Política

Proposta de deputado causa cabo de guerra na advocacia pública

Foto: Ahmad Jarrah / Circuito MT

Está em tramitação na Câmara Federal uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deixou a classe jurídica brasileira em polvorosa. De autoria do deputado mato-grossense Valtenir Pereira (Pros), a PEC 80/2015 não está sendo muito bem recebida pelos procuradores dos Estados e do Distrito Federal, pois propõe a criação de uma carreira para os procuradores de autarquias e fundações estaduais e para os advogados concursados como analistas, consultores e assessores jurídicos dessas entidades.

Os procuradores estaduais foram inscritos na Constituição a partir da Emenda Constitucional 19, de 1998, organizados em uma carreira, assim como ocorre com a Advocacia-Geral da União. Usando esse mesmo conceito de advocacia pública, os deputados afirmam que pretendem esclarecer que as autarquias e fundações precisam ter procuradores específicos; e não podem ter os mesmos representantes do Estado, porque, em alguns casos, atuariam uns contra os outros.

Duramente criticado por alguns, Valtenir garante que a proposta é uma tentativa de regulamentar um vácuo existente na Constituição Federal. “Em 1999, os procuradores de estado ganharam status constitucional e agora nós estamos acrescentando um novo artigo, para tratar do procurador autárquico e fundacional”, afirmou o deputado ao Circuito Mato Grosso.

A PEC 80/15 também modifica as disposições transitórias da Constituição, para extinguir gradativamente as consultorias jurídicas que existam separadas das Procuradorias Estaduais. A proposta coloca os servidores desses órgãos sob responsabilidade das Procuradorias-Gerais, até que seus cargos sejam extintos no final de suas carreiras. Em Mato Grosso o número de advogados públicos chega a quase 300.

“Ele é um Ato de Disposições Constitucionais Transitórios (DCT), então precisamos resolver a questão da transitoriedade. Os cargos de advogados públicos entrarão em extinção. Hoje nós temos 300 em Mato Grosso que ganham R$ 3 mil e temos 65 procuradores que ganham de R$ 20 mil a R$ 30 mil por mês e ainda podem advogar como particulares. Na medida em que vão desocupando estes 300 cargos de advogados públicos eles terão que ser ocupados através de procuradores dos Estados; nós estamos regulamentando uma carreira”, garantiu Valtenir.

Assim como no caso dos advogados da União e dos procuradores estaduais, a PEC determina que esses cargos sejam privativos de advogados e devem ser ocupados por concurso público, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"Competências inconstitucionais são inegociáveis"

Do outro lado da moeda, a Associação dos Procuradores do Estado de Mato Grosso (Apromat), presidida pela procuradora Glaucia Amaral, critica a proposição de Valtenir,que acrescenta o artigo 132-A à Constituição da República e os parágrafos 1º, 2º e 3º ao artigo 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, impondo a criação das carreiras de procuradores autárquicose fundacionais e regulando a transição das atividades de assistência, assessoramento e consultoria jurídica para o sistema orgânico das Procuradorias Gerais dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Segundo a procuradora, a PEC 80 tira das PGEs a exclusividade para dar consultoria jurídica aos Estados, e pode atémesmo impedirasProcuradoriasde fazer a defesa de autarquias estaduais.

“A PEC 80 atende o interesse de grupos que estão no serviço jurídico em sua maioria e não na advocacia pública; não fizeram concurso; e muito embora tenhamperfildeadvogado,não se tratam de advogados públicos. Ela visa dividir o serviço de orientação da administração pública, especificamente do Poder Executivo; além da orientação na administração direta, ou seja, todos os contratos e licitações ficariam a cargo de servidores que fizeram concurso para a área instrumental; e na administração indireta criaria uma segunda carreira para representação e defesa das autarquias, o que também é um erro porque o governador não é obrigado nem a ter autarquia, mas ele vai ser obrigado a ter uma carreira de defesa de autarquias”, afirmou Glaucia ao Circuito Mato Grosso.

Glaucia argumenta ainda que, além de interferir na autonomia dos Estados, a proposta viola a regra do concurso público. Reclama, inclusive, que a medidaéconsiderada “Trem da Alegria”, pois pretende incluir na carreira de procuradores todos os servidores da área instrumental, que exercem o assessoramento jurídico no âmbito da administração direta dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, sem a realização de concurso público.

“Essas provas para a área instrumental do governo – com todo o respeito, porque todo concurso público é meritório ser aprovado –, mas como ela não é específica para a representação judicial do Estado,ela é uma prova de 50 questões de marcar ‘x’ e uma redação. Então assim depois se não igual é uma prova semelhante para o contador, engenheiro, para a pessoa que é formada em direito. Então, assim, realizam um concurso público e têm direito à permanência para o cargo em que passaram, mas modificar as atribuições desse cargo para inserir as atribuições de procurador do Estado é transposição, eles vão se alçar a um cargo para o qual não fizeram concurso, portanto não foram avaliados”, defendeu a procuradora.

Com a aprovação da emenda, o número de procuradores em Mato Grosso subiria de 68 para mais de 300. A presidente reitera que o Estado não estaria apto para arcar com tal despesa.

“Na realidade, o deputado [Valtenir Pereira] foi informado da impossibilidade de acordo, eu disse ao deputado que as competências institucionais são inegociáveis. […] Nós não precisamos de modificação constitucional para disciplinar que os serviços jurídicos e a área instrumental estão subordinados à Procuradoria do Estado. Essa modificação constitucional só é necessária se realmente as pessoas estão pretendendo uma transposição e ainda assim ela seria inconstitucional […] Agora, essa PEC sim traz conflito, traz tumulto, ela se justifica o Estado contra o Estado em juízo, ela divide orientação. O fortalecimento da Procuradoria do Estado e à unicidade da orientação jurídica são fundamentais no combate à corrupção”, justificou Glaucia.

A presidente da Apromat também afirmou que, caso a PEC seja aprovada, a categoria irá propor uma ação de inconstitucionalidade: “A nossa preocupação é o tumulto administrativo, porque de fato esse suposto conflito ele não é um conflito, é uma pretensão de grupos que desejam a transposição”.

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Redação

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