Precisava muito ficar sozinho. Tão só que dispensava até o consigo mesmo. Já era gente demais!
Isso só podia ser um sintoma de que estava virando humano. E como tal sofrendo de todos os seus males. Devia ser consequência da exposição prolongada a atmosfera terrestre. É claro que não prevista antes de começar a viagem. Quem poderia imaginar que um mero pulo em falso pudesse deixa-lo preso nessa “terra abençoada por Deus”? Não, não se referia ao Patropi. Mas ao planeta como um todo. O Brasil foi apenas uma questão de sorte.
Não conseguir que sua força propulsora ultrapassasse a camada poluente da atmosfera fazendo que prosseguisse sua jornada interplanetária, por outro lado, não foi apenas falta de sorte (aqui dizem que não é bom usar o antônimo da palavra sorte porque atrai o azar)
Definitivamente o espírito humano estava dominando seu ser numa simbiose indesejável e, certamente, imprevista. Perdeu seu espírito aventureiro e sua iniciativa própria engolfados por um turbilhão de informações, conceitos e, principalmente, pré-conceitos. Tudo ao mesmo tempo!
O bombardeio era tão intenso que nem os sofisticados aparelhos de sua nave interplanetária davam conta de tantos dados a serem inseridos e tabulados. Contaminados, assoberbados e sem tempo hábil para reporem suas energias os equipamentos simplesmente se alinharam ao usuário das engenhocas e… travaram.
Que atitude mais humana, avaliava Pluct Plact. Aquela sensação de aperto no peito e dor de estômago não o abandonava por mais que respirasse fundo. Pau-as-da-men-te. Imaginara, quando começou a sentir sua transformação, que ela fosse por igual. Completa, por assim dizer. Nem se incomodara em ser cobaia involuntária da experiência. Já que não tinha opção…
O problema é que a desumanidade anda sufocando e impedindo qualquer manifestação da humanidade espantosa que tanto estudara e pesquisara durante sua longuíssima viagem interplanetária entre seu lar e a Terra. Também foi nesse período que seu objeto de estudo deu um salto exponencial e começou a dispor de tecnologias inimagináveis. Talvez além da capacidade de absorção de conhecimento dos próprios humanos. A corrida está desigual entre o que é exposto e o que podemos digerir.
E, o que é pior: algumas coisas, por serem mais sutis, suaves ou de lenta assimilação, parecem se diluírem e se perderem. Entre elas a esperança, a ética e a solidariedade estão tomando um vareio do consumismo e da sanha pelo poder a qualquer preço.
Tão humano (por falta de opção), Pluct Plact não sabe como explicar à cronista suas sensações e necessidades. Incluindo a de ficar sozinho. É ela que tem impedido as visitas informativas na cela do outro lado do túnel onde a escriba se isolou.
Como explicar-lhe que sua humanidade contemporânea não contempla a amizade? A não ser que seja por meio de curtidas, comentários superficiais e compartilhamentos de postagens que definam, para seus milhares de contatos pelas redes sociais, sua personalidade, posicionamento e postura perante a sociedade. Ali, agora, é o ambiente de exposição e aceitação humana, sublinhado por autoimagens sorridentes em lugares da moda. O tipo de comunicação que, agora ele compreende, a cronista fez questão de deixar trancada do lado de fora de sua cela onde apenas uma janela enluarada a conecta com o mundo exterior.
E não será por ela, a janela, que ele, Pluct Plact, o extraterrestre, contará o que está sentindo. Afinal, pra que tirar da cronista o que ela insiste em preservar e ampliar no seu pequeno mundo?
Ah, a esperança! Melhor ser enlouquecidamente só do que acompanhado do enorme peso da “sanidade” humana neste terceiro milênio. E esperar…
No chão, do lado de fora da janela, Pluct plact encontrou um bilhete: “Não se desespere. Começaram os Jogos Pan Americanos de Toronto. Por meio do esporte o melhor do ser humano transparece. Acompanhe. V.”