípios básicos de combustão, em seis meses é difícil avaliar os reflexos disso para analisar, por exemplo, se não pode prejudicar a autonomia do veículo ao longo do tempo”, explica.
Na análise do orientador, apesar da considerável economia, o uso do hidrogênio como forma de combustível ainda encontra resistência no mercado por conta, justamente, do alto índice de explosão. "O principal desafio está no armazenamento e como isso será colocado no automóvel por conta do risco de explosão e de vazamentos. Como isto pode reagir, por exemplo, no caso de acidentes. É um alto grau de periculosidade porque tem que ter todo um cuidado no armazenamento. Precisamos de mais estudos para apontar o caminho mais seguro."
Melo, entretanto, elogia a iniciativa do servidor público. “Toda alternativa que dispense o petróleo é muito interessante. Precisamos ver como isso será divulgado e encarado pelo mercado”, finaliza.
Fonte: G1